Tania Neres, da Embratur: “Eu quero diversidade no turismo”

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Tania Neres, Coordenadora de Diversidade, Afroturismo e Povos Originários da Embratur analisa o primeiro ano à frente da área estratégica para o setor

Por Zaqueu Rodrigues (Colaboração especial para o DIÁRIO)


Em maio de 2023, o turismo brasileiro deu um passo histórico. A Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo), sob a recém iniciada presidência de Marcelo Freixo, criou a Coordenação de Diversidade, Afroturismo e Povos Originários.

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A posição estratégica em um país com maioria da população negra e diversidade de povos foi assumida por Tania Neres, pós-graduada em Planejamento, Marketing e Ensino da Cultura Afro. Especialista em afroturismo, ela congrega expertise em grandes empresas do trade.

“No início o meu trabalho era focado em ações afirmativas, levantando questões como o porquê de companhias aéreas não terem negros, o porquê de hotéis não terem negros… sobretudo em posições de liderança. Assim, fui abrindo os olhos do setor para a realidade brasileira”, conta.

Tania Neres mantém uma satisfação genuína em conectar pessoas e potencializar talentos. É um dom familiar passado de geração para a geração. Dentro de casa, aprendeu logo cedo com o pai que o sentido maior está em cuidar das pessoas. “Turismo é feito de pessoas para pessoas. Turismo é sobre pessoas, acolhimento, respeito e afeto”, ensina.

Nesta entrevista exclusiva ao DIÁRIO, a coordenadora de Afroturismo, Diversidade e Povos Originários da Embratur analisa o primeiro ano de gestão, ilumina a revolução que o afroturismo promove no setor e os desafios para fazer o recurso chegar a quem mais precisa. E vai direto ao ponto: “Eu quero diversidade no turismo”.

Tania Neres
Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira integra roteiro de Afroturismo em Salvador (Crédito:: Zaqueu Rodrigues – colaboração DT)

A Nova Embratur

“Quando eu assumi a Coordenação de Afroturismo, Diversidade e Povos Originários da Embratur, em maio de 2023, encontrei um ambiente de muita empolgação. O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, acredita muito no turismo e estuda muito o setor.

O Freixo montou uma grande equipe técnica de profissionais renomados do mercado; pessoas que eu já conhecia, entre elas a professora Mariana Aldrigui, Jaqueline Gil, Bruno Reis. Isso me deixou muito à vontade para assumir a nova posição.

A gente entrou com muito gás e propósito, mas tendo que lidar com um orçamento já todo direcionado e precisando cumprir os contratos feitos pela gestão anterior. Mesmo assim conseguimos fazer muita coisa e colocar o novo DNA da Embratur, imprimir a nossa assinatura.

Há uma Embratur antes e depois de Marcelo Freixo. Hoje a Agência conta uma norma de conduta sobre diversidade por conta da minha chegada. Toda criação passa por mim para certificar que as campanhas e conteúdos estão contemplando a todos, se tem diversidade, inclusão, acessibilidade…

O Brasil tem mais de 56% de pessoas negras. Eu quero que o turismo represente essa realidade brasileira. Eu quero diversidade no turismo: pretos, LGBTQIA+, PCDs. Tem que ter todo mundo.

Tania Neres
Monumento Zumbi dos Palmares, no Pelourinho (Crédito: Zaqueu Rodrigues – colaboração DT)

Promoção

“Neste primeiro ano da Coordenação de Afroturismo, Diversidade e Povos Originários realizamos muitas ações de conscientização e promoção. A gente está ampliando cada vez mais o mercado de afroturismo, sensibilizando os viajantes na América do Sul, Estados Unidos, Europa, África…

Um mês após assumir a posição eu já participei de um encontro de Embaixadores Brasileiros em Johannesburg, na África, para falar sobre diversidade, afroturismo, turismo antirracista e as iniciativas da Embratur para promover o turismo brasileiro no continente.

A convite do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), vivenciei uma imersão de quatro dias com lideranças afroindígenas em Cali, na Colômbia. Foi uma experiência muito rica. Fiquei muito feliz ao ver lideranças afroindígenas em todos os países.

Em seguida, participamos das feiras internacionais de turismo. A primeira vez que o afroturismo apareceu em uma feira foi em Paris, onde apresentamos a Pequena África do Rio Janeiro, Salvador Capital Afro. Essa primeira entrega de afroturismo foi belíssima e lotada de jornalistas internacionais.

A promoção também contou com a galeria de Arte Visit Brasil, projeto itinerante da Embratur com o Sebrae. Nele expusemos nossa gastronomia, música, tour virtual pela Amazônia, painéis, roteiros, apresentação do Salvador Capital Afro, a Pequena África e oficina de folhas sagradas.

Com o mesmo conceito fomos para os Estados Unidos, desta vez com a bailarina Ingrid Silva palestrando sobre a sua história entrelaçando com o Carnaval, a história afro, falando da Mercedes Batista, primeira bailarina preta, que tem uma estátua no Largo da Prainha, no Rio de Janeiro. Na participação dela na galeria Visit Brasil houve uma série de resgates.

A primeira grande entrega agora é a Casa Brasil nas Olimpíadas. Não podemos dar passo para trás em relação à diversidade. Que Brasil que queremos mostrar ao mundo? Estamos trabalhando muito alinhado com os ministérios do Turismo e Igualdade Racial. Está todo mundo indo pelo mesmo caminho.

