– por Bayard Do Coutto Boiteux (com edição do DT)*
O carnaval trouxe mais uma vez muita alegria e descontração para o Rio de Janeiro. Os quase 450 mil turistas estrangeiros que aqui chegaram voltam para casa felizes de terem presenciado tanta emoção nas ruas e no sambódromo, fora os 600 mil brasileiros que prestigiaram a Cidade Maravilhosa. Foi, no entanto, um carnaval que mostrou o descontentamento dos foliões com as políticas públicas e a falta de respeito pela diversidade. O grande ausente foi mais uma vez, o Prefeito Crivella, que ainda não entendeu a importância do evento e do significado de sua presença. Ninguém precisa saber sambar para homenagear os sambistas. Basta acreditar no Rio de Janeiro e, sobretudo, no Turismo, o que não tem feito parte das diretrizes governamentais que coloca em prática.
A grande estrela do Carnaval foi o governador Witzel, que se aproveitando da ausência de Crivella e da falta de recursos, lançou campanha sobre a importância do carnaval e esteve presente ao lado do paulista e grande marqueteiro, mas entusiasta do Turismo, o governador Doria. É muito importante que os dois destinos, complementários possam se unir na promoção institucional. Pena que parte de tal estratégia tenha sido muito mais politica do que outra coisa. Seria muito bom para o turismo que deixasse algum rastro e permitisse ao Estado desenvolver uma politica efetiva de desenvolvimento turístico, com ações planejadas e que se aproveitasse a boa vontade e conhecimento da área do secretário Otavio Leite para um boom do turismo estadual, com ênfase em seu maior produto, a cidade do Rio de Janeiro. O esvaziamento de nosso aeroporto internacional é a cada dia uma nova bofetada que recebemos, fazendo hoje de São Paulo, o maior hub do país. No entanto, devemos agradecer a importante colaboração da American Airlines, que completa 30 anos e fez uma grande promoção mais uma vez do Rio.
O carnaval não é e nunca será apenas o Sambódromo
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O carnaval não é e nunca será apenas o Sambódromo. Faltou, no entanto, como sempre homenagear o engenheiro Leonel Brizola, que construiu o templo do samba carioca, num espaço pequeno de tempo e foi depois copiado em vários estados do país. Cada vez mais as pessoas acham que o carnaval é formado por camarotes, cada dia mais sofisticados e com convidados especiais e fotos em colunas sociais. Não temos mais grandes convidados internacionais e poucos cônsules se interessam pela festividade. Um dos raros exemplos foi o da Bélgica Jean Paul Charlier, que indicou para Embaixador do Rio e foi aprovado, Alain Taillard que há 20 anos vem ao Rio e faz exposições do carnaval carioca na Bélgica e na Europa. Devo confessar que a organização do evento, sob a administração da Liesa e Riotur vem evoluindo e foi de boa qualidade. Sentimos apenas mais firmeza do Poder Público apoiar as escolas, sobretudo do grupo de acesso, mas a criatividade não faltou, assim como a garra da comunidade..
O carnaval de rua vem crescendo. Não há nada melhor do que vestir uma fantasia e se jogar nos blocos cariocas. Eles têm, no entanto, crescido de forma desenfreada e atrapalhado a população que vive no entorno, em muitos casos e se distanciado da realidade do evento. Alguns tocam discoteca com djs ou servem simplesmente para ganhos astronômicos dos cantores que ali se apresentam. Precisamos redimensionar suas apresentações e locais como forma também de avaliar a capacidade de carga dos locais, o que não me parece ser uma preocupação dos gestores do espaço público. Acho que os numero de banheiros públicos aumentou embora os “mijões”ainda não tenham sido devidamente advertidos e com multas altas. O espaço público é um espaço democrático da folia mas que merece respeito e planejamento.
Desfiles de fantasia
Sinto falta dos grandes desfiles de fantasia. Fui jurado várias vezes, com a primeira bailarina do Teatro Municipal, Ana Botafogo. Eram lindos no hotel glória e levavam multidões de interessados. Traziam criatividade e novidades para o mundo do carnaval. Nunca poderiam ter saído do calendário da cidade como nuvem que passa. A volta dos mesmos em 2021 será um presente para o Rio, que espero ajudar a tornar realidade com os Embaixadores do Rio. Fora que grandes bailes não podem ficar restritos a um ou dois hotéis na zona sul do Rio e as instalações da Cidade Olimpica, com quase nenhuma ocupação poderiam ser sede de alguma atividade, como um baile infantil e um concurso de foliões originais, claro ouvidas as associações de moradores locais, em função do grande número de condomínios ali existentes. Falta também na zona norte e oeste, a retomada de grandes tradições carnavalescas que permitam descentralização dos eventos.
Todas as tribos
O Carnaval foi muito bonito, trouxe nos enredos das Escolas, clamores pela democracia, pelo respeito à diversidade, aos que fazem do Samba uma realidade e um grito de que temos que mudar o “status quo “de nossas políticas. As fantasias também trouxeram mensagens engraçadas mas politizadas. O carnaval é um evento em que todas as tribos que compõem nossa nação podem de forma lúdica lutar e trazer à tona os problemas que nos incomodam e que poderiam ser melhor resolvidos. Eu acredito nos abnegados que estiveram na organização do carnaval, funcionários de carreira da Riotur, policiais, guardas municipais, médicos, músicos, componentes das escolas de samba, os que ficam nos bastidores, que preparam fantasias, para citar alguns exemplos e que são os instrumentos da materialização, quase sempre esquecidos.
A ocupação hoteleira que beirou quase 70% – atingido 100% em vários hotéis e bairros – deu um alívio na sofrida cadeia produtiva do turismo. As feijoadas também se tornaram exemplos de encontros com grande criatividade. Fora os cruzeiros marítimos que trouxeram um fluxo fundamental, embora muitas vezes sem pernoite mas que consomem passeios, gastronomia e compra de suvenires. A criatividade das lembranças é um ponto que pode também ser aprimorado.
São 35 anos dedicados ao turismo e ao Carnaval, desde a inauguração do Sambódromo e uma vontade de lutar sempre. A imprensa estrangeira cobriu e relatou a politização do evento e de seus personagens, como o fez com seus próprios carnavais em seus países de origem. Nossa imprensa o fez também, permitindo uma discussão profícua dos futuros rumos do maior evento do planeta, parafraseando várias matérias veiculadas. Viva o Canaval Carioca, sua animação e seu poder de luta e crítica. Nada e ninguém pode agradar a unanimidade e o mínimo que ainda nos é garantido é expressar nossas opiniões e sonhos.
*Bayard Do Coutto Boiteux é professor universitário, escritor e pesquisador.Atualmente é vice-presidente da Associação dos Embaixadores de Turismo do RJ e superintendente do Instituto Preservale.(www.bayardboiteux.com.br)