Nos últimos tempos, multiplicam-se listas que celebram personalidades e empresas no setor de turismo, conferindo-lhes visibilidade por trajetórias supostamente exitosas — muitas vezes, sem o devido merecimento.
por Paulo Atzingen*
Entre essas premiações, proliferam os reconhecimentos baseados em critérios ESG (Environmental, Social and Governance), conceitos que, se corretamente aplicados, deveriam refletir responsabilidade ambiental, ética empresarial e boa governança. No entanto, o que se observa com frequência é a banalização desses parâmetros, com sua apropriação por empresas cuja realidade contábil, fiscal e jurídica é profundamente contraditória com a imagem que tentam vender.
No mercado do turismo, essa dissonância se revela gritante. Em tempos de ampla transparência de dados públicos, é inaceitável que empresas com passivos tributários expressivos, processos trabalhistas, ações cíveis e dívidas milionárias sejam agraciadas com selos de excelência. O marketing institucional não pode ser um escudo para encobrir práticas financeiras temerárias ou gestão temerária. A mera aparência de solidez não pode se sobrepor à realidade dos balanços.
Diversas operadoras de turismo encerraram atividades recentemente ou enfrentam processos de reestruturação financeira por razões que incluem endividamento excessivo oriundo de debêntures não liquidadas, descontrole de custos operacionais, margens de lucro insustentáveis e ruptura com parceiros estratégicos — como exemplificado pela recente quebra de contrato entre a Gol e a Viagens Promo.
A edição 2025 do prêmio “Melhores do Turismo Panrotas Amadeus” afirma basear-se em uma pesquisa espontânea junto a mais de 470 fornecedores do setor para eleger operadoras regionais e de nicho com base no desempenho de 2024. São várias listas, no entanto, a lista “Melhores Operadoras 2025” apresenta inconsistências gritantes que colocam em xeque sua credibilidade. Pelo menos um terço das empresas listadas ali acumulam débitos fiscais, atrasos com fornecedores, passivos trabalhistas ou estão sob reestruturação judicial. A justificativa de que os nomes foram indicados de forma espontânea pelos participantes não exonera a curadoria editorial da responsabilidade sobre o resultado.
Dívidas bilionárias
Entre as operadoras listadas — sem nominar diretamente —, há empresas com dívidas bilionárias oriundas de debêntures contraídas como tentativa de sustentação durante a pandemia, mas que continuam sem liquidação. Há empresas sob risco de colapso financeiro iminente, com evidente desgovernança fiscal e administrativa. Outras estão em renegociação com credores, postergando obrigações. Também há distribuidoras de hotéis que, equivocadamente, foram incluídas como operadoras, apesar de não desenvolverem atividade fim correspondente. Uma dessas, inclusive, viu-se altamente exposta após a quebra da 123Milhas, revelando um modelo de negócios fragilizado, calcado em margens irrealistas.
Não menos grave, consta na lista uma empresa recentemente vendida para um grupo internacional que está, neste momento, sob recuperação judicial nos Estados Unidos, amparado pelo Capítulo 11 da legislação norte-americana. Ainda, uma OTA com passivo estimado em R$ 70 milhões figura entre os destaques, mesmo em meio a denúncias de calote a fornecedores e silêncio institucional diante de solicitações de esclarecimento.
Frente a esse panorama, a curadoria da premiação poderia ser mais transparente para com seus leitores, do contrário assume postura conivente com práticas empresariais incompatíveis com os valores que diz promover.
Por fim, é urgente afirmar: o fortalecimento do setor de turismo não pode se dar apenas com base em métricas de faturamento ou marketing de reputação. É preciso que se valorize a conformidade fiscal, a legalidade das práticas comerciais e o respeito aos compromissos trabalhistas e contratuais. Um mercado turístico forte é aquele em que as empresas crescem com integridade. A justiça fiscal, a lisura tributária e a governança responsável são pilares para um turismo democrático, seguro e sustentável — um turismo que, de fato, contribua para o desenvolvimento do país.
*Paulo Atzingen é jornalista, fundador do DIÁRIO DO TURISMO.