Trilha, batuques e meditação no Portal de Hércules

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Por Paulo Atzingen*

“Quando se sobe uma montanha o coração pode imitar a bateria de uma escola de samba. Se lá em cima a vista for espetacular e você se emocionar, então sua escola de samba foi campeã”. (P. Atzingen)

O primeiro dia de caminhada no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (Parnaso) serviu de cara para me dar uma lição: se quer enfrentar uma montanha venha preparado não só com equipamentos, mas com o coração porque irá se emocionar. Uma montanha e uma vista bonita servem para congelar na memória e fixar na retina para sempre aquelas paisagens magníficas que só avistamos quando estamos sentados, da janela do avião. Na montanha as paisagens são fixas.

É evidente que um coração forte é importante, mas é fundamental também um calçado com cano longo para proteger o tornozelo, um bastão para apoiar, equilibrar e diminuir o impacto do peso do corpo, cantis com tamanhos suficientes para o armazenamento de água e alimentos próprios para suprir o desgaste físico, itens indispensáveis do bom trilheiro. Sem falar no protetor solar e, em alguns casos, um repelente para afugentar os borrachudos e mutucas.

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O grupo de trilheiros, em pé: Paulo Atzingen, Amanda Espíndola, Alessandra Baeta, Gabriela Lettieri, Sandra Guedes, Raísa Bakker, Sandro Tanaka; agachados: John Carvalho, Alexandre “Capitão”, Paulo Piratininga e Douglas Macedo

Cachoeira e Caverna do Getúlio

Começamos nossa caminhada por Petrópolis e o planejado era seguir uma hora e meia até a Cachoeira Véu de Noiva e de lá, mais seis horas e meia para o abrigo do Açu, um dos corações da Serra dos Órgãos. Esse tempo e essas distâncias quando lidos, falados e ouvidos são inofensivos. No entanto, na serra do mar as forças titânicas da natureza esculpiram precipícios e grotas, vales e espinhaços que são um deleite para iniciados e praticantes de montanhismo. O informativo da agência Carioca Adventure alertava, claramente: nível da caminhada Pesado.

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O Poço Paraíso e Poço das Bromélias passamos logo na primeira hora de caminhada antes de chegarmos à Gruta do Presidente, uma pedra colossal amparada pelo próprio pedestal da montanha que criava a forma de uma caverna, onde supostamente Getúlio Vargas passara.

Pegamos um atalho para a cachoeira Véu de Noiva, uma bela cascata com seus 40 metros de queda livre.  Nesse trecho cruzamos por mochileiros menos ousados indo e vindo em ritmo de passeio no parque. Um montanhista autêntico se conhece pelas feições coradas de sol e esforço, pelo suor na testa, pelo tamanho da mochila e pelo silêncio no caminhar. Diferente daqueles que passeiam no parque, tagarelando e gastando o tempo que têm. Trilhar,  descobri nesta viagem, é sinônimo de meditar.

Pegamos um atalho para a cachoeira Véu de Noiva, uma bela cascata com seus 40 metros de queda

Itamarandiba

Retornamos à trilha principal em direção ao mirante da Pedra do Queijo, um pedregulho do tamanho de dois fuscas encavalados que dava para um precipício.  Dali a vista era deslumbrante para cidadezinhas que cresciam dentro do vale e não sei por que, mas a música Itamarandiba, de Milton Nascimento, me veio à mente.  “Itamarandiba, pedra corrida..como é miúda e quase sem brilho, a vida do povo que mora no vale”

Meninos e meninas

O grupo em que estávamos e que subia encontra-se com outros – menores, com duas ou três pessoas – que desciam. Paramos no Ajax, uma nascente onde enchem-se os cantis, lavam-se os rostos, e reabastecem-se as baterias com amendoim, barras de cereal, chocolate e qualquer outro alimento que aumente a energia do corpo. Os meninos e as meninas já haviam se separado dos homens e mulheres algumas centenas de metros abaixo e, pelo olhar de Sandro Tanaka, o comandante da expedição, agora chegávamos a um ponto crítico da trilha.

O Parque Nacional Serra dos órgãos é uma coletânea de acidentes geográficos entre os municípios de Teresópolis, Petrópolis, Magé e Guapimirim. Esta nossa jornada integrava, segundo o próprio mapa de programação do Parque, o primeiro dia da expedição Petrópolis – Teresópolis, destinado apenas a mestres e doutores das montanhas. Eu havia acabado de passar no vestibular e tinha uma prova pela frente: a ladeira da Isabeloca.

Dali a vista era deslumbrante para cidadezinhas que cresciam dentro do vale e não sei por que, mas a música Itamarandiba, de Milton Nascimento, me veio à mente

Ladeira da Isabeloca

A ladeira chamada Isabeloca era uma homenagem à princesa Isabel que andou por Petrópolis e Teresópolis montada em um cavalo no tempo do Império. Ela estende-se por três a quatro quilômetros abruptos, íngremes e a única coisa que se pensa nessas horas é chegar a um lugar plano onde se possa tirar a mochila dos ombros, beber uma água, esticar as pernas e imitar a bateria da escola de samba, dando uma paradinha.  A Isabeloca de carinhoso só tinha o nome e não era nada nobre. É um conjunto de escarpas talhadas pelo tempo e pela água da chuva que cavou valetas e voçorocas ao seu redor. “Esta etapa já foi pior. A equipe de manutenção do parque fez uma reforma recente, aterrando alguns trechos e construindo degraus”, explica Sandra Guedes, da Carioca Adventure.

