Na rota de al-Mutamid por Portugal e Espanha – Crônica de Osvaldo Alvarenga

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Há dias, neste espaço, falei dos tartessos e disse que havíamos passado por Évora. Sim, fomos de Lisboa à Évora, depois Reguengos de Monsaraz, em direção à Sevilha, a capital da Andaluzia; berço dos tartessos. De lá seguimos para Ronda, voltamos por Faro, Portimão, Lagos, Aljezur, subimos a Costa Vicentina, e finalmente Lisboa. Uma viagem de 1.300 Km, fugindo das autoestradas para ver de perto ou cortar por dentro as muitas aldeias e vilas de casario branco abundantes na região.

Não imagine que foi uma viagem de exploração arqueológica ou coisa assim. Até estudar sobre a origem do vinho em Portugal, não fazia ideia, sequer sabia, da existência dos tartessos. A viagem foi puro turismo, queríamos mostrar um pouco do Alentejo, da Andaluzia e do Algarve para os sobrinhos que vieram nos visitar. Percorremos um bom trecho da Rota de al-Mutamid; o percurso que marca o território do que foi o reino mouro (taifa) de Sevilha no final do séc XI.

Desde a época dos tartessos, há oito mil anos, aliás, muito antes ainda, desde a chegada do homo sapiens à Península Ibérica e o encontro deste com o homem de neandertal, que já vivia aqui, há 40 mil anos, que as culturas da região vêm sendo moldadas, transformaram-se ao longos dos séculos pela influência e superposição de camadas e mais camadas de civilizações, etnias e até espécies em intercâmbios e mestiçagens. Nem todos os povos que marcaram as culturas ao sul foram influentes ao norte da península e vice-versa. Por isso mesmo, provavelmente, há mais características étnicas e culturais comuns entre alentejanos, andaluzes e algarvios que entre portugueses do sul e do norte ou entre andaluzes e bascos.

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Também há mais coincidências entre o clima, a vegetação e a economia do sudoeste peninsular, nos dois lados da fronteira, que entre o norte e o sul, dentro das fronteiras desses dois países. Eram essas características e história comuns que nós queríamos mostrar aos nossos sobrinhos (já eles estavam mais entusiasmados em ver, nos jardins de Alcázar, as locações da 5ª temporada do Game of Thrones). E lá fomos nós.

Desde Lisboa até Sevilha, prevalece o clima árido e a paisagem parece mudar pouco. Na verdade muda bastante, mas muito lentamente e os viajantes acostumados ao montado alentejano, com sua floresta de azinheiras, sobreiros e carvalhos, ao gado diverso camuflado entre as árvores – olha ali um rebanho de porcos pretos –, de vez em quando salpicado por olivais e vinhas, mal percebem quando, nas imediações da Sierra de Aracena, o ar torna-se fresco, a planície ficou para trás e o que os olhos vêem agora são picos e vales, mas ainda assim estão lá as azinheiras, os sobreiros e o gado. Até Sevilha a estrada ficará novamente plana e, nas laterais, são as plantações de girassóis e trigo que irão assinalar a mudança na paisagem.

Ronda. (foto: Osvaldo Alvarenga)

De volta à Portugal, ainda pela Rota de al-Mutamid, a estrada que cortava o campo cede lugar à via urbana: aglomerados rurais tornados cidades veraneio, umas ligadas às outras. Às vezes uma pequena vinha, outras vezes algum laranjal e, sempre presentes, as praias do Algarve. As praias não estão ali à beira da estrada, um desvio em direção ao mar é necessário e, aí sim, o deslumbre das falésias com areia embaixo. É preciso estacionar o carro e, agora no verão, andar muito até chegar às praias. Mas vale todo o esforço.

Seguimos pelo litoral desde Tavira até a praia de Odeceixe, em Aljezur, com toda a certeza uma das mais belas de Portugal. A cor do mar, o céu sempre azul, os longos dias quentes e secos, convidam ao banho, enquanto a temperatura da água afugenta. Dizem que o mar no Algarve é quente. Pode ser mais quente, ou melhor dizendo, menos frio, que no resto do país. Mas é um gelo na mesma. Só crianças e turistas do norte são capazes de entrar. Também é possível ver na água algum adolescente pleno de hormônios. Nós molhamos os pés.

