O céu não é mais o limite e, na verdade, nunca foi para aqueles que miram as estrelas. As viagens suborbitais para apreciar o planeta azul estão aí batendo à porta e o mundo parece pequeno para quem tem asas.
por Paulo Atzingen (REDAÇÃO DO DIÁRIO)
(Artigo publicado originalmente no dia 2 de fevereiro de 2022)
A missão da SpaceX, em setembro do ano passado, levou os primeiros civis ao espaço e virou um marco do turismo espacial. As empresas Virgin Galactic e a Blue Origin concorrem entre si para oferecer viagens a milionários ao redor da Terra.
Mas nós do DIÁRIO queremos ir além, e que lá exista oxigênio, espaço e pessoas. Queremos ir onde as distâncias sejam preenchidas por paisagens, pinturas, lembranças e arte. Queremos romper os limites da atmosfera e propor viagens além da órbita terrestre.
Veja também as mais lidas do DT
A nossa primeira viagem interestelar é com a cantora, compositora e multi-instrumentista Tetê Espindola. Ela marcou corações e mentes, memórias e ouvidos quando apareceu para o Brasil cantando “Escrito nas Estrelas” no Festival dos Festivais da rede Globo em 1985. No entanto, Tetê já havia marcado seu lugar na cabeça e na lembrança de muita gente, alguns anos antes, em 1982, com seu disco Pássaros na Garganta.
Alguns dos discos de Tetê:
O DIÁRIO abre a série viagens interestelares entrevistando a artista, confira:
DIÁRIO – Tetê, sabemos que você e seus irmãos formaram no início da carreira, lá atrás, o grupo LuzAzul e fizeram cantorias na estrada que liga Campo Grande a Cuiabá. E foi nos arredores de Mato Grosso do Sul, cantando com os irmãos, de cidade em cidade, que você se descobriu, num local chamado Chapada dos Guimarães. Tetê, você pode contar detalhes dessa iniciação?
Bom na verdade o grupo LuzAzul fazia apresentações acústicas “sem microfone”, e não podia ser em qualquer lugar, fizemos poucos shows em auditórios em Campo Grande e em Cuiabá.
Em 1974 entrei na faculdade em Cuiabá e fui morar na casa de Aline Figueiredo e Humberto Espíndola. Foi nessa época que conheci Marta Catunda minha grande amiga e parceira de aventuras, que Deus à tenha!
E também comecei a tocar e compor na craviola, eu já estava ligada na sonoridade desse instrumento pois Geraldo tinha acabado de ganhar do Tio Erasmo lá de São Paulo. E foi nesse ano que conheci a Chapada dos Guimarães ainda intacta, com uma estrada de terra pra se chegar lá. Eu e Marta “cabulávamos” aula na faculdade, eu com a minha craviola e ela com a flautinha doce. O programa era ir tomar banho de cachoeira e cantar na beira do Vale das araras…foi assim que comecei a fazer a emissão do canto dos pássaros. Outro lugar muito “astral” era a praia do rio Cuiabá em Sto Antônio de Leveger, o pôr de sol me inspirou várias músicas, não só a mim mas a Alzira, que foi passar umas férias comigo. Ficávamos horas tocando e cantando num quarto na casa da Aline com a linda presença do artista plástico muito amigo, o João Sebastião, que Deus o tenha!
DIÁRIO – “Você desceu o Rio Paraguai cantando as canções que não se ouvem mais” Pode falar aos leitores do DT sobre essa viagem?? E que canções eram essas?
A expedição “Àgua dos Matos” foi fruto de um projeto que ganhamos no edital da Natura. A embarcação na verdade desceu primeiro o rio Cuiabá até chegarmos em Poconé, íamos fazendo shows pros ribeirinhos, cantando só clássicos de raiz e de fronteira. Depois trocamos, deixamos a pequena Chalana e fomos pra um barco maior, entramos no rio Paraguai. Foi uma viagem maravilhosa de 22 dias na água que nos inspirou 15 músicas novas em parcerias com Lucina, Marcelinho Ribeiro, Carol, Jerry Espíndola e Alzira E Pra quem quiser ver, existe um documentário no YouTube “Agua dos Matos” e um CD das inéditas no Spotify, com o mesmo nome.
Assista o Águas de Matos:
DIÁRIO – Tetê, sabemos que o canto são ondas sonoras e vibrações que tocam profundamente o âmago e o sentimento das pessoas. Uma nota musical saída da sua garganta tem a força sutil de produzir uma lagrima. Do que mais a sua voz é capaz?
O meu agudo mexe com o chacra frontal, aquele do terceiro olho, mas já me disseram que ativa a Glândula Pineal…até acredito!
