Homenagem a Edson Arantes do Nascimento, que faleceu dia 29 de dezembro de 2022, aos 82 anos, de câncer de Cólon. Já o Rei do Futebol não morre nunca. Pelé é Eterno!
Como na velha piada, Edson era Antes do Nascimento. Depois virou Dico, Belé e até Gasolina, de tão liso que era nas peladas de rua e campinhos de várzea em Bauru. Finalmente virou Pelé. Talvez por isso para o povo brasileiro futebol seja, definitivamente, uma questão de PELE.
Dizem que Pelé é de Três Corações. Mas isso é o que está na certidão, lá nos registros do cartório. Nas histórias do futebol – e essas são as que contam – Pelé é de milhões e milhões de corações brasileiros e de apaixonados por futebol no mundo inteiro que agora lamentam a morte do Edson e reverenciam a trajetória do Rei do Futebol.
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Nelson Rodrigues disse que “toda a unanimidade é burra”. Mas não acrescentou: “a única exceção é Pelé”. O genial dramaturgo, jornalista e escritor foi o autor da primeira e antológica crônica sobre o gênio da bola, no dia 25 de fevereiro de 58, após a vitória santista por 5 a 3 sobre o América do Rio, no Maracanã. No profético artigo, chama Pelé de “rei” e aposta no sucesso do jovem craque: “…
Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: — dezessete anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezessete anos, jamais. Pois bem: — verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racionalmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — Ponham-no em qualquer rancho e sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor. O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento. E o meu personagem tem uma tal sensação de superioridade que não faz cerimônias…. Quero crer que a sua maior virtude é, justamente, a imodéstia absoluta. Põe-se por cima de tudo e de todos. E acaba intimidando a própria bola, que vem aos seus pés com uma lambida docilidade de cadelinha.
Hoje, até uma cambaxirra sabe que Pelé é imprescindível em qualquer escrete. Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e mesmo insolente que precisamos. Sim, amigos: — aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os nossos adversários uns pernas-de-pau”.
Nelson Rodrigues talvez não tenha concedido a exceção a Pelé porque o Rei, ao contrário do que se diz hoje, nunca foi unanimidade, mesmo quando estava no auge. No passado, alguns argentinos e europeus, destacavam Di Stefano. No Brasil, quem não aceitava seu reinado era literalmente um Mané, no bom sentido. Hoje, a proporção de súditos é ainda menor. Há quem diga que o melhor da história foi Maradona. Mas também Messi e Cristiano Ronaldo têm muitos fãs e especialistas, especialmente entre os mais jovens, que os colocam isolados na disputa do “melhor de todos os tempos”.
Os números de Pelé são impressionantes: tricampeão mundial (58, 62 e 70) pela Seleção Brasileira (único jogador na história) em quatro Mundiais disputados; bicampeão da Taça Libertadores da América e do mundo pelo Santos (62 e 63); pentacampeão da Taça Brasil (61 a 65); campeão da Taça Roberto Gomes Pedrosa – Taça de Prata (1968); cinco vezes campeão do Torneio Rio-São Paulo (59, 63, 64, 66 e 68); dez vezes campeão paulista (58, 60, 61, 62, 64, 65, 67, 68, 69 e 73); 1.284 gols em 1.380 partidas (média de 0,93 por jogo); campeão norte-americano pelo Cosmos (77); 95 gols em 115 jogos pela Seleção Brasileira; mais jovem campeão e bicampeão mundial de seleções (17 anos em 58, e 21 anos em 62, respectivamente); mais jovem artilheiro do Campeonato Paulista (17 gols em 57 – iniciou a competição com 16 e terminou com 17 anos); maior artilheiro em uma única temporada no Campeonato Paulista (58 gols, em 1958), competição em que foi o goleador 11 vezes (oito delas consecutivas); artilheiro da Libertadores (em 63, com 11 gols); quatro vezes goleador do Torneio Rio-São Paulo (61, 63, 64 e 65) e duas da Taça Brasil (61 e 63); maior número de gols em uma única temporada (127 gols em 59); 12 gols em Copas do Mundo em 14 jogos disputados; 59 títulos nos 21 anos de carreira…
Maradona, o genial jogador argentino, ganhou uma Copa do Mundo em quatro disputadas; fez 365 gols em 695 jogos (média de 0,52 por jogo). Marcou 34 gols em 91 partidas pela Seleção Argentina. Foi uma vez campeão argentino (pelo Boca Juniors (79); ganhou a Copa do Rei pelo Barcelona (83); levou o time do Napoli aos inéditos títulos de campeão e bicampeão italiano (86/87 e 89/90) e de campeão da Copa da UEFA (88); foi campeão mundial sub-20 com a Argentina (79); foi artilheiro do Campeonato Metropolitano Argentino (78, 79 e 80), do Campeonato Nacional Argentino (79 e 80), do Campeonato Italiano (87-88) e da Copa da Itália (87-88). Fez oito gols em Copas do Mundo em 21 jogos disputados.