A Rota al-Mutamid recebeu este nome em homenagem ao terceiro e último rei da taifa de Sevilha. Nascido em Beja (no Alentejo) por volta do ano 1040. Filho do rei de Sevilha, foi enviado pelo pai para governar as taifas de Silves e de Santa Maria do Algarve. Jovem, culto, considerado grande poeta, o príncipe mouro conheceu no Algarve outro jovem, muito ambicioso, também poeta, Ibn Ammar, que foi o seu mais próximo e íntimo amigo. Promovido a vizir, acompanharia o futuro rei por toda a vida, até traí-lo; quando foi executado pelo próprio. Também no Algarve, al-Mutamid, conheceu e casou-se com a escrava Rumayhiyya, dando a ela o título de a Grande Dama Livre (al-Sayyida al-kubra). Muitas foram as histórias transformadas em literatura protagonizadas pelos três; parte de uma longa e lírica trama que não contarei hoje.

A Rota de al-Mutamid resgata esse passado comum entre as três regiões ao sudoeste da península. Começa em Lisboa, passa por Évora, Beja, Mértola e Sevilha. Depois retorna a Portugal por Huelva, Tavira, Faro, Lagos, Sagres e Aljezur. Em Sevilha cruzam outras sete ou oito rotas do El Legado Andalusí. À semelhança desta luso-espanhola, são rotas que contam outras histórias da antiga al-Andalus, nome dado pelos mouros para a Península Ibérica muçulmana.

Sem pensar em rota alguma, de Sevilha seguimos para Ronda, a única cidade inédita para a Iêda e para mim nesse trecho. Não decepcionou. A cidade fica no topo de um altiplano, mesmo à beira do precipício; embaixo corre o Tejo. Foi erguida pelos mouros. Do alto podiam ver a chegada do inimigo com dias de antecedência. Hoje é um polo turístico com várias atrações. Dormimos lá uma noite e foi perfeito. Pudemos caminhar pelos pontos de interesse e, a grande surpresa gastronômica da viagem, conhecer o Bar El Lechuguita: as melhores tapas que alguma vez comi.

Mais ao leste, a uma hora de carro depois de Roda, em El Chorro, ficam os Caminitos del Rey. Tentamos agendar o passeio, mas só havia reservas para o final de setembro. A informação vale para aqueles que planejam as viagens com antecedência. Para gente como eu, quem sabe, no inverno talvez encontre algum horário?

Não descreverei o que vimos nas cidades por onde passamos. Há muito o que ver em todas elas, ainda mais agora nessa época do ano cheia de festivais e festas. Nos guias de turismo – e são tantos – há dicas o suficiente para quem quer organizar a viagem. Deixo a Rota de al-Mutamid como sugestão e um aviso: o melhor desse roteiro não é chegar a parte alguma, mas sim andar por aí, quase que a esmo, só para ver passar as casas brancas, algum castelo que, pequeno quando visto ao longe, cresce depois e, grande, ocupa toda a vista quando perto. Bom mesmo é, no Alentejo, desfrutar da paisagem e, porque não, emendar ao roteiro algumas visitas às vinícolas; percorrer as montanhas e visitar as pequenas cidades na Andaluzia e, no Algarve, admirar as praias. E para todo o percurso, experimentar a excelente culinária local; essa sim muito diferente de um lugar para o outro.

O que vale mesmo nessa viagem são as histórias construídas sobre essas terras e a imaginação de quem as conhece.

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Sobre o articulista: 

Osvaldo Alvarenga, tem 54 anos, reside em Lisboa e escreve para os blogs: Flerte, sobre lugares e pessoas e Se conselho fosse bom…, sobre vida corporativa e carreira. Atuou por 25 anos no mercado de informações para marketing e risco de crédito, tendo sido presidente, diretor comercial e diretor de operações da Equifax do Brasil. Foi empresário, sócio das empresas mapaBRASIL, Braspop Corretora e Motirô e co-realizador do DMC Latam – Data Management Conference. Foi diretor da DAMA do Brasil e do Instituto Brasileiro de Database Marketing – IDBM e conselheiro da Associação Brasileira de Marketing Direto – ABEMD, dos Doutores da Alegria e, na Fecomercio SP, membro do Conselho de Criatividade e Inovação.

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