Os passageiros viajaram para a costa leste dos EUA e o voo de retorno foi cancelado por conta do furacão Sandy, obrigando-os a permanecer no destino por mais 3 dias além do previsto. Quem deveria ser responsável pelas despesas extras com hospedagem e alimentação? Segundo recente julgamento da 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo**, a operadora e a agência que comercializaram o pacote são responsáveis por prestar assistência aos passageiros, sendo que, se assim não o fizerem, deverão reembolsar as despesas incorridas no período extra, bem como indenizar os clientes por danos morais.
A decisão ampara-se no entendimento de que, mesmo em se tratando o furacão Sandy de um fenômeno natural alheio à vontade da operadora e da agência, estas, na qualidade de empresas do turismo, tem plena capacidade técnica de prever tais intemperes, já que furacões costumam assolar a costa leste dos EUA, conforme regularmente noticiado pela imprensa internacional. Trata-se portanto o furacão Sandy de evento previsível, considerado pelos julgadores com hipótese de caso fortuito interno.
Para compreender tecnicamente a hipótese considerada na decisão, cabe esclarecer que a doutrina costuma classificar o caso fortuito como externoe interno
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Para compreender tecnicamente a hipótese considerada na decisão, cabe esclarecer que a doutrina costuma classificar o caso fortuito como externoe interno. Ambos são eventos inevitáveis e alheios à vontade dos envolvidos. Porém, o caso fortuito externo (ou força maior conforme denominado por alguns) é aquele evento que não guarda relação alguma com a empresa, enquanto o caso fortuito interno está ligado à organização do negócio, incluindo-se dentre os riscos envolvidos na atividade profissional do prestador de serviço, são exemplos típicos os problemas de manutenção da aeronave acarretando atraso ou cancelamento do voo.
Assim, em sendo considerada previsível a ocorrência do furacão Sandy, o evento foi classificado como caso fortuito interno e, portanto, risco profissional do negócio da operadora e da agência ao comercializarem os pacotes de viagem para este destino, razão pela qual devem providenciar acomodação e alimentação aos passageiros ao longo de eventual período extra de estadia. Como não o fizeram, foram condenadas a reembolsar tais despesa e, ainda, a pagar indenização por danos morais, frente à sensação de abandono e descaso experimentada pelos passageiros envolvidos.
Também não foi aceita a alegação de culpa terceiros, no caso para responsabilizar a empresa área, já que o bilhete aéreo foi comercializado dentro do pacote de viagem (e não isoladamente), acarretando a responsabilidade solidária da agência e da operadora, conforme jurisprudência pacífica do Tribunal Paulista.
A decisão é sem sombra de dúvida passível de questionamento em vários pontos, pois que, ao nosso ver, amplia para muito além do devido a responsabilidade cível das operadoras e agências
A decisão é sem sombra de dúvida passível de questionamento em vários pontos, pois que, ao nosso ver, amplia para muito além do devido a responsabilidade cível das operadoras e agências. Porém, o fato é que se trata de uma decisão atual (de 06.04.2016) emanada do Tribunal de Justiça de São Paulo; logo, merece pelo menos ser considerada pelas empresas para análise de risco e estratégia de prevenção frente a futuras situações similares ao caso em referência.
*Marcelo Soares Vianna é mestre em direito, advogado atuante no setor do turismo, sócio do escritório VIANNA & OLIVEIRA FRANCO ADVOGADOS(www.veof.com.br) e responsável técnico pelo conteúdo desta coluna. Para eventuais considerações sobre o material publicado, está à disposição pelo endereço: marcelo@veof.com.br.
** TJSP. 29ª Câmara de Direito Privado. Apelação n. 0000516-51.2013.8.26.0006. Relator Desembargador Themistocles Neto Barbosa Ferreira. Data do julgamento: 06.04.2016.