Números são importantes, mas não dizem tudo, porque os jogadores não vencem sozinhos e muitas vezes contam com a sorte de atuar ao lado de atletas espetaculares, como foi o caso de Pelé no Santos e na Seleção Brasileira. Mas ainda assim as comparações entre ambos não têm fundamento – a começar pelos próprios fundamentos, do futebol.
Maradona era espetacular “apenas” com perna esquerda, que usava para dribles desconcertantes, alguns lançamentos e chutes à curta e média distância. Já Pelé, sempre foi completo, em todos os fundamentos: driblava e chutava com as duas pernas, das mais diversas áreas do campo; tinha uma impulsão impressionante, além de um notável senso de colocação para seu cabeceio mortal, que compensava sua “baixa” estatura, e também para matadas no peito que preparavam gols e lençóis nos adversários. Com apenas 1m73, fez gols de cabeças nas duas nas duas finais de Copa do Mundo que disputou.
Muitos dos que contestam a soberania de Pelé na história do esporte bretão dizem que naqueles tempos jogar futebol era mais fácil e havia mais espaço para jogar. Pura bobagem! Os atletas devem ser analisados pelo que fizeram em suas épocas, com os métodos de treinamento e equipamentos que dispunham. Pelé fez lances inesquecíveis com bolas “rudimentares”, em gramados geralmente ruins e com chuteiras toscas se comparadas às atuais, que facilitam o domínio da pelota. Ao tentar justificar durante a Copa América no Brasil, em 2019, suas fracas atuações pela Seleção Argentina, Lionel Messi colocou a culpa no estado dos gramados. A explicação foi um chute na própria canela: por pior que estivessem, os gramados dos estádios brasileiros eram verdadeiros tapetes verdes se comparados aos gramados em que Pelé jogou a maioria das partidas.
Além disso, durante praticamente toda a carreira do brasileiro não havia o cartão amarelo nem transmissão do jogo pela televisão; e a violência raramente era coibida. Sem um treinamento específico para escapar à marcação individual, Pelé já era marcado homem a homem. Ou melhor, por dois ou três adversários. Além disso, quem vê os lances do Rei do Futebol percebe sua habilidade de driblar no curto espaço, a sua inigualável antevisão do lance e a solução rápida e criativa das jogadas, como no incrível gol contra a Suécia, em 58, quando se livrou do primeiro marcador com uma matada no peito e do segundo com um chapéu.
O segundo gol de Pelé, o quinto do Brasil, é pouco reverenciado, talvez pela genialidade do gol anterior. Mas é magnífico. Pelé faz tudo parecer simples. Mata a bola no peito, como se ela fosse uma extensão do seu corpo, toca de calcanhar para Zagallo, corre para a área; descobre, como se aos 17 anos fosse o mais experiente dos jogadores, um espaço entre cinco adversários, divide no alto de cabeça e toca magistralmente, de olhos abertos, no canto direito do goleiro.
