sexta-feira, junho 27, 2025
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Oleoturismo em Navarra: quando o azeite vira destino

Entre o aroma das oliveiras e a tradição milenar da produção artesanal, descubro uma experiência sensorial que vai muito além da gastronomia — e que nos conecta à terra, à história e à essência de saber o que consumimos.

A vida não é feita só de enoturismo. Talvez o mais coerente hoje seja falarmos em enogastroturismo — ou, mais recentemente, em uma tendência que vem ganhando força: o oleoturismo.

Por Waleska Schumacher – Haia, Países Baixos

Pode parecer distante, quase utópico, imaginar que o mundo do azeite de oliva nos proporcione experiências sensoriais e culturais semelhantes às do vinho. Afinal, muitos ainda não sabem identificar que azeite estão comprando — quanto mais pensar em harmonizações, terroir ou processos artesanais. E, no entanto, é exatamente isso que começa a surgir com força em algumas regiões.

Foi com esse espírito de descoberta que vivi uma experiência única visitando uma das mais premiadas almazaras da Espanha, a Artajo, localizada entre Tudela e Zaragoza, na região de Navarra.

Onde história, sabor e origem se encontram

Sempre acreditei que as viagens mais memoráveis são aquelas que conectam cultura, paisagem e gastronomia — e que despertam em nós algo ancestral, como se resgatássemos a memória dos nossos antepassados. Descobrir nossas origens passa também por conhecer a base dos alimentos que nos sustentam há séculos — e como técnicas antigas seguem vivas e ganham novos contornos com a ajuda da tecnologia.

Saí de Pamplona, cidade encantadora, conhecida pelas festas de San Fermín, sua excelente gastronomia e alma vibrante. A cerca de duas horas de carro dali, está uma das zonas mais férteis da Europa para o cultivo de vegetais — um verdadeiro oásis no deserto navarro, irrigado pelas águas do rio Ebro. Ali nasce um terroir singular, marcado pela amplitude térmica e pelo solo mineral, perfeito para o cultivo da oliveira.

Azeite
Olivares adaptados para cultivo sustentável com máximo aproveitamento dos recursos naturais Ctédito: Arquivo pessoal Waleska S. / Divulgação

Artajo: tradição e inovação no coração de Navarra

Fundada em 1998, a Aceites Artajo se tornou uma referência em azeites extravirgens de alta qualidade, unindo métodos ancestrais com práticas sustentáveis. Com mais de 250 hectares de olivais próprios, a fazenda cultiva 11 variedades diferentes de azeitonas — sendo a Picual a mais representativa, responsável por cerca de 80% da produção. Essa variedade tem uma característica importante: permanece bem fixa na planta, o que evita desperdício durante a colheita mecanizada.

E é justamente a colheita mecânica um dos grandes diferenciais da produção. Como a azeitona precisa chegar à almazara(ou marsala) o mais rápido possível após ser colhida, garantir agilidade no processo é essencial para preservar o frescor da fruta. Além disso, a almazara exige um volume mínimo diário de frutos para funcionar com eficiência. Por isso, o uso da colheita mecanizada permite não apenas velocidade, mas também regularidade no abastecimento, sendo decisiva para garantir um azeite de alta qualidade desde a origem.

A estrutura da fazenda lembra muito as bodegas de vinho boutique: um prédio harmoniosamente inserido na paisagem, foco absoluto na qualidade do produto e um compromisso com a origem e o meio ambiente. Tudo é pensado: desde a escolha da variedade ideal para o terroir, até o momento exato da colheita — que ocorre nas primeiras horas da madrugada, para preservar a temperatura da fruta.

As azeitonas são rapidamente levadas à almazara, onde passam por seleção, lavagem, resfriamento e prensagem a frio, a cerca de 16°C. Após a centrifugação e separação da água, o azeite é armazenado em tanques de inox, protegidos da luz e com temperatura controlada. Cada lote é rastreável.

Um detalhe que revela o grau de cuidado no processo: assim que a colheita termina, toda a almazara é higienizada cuidadosamente e permanece completamente fechada até a safra seguinte. Antes do início de uma nova extração, passa novamente por uma limpeza e preparação rigorosa, garantindo que não haja contaminações e que o frescor da nova safra seja preservado ao máximo.

Olivar com 500 anos de idade. Arquivo pessoal – Crédito: Waleska S / Divulgação

Uma experiência sensorial e educativa

A visita à Artajo pode ser feita com agendamento online e oferece diversas opções: de degustações simples no “Bar de Aceites” a piqueniques entre oliveiras e visitas guiadas como a que escolhi. A estrutura é impecável — da recepção à sala de degustação, passando pela imersão nos processos de produção.

