No ano em que o movimento histórico da arte brasileira completa 100 anos, palco da Semana de Arte Moderna em São Paulo sofre com degradação e abandono
* Raimundo Jesus G. R. (com REDAÇÃO)
No decorrer da Semana de Arte Moderna, realizada entre 11 e 18 de fevereiro de 1922, o Centro da cidade de São Paulo recebia holofotes pela característica experimental que o movimento cultural representava. Neste ano, em 2022, a Semana de Arte Moderna alcança o centenário de sua história e o Centro da cidade volta aos holofotes, mas chama a atenção por motivos menos peculiares.
Suntuosa e vanguardista, a vida dos modernistas vibrava no Centro de São Paulo. Há 100 anos, a localização paulistana privilegiada representava o progresso com seus altos prédios, escritórios e residências, despontava com bons restaurantes, bares e casas noturnas, sempre bem frequentados.
Não obstante aos acontecimentos ao longo desses 100 anos, como o período militar, a década perdida, a alta da inflação, aos poucos o Centro de São Paulo foi perdendo o seu glamour. Hoje, a região sofre com o abandono progressivo das instalações, dos serviços, e com a falta de gestão e investimentos apropriados. Os projetos sociais são pouco eficazes e faltam campanhas educativas que sensibilizem para a preservação local por parte dos cidadãos.
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Degradação desde os anos 70
O DIÁRIO DO TURISMO conversou com diversos frequentadores do Centro de São Paulo para traçar um perfil da região de acordo com o olhar de seus habitantes. O advogado Felipe Martins, de 35 anos, começou a frequentar o Centro da cidade em 2005, ao iniciar um estágio num escritório de advocacia. A partir dali, passou a ter um carinho especial pela região. Como estagiário, visitava quase que diariamente os principais fóruns, como o João Mendes e o Tribunal de Justiça, na Praça da Sé.
Pelas andanças no Centro, Felipe conheceu restaurantes de todos os tipos e preços, desde o mais simples boteco que servia um Prato Feito, quanto restaurantes mais sofisticados como o Girondino, no Largo de São Bento. Há também restaurantes que são pontos de encontro dos profissionais do Direito, como o Itamarati, no Largo São Francisco (que, infelizmente, fechou as portas no período de pandemia) e a Padaria Santa Teresa, na Praça João Mendes.
Para Felipe, o Centro da capital paulista vem passando por um processo de degradação desde os anos de 1970, visto que as grandes empresas mudaram suas sedes para outras áreas da cidade, como a Avenida Paulista, a Marginal Pinheiros e, mais recentemente, a Avenida Faria Lima.
“A pandemia da COVID-19 acentuou o esvaziamento do Centro, pois muitos escritórios e repartições públicas passaram a funcionar de forma remota. Várias empresas que dependiam da circulação de pessoas como lojas e restaurantes tiveram que fechar”, acrescenta o advogado.
Turistas procuram o centro
Felipe Martins entende como fundamental que o poder público valorize a região central, principalmente em razão de seu valor histórico. Na maioria das grandes metrópoles, o Centro da cidade é um dos locais mais procurados turisticamente, gerando renda, empregos e aumentando a arrecadação de impostos.
Ademais, em sua opinião, cabe à Administração Pública enfrentar os interesses especulativos do setor imobiliário, priorizando as demandas coletivas de quem mora e/ou trabalha na região central, tornando-a um lugar mais próspero e acolhedor. Para o advogado, mesmo com os seus problemas, o Centro de São Paulo ainda é o local mais democrático da cidade, sendo que, ao contrário de outros bairros, pessoas de todas as classes sociais podem frequentá-lo.
As coisas têm piorado
Cleide de Rosa, de 68 anos, formada na Escola do SENAI (Liberdade-SP) e atualmente aposentada, teve uma vida de estudos e trabalhos na área central da cidade, entre os anos de 1970 e 1980. Comenta que chegava cedo ao Centro para estudar sem dificuldades e com segurança. Passeava um pouco antes de voltar para o extremo Leste onde morava. Na época, quando trabalhava, costumava fazer o mesmo. Após o trabalho, ia ao cinema ou passeava com amigos no Centro. Nunca teve problemas.
A aposentada lembra que as áreas verdes dos parques e praças estavam bem preservadas, os prédios limpos e os lixos nas ruas eram inexistentes. Tudo era bem iluminado. Respirava-se um ambiente de salubridade e segurança.
Em épocas recentes, Cleide afirma que as coisas têm piorado. Ela sente medo de ir ao Centro. Se sente insegura. Só ficaram as boas lembranças da época de estudante e trabalhadora na região.