Dias antes, o menino de 17 anos já havia mostrado seu talento para improvisar, com perfeito domínio da bola, do tempo e do espaço, ao matar no meio e com um meio chapéu se livrar do adversário e marcar o gol brasileiro na dura vitória de 1 a 0 sobre o País de Gales, nas quartas de final. Com os métodos e equipamentos atuais, Pelé seria ainda mais genial e insuperável.
O filho de dona Celeste Arantes e de João Ramos do Nascimento (Dondinho), que no dia 23 de outubro de 1940, foi Rei desde que surgiu para o mundo, em 58, até sua despedida, no dia 1º. de outubro de 77, nos EUA, em partida entre o New York Cosmos e o Santos – os dois clubes que defendeu contratualmente na carreira (não consideramos alguns amistosos e jogos de times combinados). Aos 21 anos, era bicampeão mundial de seleções e de clubes. Aos 22, já tinha a marca de 500 tentos assinalados, quase 30% a mais do que Maradona em toda a carreira. O habilidoso jogador argentino aos 21 anos saía da sua primeira Copa do Mundo, da Espanha, com uma participação mediana, que culminou com a expulsão por entrada violenta em Batista na derrota de 3 a 1 para o Brasil, de Zico, Sócrates, Falcão e cia. Só se tornou o melhor jogador do mundo aos 25 anos, na Copa do México, em 86, quando marcou o mais estupendo gol em jogada individual da História das Copas. Em 90, fora de sua melhor condição física, Dom Diego fez uma boa Copa, mas com poucos lances geniais, como na notável arrancada que originou o gol de Caniggia e mandou o Brasil mais cedo para casa. O avanço da Argentina às finais, porém, dependeu mais das defesas de Goycochea que do craque. Maradona, inclusive, perdeu um pênalti contra a Iugoslávia, após o empate no tempo normal de jogo.
Em 91, Maradona foi pego no exame antidoping no Napoli e suspenso. Em 94, outra vez doping, agora em plena Copa do Mundo, o que resultou na sua vergonhosa eliminação. O exame realizado após o jogo Argentina 2 X Nigéria 1 revelou que o jogador atuou dopado. Foi constatada a presença de efedrina natural, além de outros quatro derivados sintéticos – substâncias que agem sobre o sistema nervoso central e circulatório e têm o poder de melhorar os reflexos, reduzir a sensação de fadiga aumentar a oxigenação do sangue. É um conhecido estimulante no mundo do futebol. O laudo da Fifa apontou que Maradona tomou os estimulantes, com dosagem entre cinco e dez vezes mais elevada que a utilizada como descongestionante e que as drogas foram ingeridas no dia da partida. O ídolo argentino jurou pelas duas filhas que nunca ingeriu substâncias proibidas para melhorar sua performance em campo. Mas ficará para sempre a suspeita de que tenha atuado dopado em outros jogos e competições.
Pesa ainda contra o jogador a suspeita de que a vitória sobre o Brasil, quatro anos antes, tenha contado com a ajuda de uma garrafa de água com tranquilizante, passada pelos argentinos a jogadores brasileiros durante a partida (caso contado pelo próprio Maradona em um programa de televisão).
“El Pibe de Oro” só tem uma vantagem inquestionável em relação ao Rei do Futebol: a televisão. Quando vemos qualquer seleção com os melhores lances de Dom Diego, podemos discordar de uma ou duas escolhas, mas temos a certeza de que quase tudo o que fez nos gramados está documentado. Há imagens de praticamente todos os inúmeros gols e lances espetaculares do jogador. Já quando vemos qualquer lista com o melhor de Pelé, devemos lembrar que muitas imagens não estão disponíveis. Fitas de 30 minutos podem ser feitas com craques inesquecíveis, como Pelé, Garrincha, Johan Cruyff, Puskas, Di Stefano, Maradona, Zinédine Zidane, Eusébio, Ronaldinho Gaúcho, Platini, Ronaldo Fenômeno e mesmo alguns não tão geniais assim. No caso dos jogadores mais antigos, não chegam perto de mostrar o conjunto da obra.
