por Paulo Atzingen*
Percorrer a BR-222 sempre me trazia à memória a música Expresso 2222 do Gilberto Gil, que partiu direto de Bonsucesso para depois do ano 2000. Só que esta semana eu parti para Terra Indígena Mãe Maria saindo de Marabá rumo a Bom Jesus do Tocantins, no Pará. Essa rodovia acompanha um linhão da Eletronorte, às vezes à esquerda, às vezes à direita, e uma imensa floresta da área indígena protegida, dos dois lados. Uma autêntica área preservada, com gatos maracajás, onças pintadas e suçuaranas à espreita, ou simplesmente sonolentas lá no meio do mato, cansadas da humanidade.
Iria entrar na aldeia sem a anuência de órgãos oficiais, sem agendamento prévio e guiado por Robson Messias Lucas, um técnico da prefeitura de Bom Jesus do Tocantins, amigo dos índios. Uma reunião de borboletas amarelas no caminho dava o sinal que o dia seria bom.
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Chegamos por volta das 9 horas à entrada de um dos acessos da aldeia e Robson já nos esperava. O homem salta do carro enfiado em um blazer caqui, um chapéu azul, dois broches pendurados no peito e um sorriso para lá de amistoso que fazia conjunto com uma barbicha e um rabo de cavalo. Foi amizade à primeira vista já que ele separara o domingo para servir de ponte entre um branco da civilização e o povo Parkatejê, que vive aqui há milênios.
O casal de amigos, Alan e Priscila Veiga me acompanhava e fomos de cara apresentados ao pajé Nãkoti Gavião, sentado sob uma construção rústica, cobertas por telhas de brasilit, mas firme como uma árvore centenária, como a castanheira.
“Eu nasci no mato, em Jacundá e meu remédio é a paz”, diz em um português inicialmente bem claro. Mas o pajé solta frases estranhas, desconexas misturando o português e sua língua original, o timbira.
Olho o ambiente. Estou no coração do povo Gavião Parkatejê. A natureza expira suas folhas e o silêncio impera cortado apenas por canto de pássaros. O pajé é o mais velho representante de sua etnia, desde a morte do líder Krôhôkrenhum, em 2017. Tem 91 anos.
As perguntas afoitas de branco dito civilizado foram silenciadas pela observação atenta do chefe da tribo que explicava, em sua língua o funcionamento do cosmo. Tem mais de 90 anos, traduz Robson, que também não tem a exata certeza ao que ele se refere, mas em todas suas frases cita a terra, a mata, os bichos e o seu deus, Jê. Sua terra integra a reserva Mãe Maria junto com as do Gavião do Oeste e Gavião da Montanha.
“Ele faz remédio para pessoas doentes, para mulheres que querem engravidar, para diabetes e pneumonia”, diz o guia Robson. “Basta ele olhar para a pessoa e ele sabe o que ela precisa”, completa o guia.
“Quando eu cheguei aqui tudo era mato”, diz em português claro e aponta ao longe, mostrando as casas. Fala das folhas do mato que escolhe aleatoriamente e as usa para curar alguma doença. E logo em seguida proferia sua submissão ao grande curador, o maior pajé de todos, o deus Jê e apontava o ar…
Mostra um rasgo no braço esquerdo, já cicatrizado, feito por uma onça que havia devorado três de seus cachorros. Diz que foi curado graças ao deus Jê, com sua força poderosa de trovão e as ervas da floresta.
“Non so macumbero. Eu falo com Jê…”, diz.
Ainda em linguagem de enigmas, ele capta algum sinal misterioso na mulher de Alan, Priscila. Ela se oferece para ser “curada”. O marido assente com a cabeça e o curandeiro começa ali mesmo um ritual de “benzeção”.
A face das águas se mexeu e criou um link com o vento nas árvores naquele instante.
Se a fé realmente remove montanhas, matas e rios, o jovem casal poderá finalmente comemorar em breve a chegada de seu primeiro filho, sob as bençãos do Deus Jê.
*Paulo Atzingen é jornalista e viajou com seguro Global Travei Assistance
Terra Indígena Mãe Maria
Área habitada por Gavião Akrãtikatêjê, Gavião Kykatejê e Gavião Parkatêjê.
A Terra Indígena Mãe Maria é uma terra indígena brasileira, localizada no município de Bom Jesus do Tocantins, no estado do Pará. Regularizada e tradicionalmente ocupada, tem uma área de 62 488 hectares e uma população de 670 pessoas, do povo Gavião Parkatejê e grupos Gavião do Oeste e Gavião da Montanha.[3][4][5] Foi homologada em 20 de agosto de 1986, pelo então presidente José Sarney.
A família Jê é um dos doze componentes do tronco Macro-Jê, que é dividida em quatro subgrupos, sendo que um deles são os Jê do Norte que constituem cinco línguas nesta classificação feita por Airon Rodrigues (1999). A primeira língua é a Timbira e seus dialetos que constituem a fala dos Ramkokamekra; Apãniekra; Pukobyê, Krikati, Krahô, Krenyê, Parkatêjê, Akrãtikatêjê e Kỳikatêjê.