Tania Neres
MALÊ DEBALÉ, maior balé afro do mundo (Zaqueu Rodrigues, colaboração DT)
Tania Neres
Visita ao Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira (Crédito: Zaqueu Rodrigues – colaboração DT)

Famtours e Press trips

“Neste primeiro ano também trabalhamos a promoção por meio da realização de famtours e press trip exclusivos para o afroturismo com jornalistas e operadores internacionais.
Os famtours e press trips tradicionais também passaram a incluir roteiros e experiências de afroturismo.

Há pouco tempo realizamos um famtour com americanos em Salvador e litoral norte da Bahia. Apresentamos de Camaçari até Baixio para que pudessem conhecer a história, os patrimônios culturais e também as belezas naturais do estado.

Em Pernambuco, já fizemos famtours em Recife, Olinda e Fernando de Noronha – sempre casando com outras experiências interessantes, pois o Brasil é muito conhecido por sol e praia; e não podemos deixar isso de lado.

A gente valoriza essa transversalidade de natureza, afro, luxo… 70% dos participantes das famtours e press trips são pessoas negras. Mas a gente também traz os brancos para vivenciarem e entenderem esse lugar e incluírem em seus pacotes para trabalhar o antirracismo.

Livro Afroturismo (Crédito: Zaqueu Rodrigues – colaboração DT)

Afroturismo

“O afroturismo, para mim, é um movimento de mudança de comportamento das pessoas em relação à população preta viajante. Esse movimento é muito grande e está crescendo cada vez mais. A gente ainda está em um universo de perceber isso e encontra-los em todos os lugares.

A população preta viajante não quer apenas viajar para o continente africano ou Salvador para se reconectar. Ela quer viajar. Se o destino proporcionar reconexão ancestral, melhor ainda.

Nos últimos anos, de modo natural, começamos a nos aproximar do pessoal da Black Travellers e Black & Abroad, nos EUA. Fomos todos aprendendo juntos – primeiro com posicionamento para sermos respeitados, depois com o desenvolvimento do mercado de afroturismo.

Eles criaram o Black Travel Movement para viajarem juntos. Desse modo eles têm força para não serem tão mal atendidos. Um grupo de turistas é diferente de uma pessoa viajando sozinha, pois há muito dinheiro envolvido.

Eles começaram as viagens não só para lugares onde teriam reconexão ancestral como lugares onde não eram aceitos. O viajante preto quer ter o direito de estar em qualquer lugar e ser muito bem atendido e respeitado.

Mercado

“O afroturismo vive um boom. A gente tem o mercado de afroturismo no Nordeste e Sudeste, mas não podemos nos esquecer que o Sul também é muito forte. Em Porto Alegre tem o Percurso dos Negros; em Curitiba, a Linha Negra, que é pedagógica e tem potencial para se tornar turística.

Em Alagoas temos a incrível Serra da Barriga com o Parque Quilombo dos Palmares, que já tem a sua forma e visitação, mas que pode ser melhorada ainda mais para se tornar um grande produto de chamamento para o afroturismo, porque é como se fosse a Meca do afroturismo.

No centro histórico de São Luís, no Maranhão, temos o percurso Quilombo Urbano Cultural, e temos a escritora Maria Firmina dos Reis como protagonista de um roteiro. O afroturismo está sendo desenvolvido no Amazonas, no Pará e em muitos outros estados brasileiros.

O Rio de Janeiro entendeu que a Pequena África é um grande produto, que o Rio antigo é um grande produto. Depois da reforma do Museu do Amanhã, o caminho ficou muito bonito, e as pessoas estão fazendo ele com guias. Querendo ou não, é um tour de afroturismo.

São Paulo apresentou os primeiros 10 roteiros de afroturismo, e já conta com mais de 50 roteiros prontos. Parelheiros ainda não está incluído nesses roteiros lançados, mas ele é importante e está sendo muto elogiado pelo tour que revela o protagonismo negro.

O afroturismo está só crescendo, crescendo, crescendo. Dentro da Embratur estamos trabalhando para projetar isso de forma ampla nas feiras de turismo, nas campanhas publicitárias.

Tania Neres
Pelourinho (Crédito: Zaqueu Rodrigues, Colaboração DT)

Turismo na Ponta

“Um dos desafios do afroturismo é fazer o recurso chegar na ponta, a quem mais precisa, aos pequenos empreendedores. Essa é uma dificuldade de todo o mercado brasileiro de turismo. Ainda não chega na ponta por muitos fatores – um deles é o acesso.

Outro fator é que o trade turístico ainda não potencializa o afroturismo. Se as agências de receptivo nacionais e internacionais colocarem o afroturismo em suas prateleiras, chegaremos muito maior no mercado internacional.

O receptivo nacional precisa fazer essa parte e entender a importância do afroturismo e apoiar. Há um pouco de temerosidade quando se fala que há protagonismo negro e que o dinheiro precisa chegar à comunidade negra.

Há uma falsa ideia de que apenas os negros vão se beneficiar com o afroturismo. Ainda existe essa conversa, um medo por parte da população branca de que o afroturismo possa tirar dela alguma lucratividade.

O que acontece de fato é justamente o contrário. Todos vão aumentar a lucratividade ao apresentarem um novo produto de afroturismo, um novo destino aos viajantes – que buscam cada vez mais experiências de afroturismo. E ainda vão promover o turismo antirracista.

A gente precisa que o turismo responsável esteja nas prateleiras do mercado internacional. O Brasil precisa estar nessas prateleiras. É possível. Os investimentos precisam acontecer para a gente expandir. Temos que andar para a frente. E eu tenho pressa.

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