Cabe aqui um destaque para dois jogadores que há uma década divide opiniões sobre quem é o atual melhor do Planeta: Messi e Cristiano Ronaldo. O primeiro, um craque nato. O segundo, um exemplo de talento e obstinação. Ambos são excepcionais e até há pouco não seria exagero cogitar que disputem o título de melhor de todos os tempos. As façanhas, números e talento de ambos justificam a “ousadia”. Mas Messi, com suas atuações exuberantes, números e o título conquistado na última Copa do Mundo, realizada no Catar, encerrou a disputa: é o maior jogador de futebol do século 21. Para muitos, até melhor que Maradona. Para alguns, o melhor da História.
Vejamos os títulos de Cristiano Ronaldo em clubes: Super Taça de Portugal pelo Sporting (2002); Liga dos Campeões da UEFA pelo Manchester United (2007–08), Mundial de Clubes da FIFA pelo Manchester United (2008), Campeonato Inglês pelo Manchester United (2006–07, 2007–08 e 2008–09), Copa da Inglaterra pelo Manchester United (2003-04), Copa da Liga Inglesa pelo Manchester United: 2 (2005–06 e 2008–09), Supercopa da Inglaterra pelo Manchester United (2007), Mundial de Clubes da FIFA pelo Real Madrid (2014, 2016 e 2017), Liga dos Campeões da UEFA pelo Real Madrid (2013–14, 2015–16, 2016–17 e 2017–18), Supercopa da UEFA pelo Real Madrid: 2 (2014 e 2017), Copa do Rei pelo Real Madrid (2010–11 e 2013–14), Campeonato Espanhol pelo Real Madrid (2011–12 e 2016–17), Supercopa da Espanha pelo Real Madrid (2012 e 2017), Campeonato Italiano pela Juventus (2018-19 e 2019-2020) e Supercopa da Itália (2018). Já pela Seleção de Portugal, Cristiano conquistou a Eurocopa (2016) e a Liga das Nações da UEFA (2018).
Os títulos do argentino também impressionam: Campeonato Espanhol (2004–05, 2005–06, 2008–09, 2009–10, 2010–11, 2012–13, 2014–15, 2015–16, 2017–18 e 2018–19), Copa do Rei (2008–09, 2011–12, 2014–15, 2015–16, 2016–17 e 2017–18), Supercopa da Espanha (2005, 2006, 2009, 2010, 2011, 2013, 2016 e 2018), Liga dos Campeões da UEFA (2005–06, 2008–09, 2010–11 e 2014–15), Mundial de Clubes da FIFA (2009, 2011 e 2015), Supercopa da UEFA (2009, 2011 e 2015), Campeonato Francês (2021-22) e uma Supercopa da França (20220). Messi até recentemente tinha um histórico de contestações da torcida e da imprensa, apesar de seus muitos gols e passes espetaculares e das conquistas da Copa do Mundo Sub-20 (2005) e dos Jogos Olímpicos (2008). Nunca havia conquistado um título sequer pela seleção principal de seu país, em quatro Copas do Mundo e cinco Copas América disputadas. Em 2016, na decisão da Copa América, desperdiçou sua cobrança na disputa por pênaltis e o Chile conquistou o bicampeonato. Mas é, além de tudo, um exemplo de resiliência e superação. Agora ampliou sua inigualável galeria de títulos. Em 2021, conquistou a Copa América, no Rio de Janeiro, derrotando a Seleção Brasileira, a dona da casa. E este ano fez uma estupenda Copa do Mundo, chegando ao maior título de sua carreira.
Recentemente sites e jornais publicaram com estardalhaço que Cristiano superou Pelé em número de gols e que Messi está próximo de fazer o mesmo. Segundo alguns arautos do mundo da bola não deveriam ser considerados os gols que o Rei fez em partidas amistosas que não envolvessem seleções nacionais. Os critérios são questionáveis. Além de desconsiderarem as especificidades do futebol da época, tratam como se um jogo amistoso do Santos contra uma grande equipe europeia tivesse um valor ou dificuldade menor que, por exemplo, um jogo entre Barcelona e Almeria. Por essa nova conta, dos 1.282 gols que Pelé fez em 1.380 jogos, valeriam “apenas” os 757 gols assinalados nas 820 partidas oficiais.
