O que escrever em tempos de algoritmos, jogos e achatamentos culturais?

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Ao escrever este artigo o autor se dirige também ao mundo do turistas e quem faz turismo

Leitores do DIÁRIO: embora Lenio Streck se dirija ao mundo dos advogados e a seus colegas do Direito, este texto cai muito bem para várias categorias, incluindo aí o mundo do Turismo. Confira:

por Lenio Luiz Streck – publicado originalmente no site de assuntos jurídicos CONJUR*.

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  1. O filterword (mundo filtrado)

Tenho vários amigos que são engajados em redes sociais. Bem engajados. É possível dizer que muitos deles seguem um certo “filterworld”, um mundo filtrado pelas redes sociais. Segundo me dizem, isso ajuda na profissão. E na vida. Pode ser. Não tenho elementos para contestar.

Mas vamos refletir sobre isso. Há um artigo interessante do jornalista Kyle Chayka, muito bem analisado pela jornalista Cláudia Laitano, do jornal Zero, exatamente chamado Filterworld: How Algorithms Flattened Culture (algo como “Mundo filtrado: como os algoritmos achataram a cultura”).

O artigo de Chayca tenta entender como essa curadoria customizada das plataformas afeta não apenas a forma como nos relacionamos com a arte, mas também o que os artistas (e acrescento, os profissionais em geral, de jornalistas a jornaleiros, passando pelos lidadores jurídicos) escrevem e fazem para arrumar “engajamento” no público.

2. Estamos nos tornando consumidores passivos?

Para Chayka, e de algum modo, estamos todos incluídos nisso, caminhamos para sermos consumidores passivos de um cardápio criado não para ampliar nossa visão de mundo, mas para reforçar nossas idiossincrasias – mais ou menos como aquele sujeito que se senta no restaurante e aceita, sem questionar muito, a sugestão do garçom que parece conhecer todos os seus hábitos que os algoritmos forneceram de antemão – e até seu estado de ânimo.

Neste mundo fragmentado, poucas pessoas leem textos com mais de 15 linhas. Anexos, então, nem pensar (Pixabay)

Eis a tal pós-modernidade. Vai de seca à meca. De intelectuais à rafanalha. Tempos de tik tok e quejandices mil. Ao mesmo tempo em que existem coisas boas-interessantes nas redes, há também pessoas querendo desenhar mensagens. Resumir tudo. Compactar. Há muita gente do Direito querendo desenhar. E vencer no império do simples. Pessoas no Direito que nunca escreveram um fonograma e só leram livros de orelhada, acham que podem “postar”.

Neste mundo fragmentado, poucas pessoas leem textos com mais de 15 linhas. Anexos, então, nem pensar. Se lessem Jonathan Swift (crime impossível!) veriam que isso está denunciado lá nas Viagens, no século 18. Um cientista de Lagado propôs eliminar textos e frases: transformar tudo em monossílabos e onomatopeias.

O outro cientista propõe a extinção das palavras. Sua tese: substituamos as palavras pelas próprias coisas. Bingo.

3. A algo-cracia e a precarização do mundo cultural (e do trabalho)

Tudo isso está aí. Nestes tempos de algocracia. Já não falamos com pessoas. Há hotéis que já não têm portaria. Lojas sem atendentes e sem caixas. Lancherias sem caixas. Nos hotéis já não há café. Há máquinas. Com cápsulas. Uma das belas igrejas do mundo, a de Burgos, tem QR Code. Tudo self service. Os santos viraram self service. TV em hotel já não em controle remoto. E pelo celular. O que fizemos com o humano?

É o império do simples. Do raso. Da platitude. A internet está repleta de néscios “vendendo” platitudes. Tempos de fazer economia, em que o CEO da empresa retira a azeitona do sanduíche, para economizar e aumentar o seu bônus. Depois tira o sanduíche. E os hotéis fazem convênio com café Três Corações e similares, com as horríveis máquinas… tudo para economizar e lucrar mais. Os hóspedes e clientes? Lixem-se.

No império do simples, há livros de Direito que ostentam, com orgulho, que tratam da matéria excluindo as partes chatas. Ou seja, as partes difíceis. Ou seja, excluindo o próprio Direito. Agora surgiu um livro todo desenhado, querendo “explicar” Direito Constitucional. Tem árvores, casas, estradas, edifícios. Quando fala em STF, mostra o desenho… do STF. Imita os repórteres da Globo, que, para falarem da enchente, ficam com água pela cintura. E metaforizam a metáfora. Alegorizam a alegoria. A Globo tentou ensinar filosofia assim: para explicar o mito da caverna, a moça entrou… em uma caverna!

Somos todos players, como dizem alguns advogados. Ou temos de ser players, nesse complicado e hoje hostil mundão de Deus. O que é bem isso, não se sabe.

Mas tudo tem a ver com o filterworld. Chayca e Laitano têm razão.

4. Não é não às simplificações: adira à campanha

De minha parte, faço como T.S. Eliot: numa terra de fugitivos, aquele que anda na direção contrária parece estar fugindo. Continuo protestando. Não está morto quem peleia, dizia uma ovelha no meio de dez cães caçadores.

Não aceito simplificações. Vejam como se comportam – trata-se de uma alegoria – os simplificadores.

Não aceito plastificações. Desenhações. Desdificilitamentos. Como na campanha contra o assédio, digo “não é não às simplificações”. E sim aos livros!

Enfim, não aceito esse filterjusworld.

Não é não!

5. Minha receita: muitos livros! Livros a mancheias

Como se reage? Faça como eu: construa um bunker de livros. E uma catapulta. Se for preciso, faça como na charge.


* O autor autorizou a publicação do artigo.

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