Meu antigo professor de Língua Portuguesa ensinou que o uso exagerado de adjetivos serve para mascarar a falta de criatividade e de substantivos de quem escreve. Portanto, evitarei ao máximo seu uso.
Paulo Atzingen*
O tema bem que merecia, já que é difícil não me perder em elogios ao livro Mentirosas Verdades de Um Advogado, de Eliah Duarte, que recebi, autografado, das mãos do autor.
A obra de Eliah se desdobra em várias camadas de técnica e estilo. Defino-a como uma coletânea de novelas que saltam da página branca e nos tocam com um colorido multiforme, pela leveza e verdade contidas em cada uma das dez narrativas. São personagens reais — vítimas, réus, juízes, advogados, promotores e oficiais de justiça — que desfilam, ora como coadjuvantes, ora como protagonistas, neste livro delicioso, recheado de histórias que parecem extraídas do mesmo poço de onde Nelson Rodrigues retirava sua matéria-prima. Diferentemente de Rodrigues, que tinha o Rio de Janeiro como cenário, Eliah tem Recife como palco de seus casos. No entanto, ambos compartilham essa “nitroglicerina pura” que é a natureza humana, com suas paixões, justiças próprias, pecados e crimes escondidos.
E vou além: Eliah é o Fiódor Dostoiévski de Recife. Seus contos demonstram domínio do tempo narrativo, bom humor na medida certa e um talento em detalhar fatos e ambientes sem cair nos cadafalsos da Língua. E sem adjetivação excessiva. Suas novelas, Mentirosas Verdades, em certos momentos se assemelham ao enredo de Crime e Castigo, do mestre russo, pois, de forma crua e direta, Eliah se aproxima da trajetória de Raskólnikov, um ex-estudante de Direito que convive com pessoas ordinárias e extraordinárias, boas e más, honestas e corruptas. Como narrador, Duarte faz uma mediação jurídica e humana — ora como advogado, aliás, um advogado fora da série, ora como ser humano. E que ser humano. Eliah manifesta sua natureza e estirpe, quando, antes da análise fria da lei e de advogado, deposita seu olhar de homem de carne, osso e sangue , antes de defender qualquer causa.
Os títulos enxutos de suas novelas prenunciam o que o leitor irá degustar: O Romance Fúnebre, O Justiceiro Rural, O Circo, Os Três Pretinhos, O Falsificador de Assinaturas, Defloramento da Virgem, Flagrante de Adultério, entre outros.
Um frescor textual, pontuado com pitadas jurídicas e jurisprudências acessíveis ao leitor mediano. Lições filosóficas, sociológicas e de humanidade que não exigem grande esforço intelectual para serem compreendidas.
Eliah Duarte encontrou a seara da literatura tardiamente — este é seu segundo livro —, mas guardou em seu cofre de sentimentos e ideias um manancial de fatos e lembranças do período em que atuou na advocacia criminal e, depois, na cível, área em que permanece ativo até hoje, aos 91 anos.
Eliah é advogado, mas posso afirmar: antes de advogado, é um escritor. Aliás, um grande escritor, que bebeu nos processos civis e criminais a água pura — e infelizmente também envenenada — da narrativa da vida.
ELIAH DUARTE

Eliah Duarte formou-se em Direito em Ciências Sociais pela Universidade do Recife (Atual UFPE). Começou a exercer a advocacia em Garanhuns no Serviço de Orientação de Orientação Rural de Pernambuco (SORPE). Em 1964, durante a ditadura militar, foi preso pelo IV Exército, quando cooperava com D.Hélder Câmara, na Operação Esperança. Exerceu a Advocacia Criminal por 15 anos, depois a Civil, na qual permanece até os dias atuais.
O livro Mentirosas Verdades de Um Advogado pode ser adquirido na editora Bagaço Design Ltda – www.bagaco.com.br – email: bagaco@bagaco.com.br
*Paulo Atzingen é escritor e jornalista. Fundou o DIÁRIO DO TURISMO.
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