Os números mostram, porém, que em jogos oficiais Pelé teve praticamente a mesma média de gols nas partidas em geral: 0,92 apenas para os jogos oficiais e 0,93 em toda a carreira. Atuando pela Seleção Brasileira, Pelé fez 95 gols em 115 partidas, com média de 0,82. Nos 92 jogos oficiais, marcou 77 vezes, com média de 083. Já Cristiano fez até agora na carreira profissional 819 gols em 1147 jogos, com média de 0,71. O argentino Lionel Messi tem 793 gols em 1003 jogos, com média de 0,79. Pelas Seleções de seus países, Cristiano Ronaldo tem 118 gols em 196 jogos, com média de 0,60, enquanto Messi tem 98 gols em 172 partidas, o que dá uma média de 0,56.
Quando falamos em Copas do Mundo, a distância entre os jogadores fica ainda mais escancarada.
O notável gajo fez sua quinta Copa na Rússia, em 20228. Tem 22 jogos. E oito gols marcados:(0,36 gols por jogo). Três desses gols foram de pênalti. E um em um frango memorável do goleiro David De Gea, no empate de 3 a 3 com a Espanha, quando marcou todos os gols de Portugal . Em 2006, fez um gol em seis jogos. Em 2010, um em quatro partidas. Em 2014, mais um, em três jogos. E em 2018 quatro em quatro partidas. Nas cinco edições do principal torneio do mundo não marcou uma única vez nas fases de mata-mata. Em 22 jogos, deu duas assistência para gols. O genial jogador argentino, também disputou cinco Copas do Mundo. Na primeira, em 2006, fez um gol. Na segunda, em 2010, na África do Sul, não marcou gol algum. Em 2014, no Brasil, marcou quatro gols (um contra a Bósnia, um contra o Irã e dois contra a Nigéria), deu dois passes decisivos, mas foi derrotado na final pela Seleção da Alemanha. Em um lance, teve a vitória aos seus pés e não conseguiu marcar o gol do título. Foi eleito pela Fifa como o melhor jogador do Mundial, mas para a maioria dos jornalistas e apaixonados por futebol a premiação foi injusta. Robben, da Holanda; Thomas Muller, da Alemanha; e mesmo o goleiro alemão Neuer teriam jogado melhor que o gênio argentino. Em 2018, na Copa da Rússia, perdeu um pênalti na estreia, no empate de 1 a 1 com a Islândia, e marcou um único gol, na vitória de 2 a 1 sobre a Nigéria. Por sinal, um golaço. assim como Cristiano, não havia marcado um único gol na fase de matas do Mundial. No Catar, a redenção. Marcou sete gols (quatro deles de pênalti) e deu três assistências. Ao total, são 26 jogos e 13 gols, média de 0,5 gols por partida. Conhecido também por seus passes mágicos, La Pulga também supera CR7 neste quesito. Deus deu oito assistências para gols em cinco copas disputadas.
No mesmo sentido, mostram as estatísticas que se não existissem tantos jogos amistosos e sim mais jogos oficiais e mais campeonatos a serem disputados (como as supercopas nacionais), Pelé teria mais gols e títulos que obedecessem aos critérios modernos. Em 15 partidas de Copas Libertadores, Pelé fez 17 gols, média de 1,33 gols. Depois, o Santos abdicou da competição para disputar partidas amistosas em todo o mundo. Das três Libertadores de que participou, venceu duas. Quantos gols Pelé teria marcado na Libertadores se tivesse disputado tantas partidas quanto Cristiano Ronaldo ou Messi na principal competição europeia? E quantos títulos teria da Libertadores e do Mundial de Clubes? Em 19 participações na principal competição europeia, a Champions League, Cristiano Ronaldo conquistou a competição cinco vezes. Messi, com o mesmo número de participações, foi campeão em quatro ocasiões. Cristiano Ronaldo fez incríveis 140 gols – e 41 assistências – em 183 jogos da Champions, média 0,77 gol por jogo. Já Messi, converteu 129 gols – e tem 40 assistências – em 161 jogos, média de 0,80.
