Rei Juan Carlos marca encontro com o professor de La Casa de Papel

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por Paulo Atzingen*


Com a transferência do julgamento do grupo do professor Sérgio Marquina para Barcelona tive que me despedir de Madri. Parti naquela mesma segunda-feira para Catalunha, muito, mas muito aliviado. O estresse que nos acompanha de todo evento social é um bicho de sete cabeças que aparece à noite em meio aos sonhos e começa a martelar a mente logo quando se desperta. Aguardar um tribunal longe de seu país de origem, mesmo sendo apenas testemunha, levava minha ansiedade às alturas.

Fiz o check’in no hotel e corri para o Terminal de Atocha. O trem-bala para Barcelona partiria às 13 horas. Eram apenas três horas para aqueles 650 quilômetros que separavam as duas metrópoles. Mas as diferenças só começavam aí. A intervenção do juiz de Tarragona levando o caso do assalto à Casa da Moeda da Espanha para Barcelona acirrou ainda mais a rivalidade daquelas cidades; uma rivalidade que ia muito além do clássico Real Madri Club de Fútbol versus o Futbol Club Barcelona.

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Ao chegar ao Terminal de Atocha em cima da hora, só tive tempo de comprar o El País e metê-lo na mala. A ideia era ir lendo sobre a história desse país e me informar sobre o desenrolar do caso. 650 quilômetros separavam Madri de Barcelona. Mas essa distância era muito maior. Vinha desde a Guerra Civil Espanhola e se intensificou com o governo do ditador Francisco Franco Bahamonde, até sua morte em 1975. A diferença entre catalães e madrilenhos é muito parecida àquela entre cariocas e paulistas no futebol, mas nossas diferenças tropicais terminam quando a bola para de rolar. Os catalães vão além. Querem ser apartados dos espanhóis por sua diferença de estirpe, história e ideais.

Trem-bala emocional

O trem-bala partiu exatamente às 13h. Ao olhar pela janela do trem via um país passando a limpo e os segundos naquele trem-bala elevavam minha sensibilidade como se eu fosse dono do tempo. Viajar pelo coração de um país ou de qualquer lugar tem a ver com as viagens que já fizemos no coração de carne e veias e artérias, tem a ver com viagens da alma. Os turistas superficiais tiram fotos para se exibirem e dizerem que foram lá. Os viajantes verdadeiros juntam suas viagens passadas e emocionais e a trazem para um lugar onde as pessoas de verdade se encontram, se abraçam e se reconhecem. Ao olhar aquelas planícies, vi duas imagens que me tocaram o coração e a mente, pois me empurraram para o passado. A primeira foram os moinhos de vento da região de Castilha, em La Mancha. Depois foram os castelos medievais, na região de Aragon. Essas imagens me remetiam a dois mundos antagônicos: o da simplicidade e o da nobreza. O da simplicidade dos moinhos com o trabalho da moagem dos grãos e das colheitas  e o da nobreza com a administração do trabalho, e o seu uso-fruto, muitas vezes (e quase sempre) ilegítimo.

O trem-bala deixava as paisagens para trás mas os moinhos de vento insistiam e a imagem de Dom Quixote de La Mancha me vem à lembrança. Era o cavaleiro errante e idealista que lutava contra os moinhos de vento achando que eram dragões. Era o cavaleiro da triste figura que enfrentava carneiros pensando que era um batalhão de soldados inimigos. Essa imagem dos moinhos era intercalada pela presença imponente dos castelos plantados a mais de mil anos naquela terra. Esse antagonismo mental passava-me pela cabeça ao mesmo tempo que a paisagem da janela corria intercalando videiras e oliveiras, plantações de girassóis e de milho. Tudo isso, olhando a paisagem dentro do trem bala. Não durou um segundo.

O trem-bala deixava as paisagens para trás mas os moinhos de vento insistiam e a imagem de Dom Quixote de La Mancha me vem à lembrança (Crédito: arquivo de viagem)

Encontro marcado

Resolvo voltar para meu mundo real. Tiro da maleta o El País que traz a seguinte chamada de capa: “Rei Dom Juan foge da Espanha e vai se encontrar com o professor de La Casa de Papel”.

Não acreditava no que lia. O El País é um jornal que evita o sensacionalismo e tem uma linha editorial contrária às fake-news. Leio novamente: ““Rei Dom Juan foge da Espanha e vai se encontrar com o professor de La Casa de Papel”. A notícia que ganhou destaque na página 3 do jornal dizia o seguinte:

“O rei emérito de Espanha, Juan Carlos I, deixou na segunda-feira o país, após o escândalo das contas dele na Suíça e dos milionários presentes a duas amantes. Para não ameaçar a monarquia comunicou sua saída ao atual rei, seu filho, Fernando VI”.

Inicialmente a imprensa especulou que ele estaria em Portugal, no palácio que possui em Cascais. Nesta edição de segunda-feira as investigações garantem que ele irá se encontrar com o líder do saque da Casa da Moeda Sérgio Marquina, conhecido como “o professor”.

“Entre as acusações ao ex-rei de 82 anos pesam fraude fiscal, lavagem de dinheiro e tráfico de influência”, diz o jornal.

O que ex-Rei, proporia ao professor? Fundar uma instituição financeira? Criar um paraíso fiscal no Caribe? Ou propor um acordo conjunto para enfrentarem os dois a Corte Espanhola?

Desembarco na Estació de Sants em Barcelona às 16 horas exatamente e vou direto para o hotel. Estou cansado, confuso. Nesta terra de artistas surreais, cavaleiros que lutam contra moinhos e reis que fogem de seu próprio país,  não sei mais o que é verdade ou mentira.


*Paulo Atzingen é jornalista


**Esta história é uma obra de ficção, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência – Leia os outros capítulos desta novela nas edições futuras do DIÁRIO DO TURISMO.

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