Ladeira da Isabeloca: três a quatro quilômetros abruptos, íngremes

Chapadão

Subir montanhas é contrariar a lei de Isaac Newton”

A força da gravidade dá o seu baile nas montanhas e nos desfiladeiros. Lá, o magnetismo do miolo da terra vai sugando tudo para baixo, enquanto se quer ir para cima. Subir montanhas é contrariar a lei de Isaac Newton. Por volta das cinco horas da tarde chegamos a um lajeado denominado pelos trilheiros como Chapadão. Aqui se tem uma panorâmica em 360º de toda a serra do mar.  O local recebe também o gracioso nome de “Graças à Deus”. Um marco estabelece bem as distâncias. Havíamos percorrido até aquela hora 6.4 quilômetros. Faltava 1.6 para os Castelos do Açu,  um pedregal-monumento escolhido pela administração do parque para erguer, no ano de 2010, o Abrigo do Açu, destino do primeiro dia.

Por volta das cinco horas da tarde chegamos a um lajeado denominado pelos trilheiros como Chapadão

O Abrigo do Açu

Todo lixo produzido deve ser levado embora”

Ao avistar o Abrigo do Açu, uma casa esverdeada com traços alpinos em sua arquitetura, tem-se um alívio. O abrigo tem dois pavimentos; no superior recebe trilheiros que levaram saco de dormir e isolante térmico para passar a noite, no piso inferior, próximo ao banheiro, oito camas beliches atendem aos montanhistas. O abrigo obedece aos rituais do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, que tem Plano de Manejo e uma gestão que se alinha às diretrizes do Instituto Chico Mendes e ao Ministério do Meio Ambiente. Aqui os trilheiros e montanhistas dormem, tomam banho, se alimentam e partem. A casa é abastecida com energia solar e é administrada por dois ou três abrigueiros que se revezam em turnos de sete dias. O banho quente é cobrado à parte e as refeições podem ser preparadas ali. Todo lixo produzido deve ser levado embora.  Ao lado do abrigo há uma área de camping para os mais corajosos.

O abrigo obedece aos rituais do Parque Nacional da Serra dos Órgãos

Solidariedade e amizade

Aparentemente subir montanhas é um esporte individual que requer força física e condicionamento mental próprios para superar obstáculos e ultrapassar limites. No entanto, é importante destacar a fraternidade que se observa entre os trilheiros e montanhistas e no excepcional preparo da equipe da Carioca Adventure. “Os monitores da Carioca Adventure conseguiram nos motivar para seguir adiante. A companheira de jornada Amanda Espíndola me emprestou um bastão. Em uma queda perdi meu relógio e o John Carvalho, da Carioca Adventure, voltou montanha acima para encontrá-lo. Achou e me trouxe! Nota mil”, afirmou o publicitário Paulo Piratininga pela primeira vez na trilha.

Paulo Piratininga: “Perdi meu relógio e o John Carvalho, da Carioca Adventure, voltou montanha acima para encontrá-lo”

Portal de Hércules

Evitamos ladeiras e lajedos que estariam lisos como quiabo”

O acesso ao Portal de Hércules não é oficialmente disponibilizado pela Parque Nacional Serra dos Órgãos, já que se trata de um desvio opcional de quem faz a travessia Petrópolis-Teresópolis, de três dias.  A brecha de tempo bom que tivemos nestes dois dias de fevereiro foi providencial para se chegar lá. Evitamos ladeiras e lajedos que estariam lisos como quiabo.

A caminhada é de uma hora e meia e aos poucos o portal vai se abrindo aos sentidos. Surgem de baixo para cima, as pontas das formações mais conhecidas como o Dedo de Deus e o de Nossa Senhora…

“Coroa do Frade, Escalavrado, Dedo de Nossa Senhora, Dedo de Deus, Cabeça de Peixe, Santo Antonio, São João, Agulha do Diabo,  São Pedro, Garrafão”, enumera uma a uma, de memória, as montanhas e picos, o líder da expedição, Sandro Tanaka.

O batuque no peito joga energia para as batatas da perna, para os músculos da coxa, para os ligamentos dos joelhos e dos tornozelos que suportam o corpo nessa caminhada diante do espetáculo. O corpo já não sente e a mente se ilumina diante do portal que se abre em deslumbramento.

Atrás desses cumes outras montanhas formam a serra do mar e a metade do Rio de Janeiro naquela manhã esplendorosa, véspera de carnaval. Antes das fotos e das selfies agradeço e me silencio. Se há um mérito em alcançar o portal ele não é meu. Me elevo sobre as nuvens e meu coração batuca como a bateria de uma escola de samba que vai ser campeã.

“Coroa do Frade, Escalavrado, Dedo de Nossa Senhora, Dedo de Deus, Cabeça de peixe, Santo Antonio, São João, Agulha do Diabo, São Pedro, Garrafão”, enumera as montanhas o líder da expedição, Sandro Tanaka

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Serviço:
Parque Nacional Serra dos Òrgãos
http://parnaso.tur.br/o-parque/historia/
Av. Rotariana , Teresópolis-RJ – S/n. – Cep. 25960-602
Teresópolis-RJ
Tel: Administração: (21) 2152.1100 – Bilheteria: (21) 2642.0579
http://www.cariocadventure.com.br/
*Paulo Atzingen é jornalista
Matéria publicada originalmente dia 9 de março de 2018
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