Assim como nas vinícolas, há uma valorização da singularidade de cada variedade de oliva. Um exemplo fascinante é a Koroneiki, uma variedade de origem grega que teria sido introduzida na região de Navarra pelos celtas, refletindo antigas conexões culturais e agrícolas na Península Ibérica. Já na Andaluzia, o cultivo de olivas ganhou força com a chegada dos mouros, que trouxeram variedades como a Manzanilla, hoje uma das mais tradicionais da região.

Durante a visita, entendi que muito do que valorizamos no vinho — como clima, solo, colheita no tempo certo, prensagem cuidadosa e ausência de intervenções agressivas — é também essencial para se produzir um azeite extravirgem de verdade. E que nem todo azeite com selo “premium” realmente é o que diz ser.

Visita guiada aos olivares experimentais da Artajo Arquivo pessoal Crédito: Waleska S / Divulgação
Visita guiada aos olivares experimentais da Artajo Arquivo pessoal Crédito: Waleska S / Divulgação

Degustar azeite: o paladar também aprende

Na sala de degustação, cada azeite foi apresentado com explicações detalhadas sobre sua variedade, intensidade e perfil sensorial. Há azeites mais herbáceos, outros mais picantes, alguns com notas de banana verde ou amêndoa. Aprendemos a identificar defeitos (como a oxidação) e virtudes (como a frescura da primeira extração).

Mais importante do que o selo “orgânico” é entender o processo e conhecer o produtor. A diferença entre um azeite extravirgem verdadeiro e um azeite refinado é abismal — e isso muda completamente a forma como nos relacionamos com esse alimento essencial.

Tudela: o fecho com sabor e poesia

Para concluir a experiência, nada melhor do que seguir rumo a Tudela, berço dos melhores vegetais da Espanha. Em todas as estações, é possível provar pratos elaborados com produtos locais, e um dos melhores lugares para isso é o restaurante Remigio. Lá, o menu pode incluir desde degustações completas de vegetais (com mais de cinco etapas!) até uma sequência simples e deliciosa de pratos da estação, como eu mesma experimentei. Com um atendimento acolhedor e ingredientes de altíssimo nível, é o encerramento perfeito para um dia que une natureza, cultura e sabor.

A visita à Artajo pode ser agendada diretamente no site oficial (www.artajo.es), e os azeites podem ser adquiridos na loja online. Se estiver na região de Navarra, vale incluir a fazenda no roteiro — especialmente entre outubro e dezembro, quando ocorre a colheita.

Tudela conhecida como a capital dos vegetais Arquivo pessoal - Crédito:  Waleska S / Divulgação
Tudela conhecida como a capital dos vegetais Arquivo pessoal – Crédito: Waleska S / Divulgação

E o Brasil nisso tudo?

No Brasil, essa tendência ainda engatinha, mas produtores da Serra da Mantiqueira, Sul de Minas e até do Rio Grande do Sul já começam a abrir suas propriedades para visitantes. A combinação de paisagem, azeites artesanais e gastronomia local tem tudo para transformar essas regiões em futuros destinos de oleoturismo — com sotaque próprio e sabores que nos são familiares.

O futuro do azeite vem da origem

Assim como a Artajo construiu esse projeto exemplar em Navarra, acredito que há muitos outros produtores no mundo trilhando esse caminho — e o Brasil, inclusive, vem nos últimos anos se destacando com azeites premiados internacionalmente.

Minha filosofia segue a mesma, seja para vinho, azeite ou qualquer alimento:
consuma menos, saiba de quem consome e desfrute de produtos com origem e história.

E mais do que nunca, vale lembrar: com os desafios crescentes impostos pelas mudanças climáticas, produzir olivas com qualidade se tornou uma tarefa complexa, que exige conhecimento técnico, respeito ao solo e precisão no manejo. Por isso, o azeite extravirgem de verdade — aquele que nasce com identidade, cuidado e propósito — tende a ser cada vez mais raro e valorizado.

Porque o azeite, assim como o vinho, guarda dentro de si o tempo, a terra e a alma de quem o produz. – Waleska Schumacher

Com carinho, agradeço ao amigo Javier Banales por me abrir as portas deste projeto inspirador.

Vista externa da almazara Crédito: Arquivo pessoal Waleska S / Divulgação
Vista externa da almazara Crédito: Arquivo pessoal Waleska S / Divulgação

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