Além disso, os menores recursos e conhecimentos na fisiologia, preparação física e medicina esportiva, a violência pré-televisão ao vivo e pré-cartão amarelo abreviou o período de alta performance do Rei do Futebol. A partir dos 26 anos, há uma queda acentuada nas estatísticas de gols de Pelé (com exceção do grande ano de 1969). No dia 2 de setembro de 1962, quando tinha 21 anos e dez meses, ao fazer seu segundo gol no empate de 3 a 3 com o São Paulo, Pelé completou seu gol número 500 (terminou a temporada com 73 gols em 59 jogos, com média impressionante de 1,24). Pouco após a Copa do Mundo do México de 70, ao completar 30 anos Pelé tinha 1.054 gols em 982 partidas, com média de 1,07 gol por jogo. Após os 30, mudou seu estilo e passou a marcar menos gols. Fez mais 385 jogos e 228 gols, com média de 0,59 por jogo. Já Leo e Cristiano mantiveram ou até ampliaram suas médias de gols por partida após chegarem aos 30 anos de idade. Pelé não contou com os avanços da fisiologia esportiva para manter sua espantosa média de gols até o final da carreira.
Ex-jogadores do Santos, como o ponta-esquerda Pepe, já destacaram que as cenas que vemos nos documentários e teipes não mostram a imensa maioria dos lances geniais de Pelé. “Somente nós, os jogadores, é que sabemos o que realmente Ele fez”, disse. Para exemplificar, não há imagens dos seus dois gols mais sensacionais: o “Gol de Placa” (expressão cunhada por Joelmir Beting) contra o Fluminense, no Maracanã, no dia 5 de março de 61, quando partiu de poucos metros à frente da área santista até marcar o gol dentro da área adversária (foi aplaudido em pé, durante dois minutos, “contados no relógio”, pela torcida adversária) e o golaço contra o Juventus, de São Paulo, que Pelé considera o seu tento mais bonito, quando chapelou três zagueiros e o goleiro (o gol foi reproduzido no computador, de acordo com os relatos de quem assistiu ao jogo).
As imagens que temos disponíveis de Pelé em ação são, na maioria, dos últimos anos da sua vitoriosa carreira. Podemos vê-lo atuando em todos os jogos da Copa de 70, no México, quando encontrou a síntese de tudo o que se espera de um jogador de futebol: há gol de oportunismo (carrinho contra a Romênia, o terceiro do Brasil); o gol de falta contra a mesma Romênia (o segundo da vitória de 3 a 2); gol de cabeça (o primeiro na final contra a Itália, quando saltou mais que o zagueiro Fachetti, bem mais alto que ele); matadas no peito (no segundo gol brasileiro, na estreia contra a Tchecoslováquia, amacia a bola no peito, deixa quicar no chão e faz um gol maravilhoso); há passes decisivos que até parecem simples, pela genialidade do Rei, como para Jairzinho, na dificílima vitória de 1 a 0 contra a então campeã mundial Inglaterra, a bola açucarada, de cabeça, para o gol de Jairzinho no terceiro gol contra os italianos e o passe para o capitão Carlos Alberto Torres, no quarto e derradeiro gol brasileiro na final da Copa (ao contrário da maioria, considero esse como o mais bonito gol de todos os Mundiais, por toda a sua jogada com lances coletivos e individuais).
No Mundial do México Pelé tem até dois inesquecíveis quase gols, um deles em um estupendo chute de pouco antes do meio-campo, contra a Tchecoslováquia.
Do outro “quase gol” falaremos adiante no texto.
