“Nesse momento”, contava Mely, com tremedeira no joelho uma hora depois de Obama ter ido embora, “apresentei-o a Jorge, o outro garçom, que acabava de entrar com a cesta de pão quente”.
Jorge Alberto Cotilla Espinosa, 26 anos, nascido em Santa Fé, se manteve “a um metro” dele, sem lhe dar a mão, para respeitar o protocolo a ser seguido, indicado previamente pela equipe de segurança do chefe de Estado, e seu cliente lhe disse: “A pleasure, George”.
Na primeira noite que o homem mais poderoso do mundo passou em Havana, sua escolha foi um filé mignon na chapa com legumes grelhados. Sua esposa, Michelle, optou por uma Tentación Habanera, “palitos de filé em molho de vinho tinto”, detalhou Cotilla Espinosa. Quando lhe serviram a Tentación, ela lhes contou que o prato lhe lembrava o pepper steak que seu avô fazia para ela. Sasha, a filha mais nova, comeu um filé, como o pai. A sogra de Obama, Marian Shields Robinson, outro, e Malia, a mais velha, um espetinho de carne de porco.
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A mesa é redonda. Em um canto há um velho relógio de pêndulo e no outro uma figura de madeira de uma santa da qual brota uma lágrima em cada bochecha. Na parede do lado de trás de onde estava sentada a esposa do presidente há uma enorme pele de zebra. Mas a primeira coisa em que Obama se fixou, levantando-se para olhar com mais atenção, foi uma fotografia de Nat King Cole emoldurada à sua esquerda, e de passagem observou a imagem que estava abaixo: Beyoncé e Jay Z em sua visita em 2013 ao paladar San Cristóbal, fundado por Carlos Cristóbal Márquez.
“A palavra paladar”, explica o empreendedor, “surgiu de uma famosa novela brasileira transmitida em Cuba nos anos noventa e que tratava de uma pessoa que vivia em uma cidade e abria um restaurante que se chamava Paladar. A novela se chamava Vale Tudo”. Márquez é um mulato com duas mãos como marretas. “Em 2010, com a abertura da economia de Cuba, decidi abrir este paladar.” Márquez tem 52 anos e é um homem feliz. “Desde então os paladares têm ajudado muito a criar emprego, têm ajudado o país”, diz. Na jaqueta branca usa um broche da Star-Spangled Banner com o símbolo do Serviço Secreto dos Estados Unidos.
Há cinco anos o restaurante onde os Obama jantaram era uma casa que um perito ranzinza teria declarado em ruínas. “Os tetos caíam”, lembra Raisa Pérez, a esposa do chef. Agora é um negócio decorado com antiguidades, com 25 empregados e runs de edição limitada. Os tetos não caem. Dos tetos pendem tucanos de madeira. Aqui veio comer Mick Jagger em outubro e, quem sabe, volte na sexta-feira depois do show. Aqui, dois rivais políticos como os chilenos Sebastián Piñera e Michelle Bachelet compartilharam “no mesmo prato” uma lagosta à Hemingway. Aqui veio uma vez Pepe Mujica e pediu um bodião-de-pluma para o jantar.
Obama não terminou de comer o filé. “Ele me confessou que já estava satisfeito”, disse Mely. O presidente se levantou para ir ao banheiro e, na ida e na volta, foi flanqueado por seus guarda-costas. “No caminho para o banheiro ia muito sorridente e saudando a todos que encontrava em sua passagem”, comenta o garçom mais feliz do degelo.
Na sobremesa comeram pudim da casa e flan de leite, Obama e sua sogra concluíram com um café puro. Depois, o presidente dos Estados Unidos da América pediu a conta. Eram uns 30 pesos conversíveis cubanos por pessoa ou 34 dólares pelo câmbio (123 reais). O elegante Obama não tirou do bolso um porta-moedas complicado, mas “um macinho de dinheiro” e pagou deixando uma boa gorjeta.
Depois da meia-noite, Reinier Mely Maldonado se retirava do restaurante. Em casa seus pais o esperavam acordados. Usando ainda a camisa branca do serviço e uma mochila ao ombro, antes de ir descansar para voltar ao San Cristóbal na manhã seguinte, disse: “Foi uma honra servir o presidente dos Estados Unidos”.