A música, o samba carioca sobreviverá a tudo. Rouba-se dinheiro no Rio, mas não se rouba o talento.
Por Paulo Atzingen*
O espírito alegre do carioca está impregnado nas manhãs da praia de Copacabana. E graças a Deus essa alegria não é lavada pelo mar da corrupção, do suborno e da violência que avançou sobre a areia, calçada e asfalto.
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Essa alegria é injetada também na veia de quem chega à cidade com uma taxa de descrença acima do natural, acrescida de coisinhas miúdas do mundo corporativo como e-mails, boletos e códigos de barra.
Mas essa dose de alegria para circular direito na veia é preciso caminhar e sentir a areia entrando entre os dedos, esparramar-se na cadeira e ter o sol a acariciar o rosto, sentir a brisa enfiando-se pela narina e por fim, ouvir o coração pulsar.
O mundo do descanso, da sombra e água fresca é completada pelos vendedores de queijo assado, caipirinha, cangas, água de coco, manjubinha frita e colares de búzios.
Essa festa do trabalho, intercalada de mantras populares, cantos improvisados e toda forma de se vender o peixe é o que faz Copacabana ser ela, independente do governo que teve.
A alegria da praia nem mesmo é interrompida quando grãos de areia voam contra meu rosto vindos da toalha da moça ao lado, que acaba de ir embora.
A alegria da praia chega ao seu êxtase quando um grupo de três artistas, sambistas (profissionais? amadores?) surge do nada e o espírito mais autêntico do país entra pelos ouvidos em forma de samba enredo. Trazem para o limiar da terra e do mar uma letra antiga da Beija-Flor de Nilopolis.
Essa grandeza de um povo no exercício de sua mais alta expressão criativa brilha sob o sol de Copacabana e à frente de uma construção de concreto armado superfaturada e inacabada. Este concreto durará algumas dezenas de anos até desintegrar-se por si mesmo levando com ele o nome de seu construtor e de seu governador. Mas a música, o samba carioca sobreviverá a tudo. Rouba-se dinheiro no Rio, mas não se rouba o talento.
Amanhece. O levantar de guarda-sois na praia de Copacabana traz com ele a esperança de um novo Rio de Janeiro e uma esperança suprema: a de que a justiça vença a iniquidade, que a honestidade estrangule o suborno e que a alegria do carioca – esse ser essencial e generoso que trabalha sob o sol – sobreviva diante desse mar turvo e corrompido.
Junho de 2017
*Paulo Atzingen é editor do DIÁRIO DO TURISMO e DIÁRIO DOS HOTÉIS