DIÁRIO – Em uma de suas canções, de Pássaro na Garganta: “lágrimas perfumada orvalhando o sertão”… você além de cantar o Mato Grosso também cantou a Bahia… quais outros lugares que seu canto pousou?
Bom, essa música “lágrimas perfumada orvalhando o sertão” foi composta pra Chapada Diamantina, chama-se Ácacias (música minha e letra de Marta). Gravei no CD Asas do Etéreo, aquele Álbum Branco do selo Sesc, onde foi relançado a remasterização do Pássaros na Garganta
Ahhh… meu canto já andou pelo mundo…gravei dois CDS em Paris com o compositor e produtor Philippe Kadosch o VozVoixVoice e Babelyes fiz shows pela Europa e na América Latina .
“Acácias” de Asas do Etéreo
DIÁRIO – O seu canto leva as pessoas ao som das cachoeiras brilhantes, às estradas de terra, à uma natureza intacta e a um mundo melhor. Pergunta: seu canto também é manifesto contra a violência do homem sobre o que é bom e sobre o que é belo?
Sempre senti que o meu agudo chama atenção mexe com as pessoas, às vezes o grito é pra acordar o mundo sobre a preservação das florestas pois sem arvores não vamos mais respirar e nem ouvir o canto dos pássaros…
DIÁRIO – Alguns pássaros viajam grandes distâncias para fugir do frio. Qual foi a sua viagem (ou viagens) que seus sentimentos de artista foram além da flor da pele?
Foi pra Amazônia, quando fiz um dueto com o Uirapuru da terra, num seringal numa manhã de novembro de 1990. Essa “expedição Macauã” foi pra pesquisar o canto dos pássaros tanto de Mata fechada quanto do Pantanal céu aberto depois virou um livro da tese de mestrado de Marta Catunda www.geofonia.blogspot.com
Os embriões melódicos inspiraram músicas instrumentais, enquanto os pássaros percussivos foram sampleados virando instrumentos; esse trabalho gerou o LP Ouvir, graças a um prêmio da Fundação Vitae.
DIÁRIO – Qual lugar de sua Terra (ou fora dela) que você recomenda aos leitores do DIÁRIO DO TURISMO visitarem?
Fui uma vez pra Ilha Fernando de Noronha, o lugar mais deslumbrante e preservado que já estive, além é claro, das nossas águas cristalinas de Bonito, no MS.
Tetê Espíndola
Ao longo de seus mais de 40 anos de carreira, a cantora, compositora e instrumentista Tetê Espíndola ganhou inúmeros prêmios pelo seu trabalho voltado para a experimentação e recriação do universo ecológico brasileiro.
Foi aclamada com o Prêmio Revelação da Associação de Críticos Paulistas/ 1982, pelo disco “Pássaros na Garganta”. Participou de dois importantes festivais brasileiros, vencendo o Festival dos Festivais /1985, com “Escrito nas Estrelas”. Ganhou o prêmio Fundação Vitae para desenvolver trabalho de composição musical sobre os pássaros brasileiros, que resultou no LP “Ouvir” (1991). Gravou mais de 19 discos e fez inúmeros shows pelo Brasil e exterior.
Em 2006, realizou a expedição Água dos Matos, na região Centro Oeste, descendo de chalana os rios Cuiabá e Paraguai, oferecendo shows e oficinas gratuitas aos povos ribeirinhos, com diversos artistas.
Em 2014, lança pelo selo SESC, o Álbum Duplo que contém a remasterização do LP Pássaros na Garganta (1982) e “Asas do Etéreo”, trabalho inédito, que traz apenas composições da artista e participação especial de 12 instrumentistas, como Egberto Gismonti, Jaques Morelenbaum, Hermeto Pascoal, Dani Black, Duo Fel e muitos outros.
Em 2017/18 lança pelo seu próprio selo LUZAZUL o CD “Outro Lugar” com shows nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza com o quarteto de cordas “Quintal Brasileiro” e outros convidados. Lançado também em Brasília, Recife e Porto Alegre em versão solo com sua craviola.
Em 2019 lança pelo selo SESC o CD “Recuerdos” com Alzira E, com a participação especial de Ney Matogrosso.
Em 2020 participa dos 40 anos da Vanguarda Paulista num show no dia do aniversario de São Paulo no Teatro Municipal de SP com vários artistas.
Serviço:
Site: Tetê Espíndola
Obrigada por esta entrevista com a Tetê Espíndola
Belíssima entrevista com Tetê, confrade Atzingen. O Diário do Turismo está cada dia melhor. Parabéns!
Obrigado Billy! E vamos descer o Rio Paraguai, cantando as cantigas que não se ouvem mais!!!!!
Topado irmão! Pode ir buscar a gaita!