Apesar de todos esses lances, na Copa de 70 vemos o Pelé cerebral, já com menos explosão, um craque que atua com inteligência, poupa suas energias e sabe conter o excesso de dribles para evitar o castigo da violência que o atingiu no corpo e na alma na Copa de 66. O verdadeiro auge do Rei do Futebol foi bem antes, dos 17 a 25 anos. Há poucas imagens, mas podemos ver pinceladas reveladoras em links, como nas partidas decisivas contra o Boca Juniors (final de Libertadores de 63) e Benfica (final do Mundial de 63). As cenas mostram com perfeição a grandiosidade do futebol de Pelé – onde o rei mostra técnica, força, velocidade, habilidade, chute, cabeceio, improviso, raça e muita coragem.
No estádio La Bombonera, contra o até então invencível Boca, é caçado em campo, dá o passe para o gol de empate, de Coutinho; humilha um zagueiro adversário com um drible desconcertante e, por fim, marca o gol do título e sai para comemorar como se fora uma pantera que se libertou da jaula opressora.
No Estádio da Luz, em Lisboa, faz três gols, dá um passe em jogada mágica para um gol e, ainda, dribla um mesmo jogador duas vezes no mesmo lance, a primeira delas uma meia-lua, com o “olho da nuca” e a segunda, uma janelinha.
Vale destacar que Pelé, eleito o “Atleta do Século” pelo Comitê Olímpico Internacional – superando ícones como Jesse Owens, Mark Spitz e Muhammad Ali – foi o jogador que mais cresceu nos embates decisivos. Ótimo contra os times pequenos e fracos, era infernal e impiedoso contra os poderosos. Pelé disputou 14 jogos e marcou 12 gols em Copas do Mundo. Uma média de quase 0,86 por jogo (0,857). Em seis partidas de mata-mata nas Copas do Mundo, marcou sete vezes. Fez gols nas duas finais que participou: dois gols na vitória de 5 a 2 sobre a Suécia em 58 e o golaço de cabeça contra a Itália.
Aliás, o Pelé marcou gols em todas as grandes finais que disputou: os já citados três gols na conquista do Mundial de Clubes em Portugal, contra o poderoso e então campeão europeu Benfica; os dois gols na primeira partida, no Maracanã, dessa mesma decisão contra o Benfica, quando o Santos venceu por 3 a 2; dois gols nos 3 a 0 sobre o forte Peñarol, do Uruguai, na decisão da Libertadores de 62, disputada no Monumental de Nuñez, em Buenos Aires; e o também já citado um gol (e uma assistência) na conquista do Bi, em 63, contra o Boca.
“El Diez” não marcou um gol sequer nas duas finais das Copas do Mundo disputadas, ambas contra a Alemanha, embora tenha dado um passe decisivo para Burruchaga marcar o gol do título em 86, na vitória de 3 a 2.
Há um jogo que pelo que tem de contraditório traz como poucos a genialidade de Pelé: a também já citada peleja entre Brasil e Uruguai em 70. Duas décadas antes, uma outra partida contra os uruguaios havia sido marcante para ele. O Brasil perdera em casa, por 2 a 1, o ainda inédito título do mundial. O menino Dico viu seu pai chorando. Sentou no colo paterno e prometeu: “Não chora mais papai. Ainda serei campeão do mundo para fazer você feliz”. Já havia cumprido a promessa em 58 e 62, mas agora estava nervoso. O jogo eliminatório, nas semifinais da Copa, era contra o mesmo Uruguai, que havia feito seu pai e o Brasil inteiro chorarem. E o time celeste saiu na frente. Neste jogo Pelé jogou mal. Pelé fez lances bisonhos. Errou passes de três metros. Foi diversas vezes facilmente desarmado pelos zagueiros uruguaios. Chutou uma falta na entrada área na direção do gol, mas quase acertou a bandeirinha de escanteio. E neste dia em que Pelé atuou mal, respondeu com um chute preciso da intermediária a um tiro de meta batido pelo ótimo goleiro Mazurkiewicz; arrancou espetacularmente do meio campo, em meio a seis uruguaios e só foi parado na violência bem próximo à linha da grande área; participou do segundo gol brasileiro, com um toque genial, de costas, decisivo para a formação da jogada; deu um belíssimo passe para último gol brasileiro, marcado por Rivellino, na vitória de 3 a 1 sobre o Uruguai e, ainda, foi protagonista de um dos lances mais belos e mágicos de todos os tempos, quando driblou sem a bola o arqueiro uruguaio e quase marcou o gol (é o não gol mais lembrado da história).
