As configurações familiares se tornam mais complexas a cada ano, o modelo de família tradicional brasileira já não é mais uma regra.
por Sharlene Irente*
Os casais nem sempre são formados por um homem e uma mulher, as pessoas na terceira idade já não ocupam apenas o papel de avós que assam biscoitos e fazem tricô, os filhos nem sempre são da mesma espécie. O cenário muda muito rápido, e os diferentes formatos de famílias são a locomotiva dessas mudanças. Sua empresa está preparada para atender a todas as formas de famílias?
Esta aqui é a coluna Bicho Viaja, então vamos focar nossa conversa nos bichos de estimação. Eu sou “mãe” de pet há mais de 10 anos, e profissional do turismo pet desde 2017, e durante estes anos pude observar um crescimento acelerado na demanda por produtos e serviços direcionados aos peludos.
Mercado pet
- Mais cachorros do que crianças nas famílias brasileiras
- 2° maior população de animais domésticos do mundo
- 3° maior mercado pet do mundo
Este não é um fenômeno novo no Brasil. Em junho de 2015, em uma polêmica edição, a Revista Veja trouxe na capa a imagem de um bebê e dois filhotes de cachorro, e a informação de que no Brasil os cães já são maioria. Segundo levantamento do IBGE, na ocasião da pesquisa em 2015, a população de cães no país era de 52,2 milhões, sendo que 44% dos lares brasileiros possuíam pelo menos um cachorro, enquanto que 36% pelo menos uma criança de até 12 anos.
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O Brasil possui a segunda maior população de animais de estimação do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, os cães são os animais mais presentes nos lares brasileiros. Falando em faturamento, o Brasil se consolida como um dos líderes globais do setor, ocupando a terceira posição no ranking mundial, atrás dos Estados Unidos e da China, e a frente do Reino Unido. A expectativa é de um contínuo crescimento nestes números para os próximos anos.
O alto faturamento do setor é puxado principalmente pelos segmentos de alimentação e saúde animal, mas podemos observar um crescimento no chamado pet care, que inclui serviços como banho, hospedagens, e outros serviços voltados aos pets. U exemplos disso, é que em junho deste ano foi inaugurada a primeira Associação Brasileira de Creches Caninas, instituição que busca a regulamentação e profissionalização do setor, com mais de 40 creches associadas já no momento da fundação. Isso demonstra o grande crescimento e a demanda dos tutores por serviços especializados de cuidados para seus pets.
Os pets são os novos filhos
Os cães nos acompanham há muito tempo, e sua evolução como espécie caminha junto com a própria evolução do homem. Há mais de 14 mil anos eles se aproximaram de nós em busca de comida e abrigo, e em troca oferecíamos proteção. Depois passaram a ocupar os quintais e a fazer parte da nossa rotina. Com a verticalização das grandes cidades, ao invés de perdem espaço passaram a ficar ainda mais próximos de nós, e com isso o vinculo afetivo foi fortalecido e passaram a dividir a casa nossa casa e a nossa vida. Hoje em dia não é incomum os animais serem praticamente donos da casa, com acesso a todos os espaços e muitas regalias.
Na cidade de São Paulo por exemplo, as incorporadoras já estão de olho nesta tendência, e cada vez mais vemos o lançamento de empreendimentos residenciais com áreas pet. Parquinhos e áreas de banho destinadas aos pets são cada vez mais comuns nos condomínios de SP.
Estes fenômenos sociais, alinhados a nossa biologia que nos faz querer “cuidar”, e aos inúmeros benefícios da companhia dos animais, faz com que eles sejam cada vez mais considerados parte da família.
A família multiespécie é uma tendencia mundial, a psicologia reconhece e estuda estes vínculos afetivos, e até mesmo o ambiente jurídico já aceita este conceito, pois processos por guarda e direitos dos animais não são incomuns hoje em dia.
E se eles são parte da família, porque deveriam ficar de fora das nossas férias?
Turismo pet friendly
Há cerca de 10 anos viajar com pets era algo bastante complicado, principalmente na hora de encontrar hospedagem. Este cenário está alterando com o aumento na oferta de hotéis e pousadas que aceitam receber animais, e a expectativa é que a pandemia de Covid-19 acelere ainda mais esse processo.
Segundo informações levantadas pela Decode, empresa de dados e inteligência de mercado, após o início da quarentena, as buscas on line por “hotel pet friendly”, tiveram aumento de 238%, e “como levar cachorro no avião” cresceu 170%.
Com o isolamento social e as pessoas mais em casa, muitas vezes em home office, a aproximação entre animais e tutores se intensificou, e os vínculos afetivos ficaram ainda mais fortes. Durante a pandemia cresceu também o aumento nas adoções de animais, e muitas pessoas que antes não tinham bichos como companhia passaram a ter.
A oferta por ambientes pet friendly vai além de hotéis e pousadas, ambientes urbanos como restaurantes, bares e até shoppings centers estão se adaptando para receber nossos peludos. Alguns já possuem até mesmo áreas de recreação e praça de alimentação para o público que está com pet.
Embora a oferta de hospedagens que aceitam animais tenha aumentado, ainda é necessário um maior alinhamento entre as expectativas dos clientes e das empresas. Um exemplo disso é que grande parte dos hotéis e pousadas restringem o “pet friendly” a pets de pequeno porte, enquanto que, os cães sem raça definida, nossos queridos vira-latas, são maioria dos cães no Brasil, e a maioria dos vira-latas apresentam tamanho médio. A conta simplesmente não fecha.
Receber bem é muito diferente de aceitar, e diferente do que muitas empresas pensam, colocar um potinho de água não torna um lugar pet friendly. É preciso oferecer um ambiente acolhedor para os pets. Lembra que para os tutores os pets são como filhos?
Enquanto alguns hotéis e pousadas miram sua atenção para os pais e mães de pets, e oferecem ambientes onde os animais são as estrelas, com kits pet de luxo, piscinas, cardápios especiais e muitos mimos, outros ainda restringem a canis ou exigem que circulem apenas no colo. O meio termo pode ser trabalhoso, mas é possível, é necessário encontrar a estratégia ideal para cada empresa.
Os pets são amados por muitos, porém, indesejados por muitos também. Embora uma grande parcela das pessoas ame animais, outras pessoas não gostam de animais, podem ter medo, alergias, ou simplesmente não querem ter que dividir espaço com os animais durante suas viagens. E isso torna o desafio dos empresários bastante complexo.
Se por um lado, não aceitar pets te faz perder uma parcela crescente de clientes, aceitar de forma desordenada pode te fazer perder outros clientes. Não é algo simples, exige planejamento e desenvolvimento de regras e códigos de conduta, mas frente ao cenário atual é algo importante a ser pensado. E você, está pronto para atender famílias multiespécie?
Sharlene Irente é apaixonada por animais, por viagens e pela natureza. Ela é mãe dedicada de quatro vira-latas lindos e bagunceiros. É bacharel em Psicologia pela Universidade Braz Cubas, pós-graduada em Psicologia Organizacional pela Universidade Mogi das Cruzes e MBA em Gestão de Negócios pela ESAMC. Montou há quatro anos a Cãomigo, empresa de eventos e viagens pet friendly.