Os sóis gravados nas lajes de pedra da Ilha dos Martírios do Araguaia resistem ao tempo passado e também ao tempo presente. Essas inscrições provam que, antes da era do celular e das mídias sociais, os homens já carregavam essa necessidade interna de registrar o que faziam, o que sentiam e como viviam.
Por Paulo Atzingen, de São Geraldo do Araguaia (Texto e fotos)*
Pisei aqui, na Ilha dos Martírios, pela segunda vez — a primeira foi no final dos anos 80, quando a Casa da Cultura de Marabá idealizou e realizou uma manifestação em favor da criação do Parque Estadual Serra dos Martírios / Andorinhas. A bandeira era: “Salve as Andorinhas! Legalizar para preservar! Parque já!” O manifesto deu certo e o parque foi criado em 1996, alguns anos depois da nossa bicicletada, apoiada, claro, pela imprensa local e estadual.
Serra das Andorinhas: vestígios arqueológicos e memórias do Araguaia
Nesta segunda experiência, constato, mais uma vez, que todo o trabalho realizado no passado pela Fundação Serra das Andorinhas não foi em vão. Essa Fundação, criada em 1989 e extinta no ano 2000, mapeou, catalogou, registrou e documentou todo o acervo arqueológico da região, todas as cachoeiras, cavernas, a flora, a fauna e boa parte da história dos dois lados do Rio Araguaia — ou seja, no Pará e no Tocantins.
A visita à região oferece este prato cheio de história natural, mas também de história política do nosso país. O Parque Estadual, hoje nominado Parque Serra dos Martírios / Andorinhas (PESAM), foi o território onde ocorreu, no final da década de 1960 e início da de 1970, a Guerrilha do Araguaia.



É preciso preservar, mas com sensibilidade histórica
Nesta segunda experiência, lá em Santa Cruz, às margens do Araguaia, no lado paraense, vejo que foi criado um aparato estatal de segurança e fiscalização, com carros modernos e fiscais e policiais ambientais bem uniformizados e armados. É isso! É preciso manutenção, fiscalização e vigilância constantes! Mas é preciso também um item fundamental: profissionais que amem o que fazem e entendam seu papel.
Não basta termos apenas policiais ambientais — é necessário sensibilidade histórica, ambiental e cultural. Verifiquei alguns problemas durante a visita à região. Primeiro, as inscrições estão cobertas por musgos e líquens. Segundo, foi colocada uma placa enorme bem em frente às gravuras — uma evidente falta de sensibilidade. E terceiro, não há nenhum tipo de fiscalização ou segurança que garanta a preservação das inscrições rupestres da Ilha dos Martírios. Ouvi de moradores que já ocorreram furtos dessas inscrições.

A biodiversidade da Serra das Andorinhas e o papel da preservação ambiental
O Parque Estadual Serra dos Martírios / Andorinhas – PESAM foi criado em 1996. Antes disso, o parque foi minuciosamente catalogado pelos técnicos e cientistas da Fundação Serra das Andorinhas. Foram identificados 143 sítios arqueológicos e mais de 5 mil pinturas e gravuras rupestres. Visitamos a Ilha dos Martírios, já em território tocantinense, e fotografamos algumas dessas gravuras.
Na parte da flora, os estudos apontam para mais de 100 frutos comestíveis, 28 espécies de palmeiras e 85 espécies de orquídeas. Na fauna, a Fundação catalogou 572 espécies de animais vertebrados, dos quais 25 estão na lista dos ameaçados de extinção, como o tamanduá-bandeira. Na parte de espeleologia, foram documentadas 528 cavidades geológicas — as cavernas. Em grande parte delas há gravuras, pinturas rupestres e cerâmicas.
O cuidado atual com a preservação do PESAM está sob responsabilidade do Ideflor-Bio, Instituto de Desenvolvimento Florestal e Biodiversidade do Estado do Pará.
Atualmente, o Pará conta com 26 Unidades de Conservação (UCs) estaduais, 57 federais e 10 municipais.



PLANO DE MANEJO
Em julho de 2024, o Governo do Estado do Pará lançou, no município de São Geraldo, o plano de manejo integrado do Parque Estadual da Serra dos Martírios / Andorinhas, substituindo o primeiro plano, feito em 2006. O documento busca assegurar a preservação dos recursos naturais e culturais da unidade de conservação, além de promover o uso sustentável desses territórios. Que essa iniciativa estatal não sirva apenas para gerar empregos e salários a funcionários públicos, mas que seja efetiva na preservação da nossa história e da nossa memória.
Sugestões do DIÁRIO para o Parque Estadual Serra dos Martírios / Andorinhas
Implantar mais placas ao longo da estrada São Geraldo – Santa Cruz, indicando locais de importância cênica ou ambiental, destino do lixo e mapas com localização de estradas, vilas e atrativos.
Substituir a placa “Caverna do Morcego” pelo nome correto: “Abrigo Pedra Escrita”, nome original registrado no órgão responsável por cavernas do IBAMA, o Cecav.
Retirar a placa colocada em frente à Pedra Escrita e recolocá-la ao lado (à direita ou à esquerda), para garantir visibilidade ao atrativo turístico e não “poluir” fotografias e vídeos.
Contatar com urgência um arqueólogo especialista em limpeza de líquen da Pedra Escrita.
Sinalizar com placas a Ilha dos Martírios — apesar de estar fora do parque, por estar em território tocantinense —, visto que é muito visitada por turistas que acessam pela área do Parque. Consideramos necessário sinalizar para valorizar as gravuras, orientar sobre o destino do lixo e alertar que a depredação e subtração das inscrições é crime.
Verificar se há dispositivos legais para reduzir o número de pescadores na Cachoeira de Santa Izabel.

Preservar para existir
A região da Serra dos Martírios / Andorinhas é mais do que um destino turístico — é um verdadeiro santuário da memória, da biodiversidade e história brasileira. Preservar esse patrimônio é garantir que futuras gerações, sejam estudantes ou turistas, possam se emocionar com as marcas deixadas por civilizações ancestrais, refletir e compreender a importância vital da educação ambiental. E quem sabe, no futuro, termos a capacidade de decifrar o que esses povos ancestrais queriam dizer com suas mensagens para o além do tempo.
*Paulo Atzingen é jornalista e fundador do JORNAL DIÁRIO DO TURISMO DIGITAL
MÚSICA SUGERIDA: ARAGUAIA, EDNARDO
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