Em outubro do ano passado, mudamos nossa vida completamente. Por necessidade e escolha saímos de uma grande metrópole e nos mudamos para o interior. De 75 metros quadrados, para uma chácara com mais de mil metros que chamei de: “Pé de quê?”.
por Gláucia Machado*
Acordo com o canto de um galo que, com sua eficiente técnica vocal, rompe a distância e me alcança alternando com o apito do trem e o arranjo traz uma calorosa calmaria. Aqui como frutas frescas retiradas do pé. Tenho acerola, pitanga, manga (muita manga!), jatobá, caqui, banana, abacate, limão… plantei e colhi: manjericão, alface, cebolinha, salsa, almeirão, morango, vagem… e espero o crescimento da abóbora, batata doce, melão, tomate, feijão, uva, laranja lima, mamão…
A chuva tem um cheiro gostoso, o vento traz frescor e paz, a cada por do sol uma palheta de cores, combinações de uma quimera inexplicavelmente viva!
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Tenho, a cada dia descoberto coisas novas. Não há correria e nem pressa. A vida é mais lenta, a respiração controlada, o sono mais pesado, os sons e sabores diversificados.
Aprendi ao longo destes meses a maravilha da vida! Pude ter o tão sonhado borboletário, acompanhando o crescimento e a transformação das borboletas, da germinação das sementes, do início da vida de pássaros no ninho. Feliz, me permiti o contemplar.
Encontrei adversidades em formas de aranhas grandes e pavorosas, pequenas e perigosas, grilos atacando minha pequena plantação de feijões, formigas cortadeiras que, da noite para o dia destroem e consomem.
Para trás deixei muitas coisas: vizinhos queridos, amigos chegados, e as possibilidades da cidade grande. Deixei também a segurança de um emprego que eu amava. Sinto falta dos meus alunos. Eu realmente os amo! Sinto saudades enormes dos meus colegas de trabalho, do convívio e da troca de conhecimentos…
Mas a vida segue. Retomei minha alegria em escrever e reativei meu ateliê com esperança de voltar a ganhar meu sustento.
Você sabe o que significa esta imagem? É um jatobá. O jatobá é uma fruta com casca e semente bem grossas e duras. Essa é a imagem de uma semente que rompeu toda a dureza que encontrou e germinou.
Não há vida sem dificuldades, entretanto, não há vida sem alegrias! Todos os dias temos muito a agradecer mesmo diante dos obstáculos.
Não tenho a menor ideia do que acontecerá daqui para a frente. É claro que preciso vender meus produtos: dependo disso agora. Mas… aprendi que às vezes preciso apenas esperar a transformação como as borboletas, ou romper a dureza com garra e convicção como a semente de jatobá e Deus tem usado uma lupa chamada “Pé de quê” para provocar mudanças profundas na minha alma e me ensinar.
Então, após um dia de exaustivo trabalho, tomo um banho quente e deito na cama com o barulho gostoso da coruja, dos grilos e do coaxar dos sapos e penso: “Em paz me deito e logo pego no sono porque só tu Senhor, me faz repousar segura” (salmo 4.8).
*Gláucia Machado é professora de música e contadora de histórias