Cresce no meio político a pressão para afastar Jair Bolsonaro. Apesar de tudo não acho que o presidente deva ser afastado agora. Seria pura perda de tempo, pirotecnia desnecessária e inócua. O país tem prioridades muito mais importantes, e entrar num processo político complexo e longo como esse paralisaria a sociedade e reduziria a pauta diária a uma estúpida luta entre quem é contra ou a favor do capitão.
Assim como o contágio pelo Covid-19, essa clivagem é tudo que o Brasil precisa evitar. Precisamos de foco para enfrentar a enorme crise econômica que vem por aí, a qual, segundo as perspectivas mais otimistas, será a pior do século, talvez da história recente. O necessário enfrentamento dessa crise não pode ser contaminado pela disputa política que divide o país entre “nós e eles”. Temos que ser melhores que isso. A hora é de pensarmos com clareza, com serenidade, de forma estratégica e não emocional. Afastar Bolsonaro agora seria uma distração que não podemos bancar. Precisamos que as instituições funcionem da maneira mais normal possível, e isso só pode ocorrer num clima mínimo de concertação social, de, digamos, trégua institucional.]
Temos que acreditar que no momento Bolsonaro não é o principal problema do país
Temos que acreditar que no momento Bolsonaro não é o principal problema do país, embora tenha ficado claro que tem enorme potencial para criar dificuldades, controvérsias e confusão. Assim mesmo, acredito que a crise econômica que virá depois de controlado o vírus exigirá esforços que só um país suficientemente unido será capaz de enfrentar. A falta de sintonia entre o presidente e sua equipe, entre o presidente e os organismos internacionais ou os governadores, e até a falta de sintonia de Bolsonaro com a realidade não podem servir de pretexto para lançar o país numa luta fratricida e feroz pelo controle político. Seria como brigar pelos despojos de uma guerra que ninguém venceu. Precisamos, cada vez mais, de uma oposição responsável, estratégica, de resultados. Precisamos conclamar a sociedade para lutar unida, bolsonaristas e opositores, lado a lado tanto quanto possível, no sentido de derrotar esta ameaça inédita que é uma pandemia sanitária que precede uma catástrofe social e econômica cujas dimensões nem os especialistas se arriscar a projetar.
Enveredar pelo caminho político seria desidratar nossa capacidade de reação. É mais um luxo a que não temos direito. Se Bolsonaro incorreu ou não em crime de responsabilidade, isso pode ser avaliado depois da crise. Se ele decepcionou na condição de líder de um país em emergência sanitária, as urnas se encarregarão de lhe dar o troco. O que precisamos é trabalhar unidos, sem fanatismos de direita ou de esquerda, com o único objetivo de encontrar soluções para os problemas terríveis que enfrentaremos nos próximos meses.
Não gosto de Bolsonaro, e não é de hoje. Já o criticava quando era um deputado sem ideias (ou com ideias erradas), e sempre disse que, ainda que ele viesse a fazer um bom governo, eu jamais o respeitaria como ser humano, pois seus valores são diametralmente opostos aos meus. Não entro nessa armadilha de pensamento binário, segundo o qual, quem é contra o presidente é a favor do PT ou da corrupção. Isso não passa de desculpa ou delírio de gente que, por falta de conhecimento ou por sofisma, acredita em soluções simplistas para questões complexas. Porém, minhas restrições a Bolsonaro e ao seu caráter não são maiores que minha capacidade de entender que enfrentamos um perigo muito
maior.
Melhor aguentar um louco em regime de vigilância permanente, do que idealistas profissionais, vivendo numa realidade paralela
O Brasil depende de nossa habilidade para construir as bases de um entendimento que permita estabelecer prioridades com critérios alinhados com o bom senso, ou o senso comum, se preferirem. O clima de terra arrasada não nos ajudará nem a ter um presidente melhor, nem a atenuar os problemas socioeconômicos que estamos prestes a experimentar.
Por fim, mas não menos importante, precisamos considerar que, tirar Bolsonaro do comando do país neste momento seria abrir caminho para que a oposição raivosa (PT, PSOL, PCB, etc.) ganhasse musculatura, acreditasse na possibilidade de ressurreição e na perspectiva de retomar o poder em meio à confusão, reencarnando o papel de que mais gosta: salvadores da pátria. Nada seria mais catastrófico, pois já vimos do que esse pessoal é capaz quando coloca a máquina do Estado a trabalhar em seu proveito. Melhor aguentar um louco em regime de vigilância permanente, do que idealistas profissionais, vivendo numa realidade paralela, empenhados numa cruzada ideológica pela perpetuação no poder.
A hora é de serenidade. Às vezes é preciso dar um passo atrás para ganhar impulso para o salto à frente.
**Rui Jorge Carvalho é gestor de Novos Negócios na MVU Portugal (Grupo M21). Jornalista/Escritor