Também manifesta que o Administração Pública e as autoridades locais têm deixado crescer o número de pessoas em situação de vulnerabilidade, as quais são exploradas pelo tráfico. Algumas invadem áreas públicas e cometem atos delitivos que terminam por afastar outras pessoas, sejam turistas ou pedestres. Tal é o caso da Cracolândia.
“Gostaria que as autoridades locais tomassem maior consciência, através de políticas públicas, deste fenômeno social que já está ficando insuportável”, comenta Cleide.
Pontos interessantes
Professora de história aposentada da rede municipal, nascida na capital paulista, Maria Elena Bonaldo acredita ser necessário que todos os cidadãos da cidade e visitantes tenham a liberdade de ir e vir durante o dia e à noite. A região tem muitas coisas interessantes, como as praças da Sé – com o monumento ao Padre Anchieta, o Marco Zero -, a Praça da República e o próprio Teatro Municipal, entre outras que dependem de projetos para melhorar as estruturas de todo o tipo e a segurança.
Para a professora, é necessário uma política ampla de integração (Estado e Município) para resgatar as pessoas que caíram nas drogas, que são exploradas pelo tráfico, e pelas instalações que estão neste entorno. Também algumas são abandonadas por falência comercial ou por medo de assaltos e roubos.
Câmbios negativos
Na opinião de Maria Elena Bonaldo, os câmbios negativos da região repercutem no setor econômico e social. As pessoas se afastam, sentem uma grande insegurança, enquanto as construções de um modo geral se deterioram também.
“Nas portas do centenário da Semana de Arte Moderna de 22, gostaria que o governo local se sensibilizasse e retomasse iniciativas positivas, a ordem e embelezamento deste grandioso símbolo cultural”, declara a professora.
Insegurança
O peruano Juan Aguilar, terapeuta e professor de idiomas, de 62 anos, que vive no Brasil há mais de 30 anos e sempre morou no Centro de São Paulo, da década de 1990 até início dos anos 2000, teve um escritório de Promoções e Eventos perto da Praça da República. “Quando cheguei a São Paulo, um amigo me falou que morava no Centro e que o mesmo era seguro, tinha de tudo, oportunidades de trabalho, estrutura, vários tipos de comércio, cultura e lazer”, comenta. Por este motivo, Juan decidiu mudar diretamente para a região.
De acordo com o terapeuta, os assaltos e roubos em pleno dia, nesta área, não eram comuns. Existia um respeito com as autoridades policias. E a iluminação no faltava. “Eu passeava com meus pais ou amigos naquela época sem ficar preocupado com horários noturnos”, afirma. Os eventos culturais de fim de semana e em datas comemorativas também eram bem monitorados pelas autoridades. “Hoje, raramente saio à noite, somente quando preciso em caráter de urgência”, conta Aguilar.
“Os vulneráveis e dependentes químicos se expandem cada vez mais pelas ruas, avenidas e praças. É necessária a participação urgente do MP com projetos eficazes para resgatar estas pessoas e as estruturas no Centro da cidade”, declara Juan, que compara o Centro de São Paulo com outros de capitais de países da América do Sul, como Buenos Aires, Lima, Bogotá e Quito.
Na opinião de Aguilar, o Centro de São Paulo está na pior situação. Para ele, a pandemia tem parcela de culpa neste processo negativo, mas muito antes da mesma, já se sentia abandono e insegurança.
Soluções mais tecnológicas
O professor e doutor cubano, Felipe Chibas Ortiz, de 54 anos, residente no Brasil há 22 anos manifesta o interesse por “soluções mais tecnológicas”, pois atua neste meio profissional. “O Centro de São Paulo que conheci há vinte anos está em decadência. Bem, sabemos que agora o foco principal deve ser a recuperação do mesmo, mas para [isso] ter sucesso deveria direcionar-se da seguinte maneira: seria necessário usar as novas tecnologias inteligentes. Isso poderia aumentar a eficiência dos serviços, diminuir o tempo de implementação para dar soluções definitivas neste sentido e reduzir os custos, aumentando assim os níveis de satisfação da população, principalmente neste momento de pandemia”, explica Ortiz.
O doutor cubano esclarece que é possível instalar sensores para avisar quando os contentores de lixo estiverem realmente cheios, assim como webcams com sensores de temperatura para evitar assaltos e detectar pessoas com febre, possivelmente contaminadas com COVID-19, além de utilizar o reconhecimento facial para recapturar criminosos e etc.
Confira nas próximas edições do DIÁRIO a terceira e quarta parte da série Centenário da Semana de Arte Moderna em um Centro de São Paulo deteriorado