Ou seja: só mesmo o Rei do Futebol pode fazer tudo isso em um dia em que joga mal!
Também está gravado em nossa memória o instante mágico do milésimo gol de Pelé, no dia 19 de novembro de 69, no Maracanã. Para muitos, é uma pena que um craque acostumado a marcar gols das mais diferentes formas tenha feito seu mais famoso gol de uma maneira tão fácil: “pênalti”. Mas o fato é que foi um momento nobre e solene, que não pode ser obra do acaso. Assim como meses antes, no dia 20 de julho, quando o mundo parou para assistir à emocionante chegada do Homem na Lua, naquele dia o planeta parou para assistir, torcer e reverenciar o milésimo gol do Rei. Duas vezes a Humanidade inteira olhando com fascínio e paixão para a bola.
Pelé é capaz de abalar até as convicções “racionalistas” deste cronista. Será que existe essa história de que “o universo conspira a favor”? A mãe é Celeste. O filho jogou em apenas dois clubes: Santos e Cosmos… A conquista do milésimo gol e da Lua no mesmo ano….
Estaria tudo escrito nas estrelas?
Alguns atrás, um documentário de TV indagou o que o Homem deveria colocar em uma espaçonave que viajasse através do universo, para mostrar a possíveis extraterrestres o melhor de sua produção. Na sala da minha casa, pensei na antológica cena de Gene Kelly em “Dançando na Chuva”’ (1) ou na igualmente inesquecível “Puttin’On the Ritz”, com Fred Astaire; lembrei-me ainda da emblemática cena de Charlie Chaplin em “O Grande Ditador” (2), quando parodia Adolf Hitler e tenta controlar o globo terrestre com os pés, as mãos e, até, com o traseiro.
Também mandaria duas emocionantes imagens de “E.T”: o dedo do alienígena que estica até o contato com o menino e a bicicleta voadora e mágica que eleva e faz pulsar de encantamento o coração de todos os espectadores (3).
Colocaria ainda na nave uma réplica da obra Moisés, de Michelangelo. Diz a lenda que ao terminar a escultura e constatar a perfeição, o artista italiano teria dito: “Parla!”
Acima de tudo mandaria as imagens do Rei Eterno do Futebol Mundial desfilando sua arte pelos gramados do nosso pequeno e conturbado mas belo planeta. Lá estaria Pelé, na chuva e no seco, bailando nos gramados, com dribles, gingas de corpo e tabelinhas com companheiros e ou mesmo com as pernas dos adversários. Veríamos Pelé dominar a redonda e ter, literalmente, o mundo às suas mãos e seus pés. Também haveria lugar para gols de bicicleta que elevam e fazem pulsar de encantamento o coração de quem os assistem.
Os extraterrestres ficariam tocados e, certamente, nunca atacariam a Terra. Veriam que no fundo todos somos iguais. Seres vivos à procura de vida, de paz, amor, alegria e, claro, de um grito de gol. Pelé deu a todos nós – humanos – essa emoção 1.284 vezes. Transformou o gesto do soco em um símbolo de felicidade e regozijo. Como nós, os extraterrestres vibrariam com os gols do Rei do Universo do Futebol. Até mesmo porque, como disse o craque húngaro Puskas, “o melhor jogador de todos os tempos foi Di Stefano, porque Pelé não era deste mundo”.
Quando Deus terminou de criar Pelé, olhou para ele e disse: “Joga!”
Airton Gontow é jornalista, cronista e diretor do site de relacionamento Coroa Metade e do canal de YouTube Mundo Coroa. Artigo publicado originalmente no site Mundo Coroa.