Fábio Steinberg*
Até recentemente, a escolha de hotel era em geral feita por indicação de conhecidos, ou através de agência de viagens. O surgimento do TripAdvisor permitiu decidir por conta própria onde se hospedar, com base em um site capaz de reunir de forma isenta opiniões de outros viajantes. Isto deixou de ser verdade.
Há três razões. A primeira é a diversidade cultural. Assim como não dá para combinar bananas com laranjas, é inviável misturar avaliações de tantas nacionalidades em um único grupo. Com hábitos e costumes bem diferentes, o que é maravilhoso para uns é péssimo para outros. Por exemplo, um chinês pode julgar o serviço de um hotel como ótimo porque há no quarto chaleira com água quente. Já um americano prefere encontrar gelo à vontade para suas bebidas.
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O segundo complicador deste liquidificador de opiniões em que se transformou o Trip Advisor é a diversidade de experiências em hospitalidade de quem faz as avaliações. Pessoas que viajam uma vez na vida têm um grau de vivência e exigência diferentes dos que são “heavy users” de hospedagem.
O terceiro fator é o modelo de negócios atual do TripAdvisor, que representa claro conflito de interesse. Ao deixar a fase em que só agrupava avaliações, decidiu ganhar dinheiro também ao indicar hospedagem. Quando é encaminhado ao site de um hotel, o interessado passa a receber informações comerciais seletivas e sem críticas, recheadas de fotos deslumbrantes das instalações. O viajante, transformado em presa fácil, não consegue determinar se o hotel apresentado é o ideal para ele, ou o que melhor comissiona o TripAdvisor.
Tomemos uma experiência pessoal recente como exemplo. O Hotel Olimpo-Le Terraze na ilha da Sicília, na Itália, é bem avaliado no Trip Advisor com 4 estrelas. As opiniões de quem se hospedou ali – a maioria ingleses, italianos, franceses e alemães – são positivas. Das 717 avaliações até setembro de 2016, 74% gostaram, 14% nem tanto, e 12% detestaram o local. Eis alguns comentários pinçados de hóspedes encantados: “O hotel é limpíssimo e todo o staff trabalha duro para mantê-lo assim”. “A comida é muito boa com várias opções”. “O hotel é claro e arejado”. “A vista do nosso quarto era de perder a respiração”. “O café da manhã é abundante”.
Infelizmente hotelaria não vive apenas de quartos amplos, simpatia, comida à vontade e limpeza. A realidade é bem mais rigorosa.
A PROMESSA OFICIAL: VARANDA DO QUARTO COM VISTA DESLUMBRANTE
A ENTREGA: VISTA PARA LIXO, ESTACIONAMENTO, E ROUPA SECANDO NO VIZINHO
Apesar de surgir na busca do TripAdvisor como localizado em Taormina, cidade de grande interesse turístico, o hotel fica na realidade em Letojanne, distante mais de dez quilômetros. Para chegar lá, depende de condução rara, cara e inconstante. O Hotel Olimpo até faz jus ao nome, já que foi construído no topo de uma pirambeira íngreme de acesso complicado.
A escalada não compensa. A decepção começa pelo corredor da entrada principal, com poltronas gastas de tecido engordurado, complementado por forte cheiro de esgoto.
A recepção é caótica e impessoal. A equipe recebe o viajante com a mesma desatenção de bilheteiro de metrô. É ali que se descobre, por exemplo, que o prometido quarto com vista fica de frente para um depósito de lixo e estacionamento. Ou que é necessário pagar 5 euros por dia para usar a piscina. E que as toalhas de praia exigem um depósito de 10 euros e a cobrança de 2 euros se necessário trocá-las no mesmo dia.
A PROMESSA OFICIAL: DECORAÇÃO ALEGRE E COM RAZOÁVEL BOM GOSTO
A ENTREGA: CAFONICE EXPLÍCITA E COMBINAÇÃO DE CORES PORTA DE LAVANDERIA
A piscina interna não atrai, e a externa é pequena demais. Lotada de hóspedes, muitos deles personagens fellinianas, sofre ataques inclementes de música alta e gritos de animadores pelo microfone.
Os quartos são espaçosos, é verdade, mas suas camas cobram uma taxa exorbitante sobre a coluna vertebral do hóspede já no dia seguinte. Isto sem falar nas varandas de paredes vazadas que permitem invasão de privacidade dos vizinhos, com direito a ouvir conversas, assistir imagens explícitas de roupas penduradas, e sons de tosse, entre outros ruídos desagradáveis do quarto ao lado.
As áreas comuns formam uma balbúrdia visual de instalações e móveis cansados de guerra. No café da manhã a vitória é conseguir uma mesa, e a seguir disputar com ávidos hóspedes um farto buffet, mas que deveria ser interditado por quem zela pela gastronomia italiana.
A PROMESSA OFICIAL: RESTAURANTE SÓBRIO, CONFORTÁVEL, BUFFET GENEROSO.
A ENTREGA: EQUIPAMENTOS OBSOLETOS, ESTÉTICA KITCH, MAU GERENCIAMENTO
Conclusão: o TripAdvisor precisa se reinventar. A versão 2.0 terá que oferecer ao usuário, da mesma maneira como hoje o site se vende aos hotéis, opiniões segmentadas. Ou seja, abandonar a fórmula “saco de gato” onde cabe tudo e todos. Está na hora de evoluir e usar a base de dados para identificar tribos, e oferecer soluções sob medida aos interesses de cada usuário.
* Fábio Steinberg é jornalista