Voei em um Concorde uma vez. Lembro de sua subida, semelhante à de um foguete, ao sair de Heathrow [aeroporto de Londres], do silêncio ao sobrevoar o Atlântico a 60 mil pés de altitude e do céu azul escuro que via pela janela. Depois, do monitor de cabine, que exibia “[número] Mach 2”, e da emoção de integrar um círculo de voo de elite, antes de pousar, de nariz para cima, em Nova York três horas e meia após a decolagem.
Por John Gapper — Financial Times
Portanto, foi com uma pontada de sentimentalismo que li notícias de que a United Airlines fechou uma encomenda de 15 aviões Overture, que estão sendo desenvolvidos pela Boom Supersonic, em Denver, no Estado americano do Colorado. Eles deverão iniciar o serviço de passageiros já em 2029: se eu esperar alguns anos mais, poderei conseguir reviver a empolgação de viajar a velocidade superior à do som.
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“Acreditamos em um mundo em que mais pessoas possam ir a mais lugares com maior frequência”, disse Blake Scholl, fundador e executivo-chefe da Boom, a uma comissão do Congresso americano em abril, e, nessas palavras, isso soa bem. Tendo sido confinadas em casa ou dentro das fronteiras nacionais pela pandemia, algumas pessoas poderão gostar de fazer uma viagem curta em alta velocidade de San Francisco a Tóquio em 6 horas, em vez de 11.
Apesar da tentação, tenho dúvida se o voo comercial supersônico vai mesmo voltar, e se deveria. A tecnologia avançou desde o último voo comercial de passageiros do Concorde, em 2003, depois de um acidente fatal em Paris em 2000, dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 e da retração da demanda, mas algumas coisas são difíceis de mudar.
Uma delas é que os jatos supersônicos fazem muito barulho. Também vivenciei o Concorde a partir do lado de fora, crescendo na pista de taxiamento de Heathrow na região Oeste de Londres, e vindo a experimentar o rugido ensurdecedor do motor localizado na cauda do avião. O Overture será muito mais silencioso do que o Concorde em velocidades subsônicas e em volta de aeroportos, mas fará um barulho sônico semelhante quando em pleno voo.
Pessoas com privilégios militares ou grande fortuna poderão quebrar a barreira do som agora. Os caças são muito ruidosos, como também o é o foguete que deverá levar os bilionários Jeff Bezos e Richard Branson ao espaço suborbital. Mas cometer uma extravagância dessas está fora de alcance da maioria: voos que atingissem velocidades supersônicas dentro do território dos Estados Unidos foram proibidos em 1973.
Boom diz que o Overture só vai voar a velocidade supersônica sobre os oceanos, o que restringe bastante seu charme. As rotas do Concorde de Londres e Paris a Nova York se harmonizam com o modelo, embora mesmo essas tenham seus problemas.
Um voo matutino procedente da Europa chegava aos Estados Unidos nas primeiras horas do dia e atraía executivos, mas cortar três horas de um voo de volta na madrugada claramente era muito menos atraente.
Atravessar o Pacífico constitui um segundo desafio para jatos supersônicos — sua autonomia limitada comparativamente a aviões subsônicos de longo curso. O Overture terá de aterrissar por meia hora no Alasca para reabastecer em sua viagem de San Francisco a Tóquio, e no Taiti na rota de Los Angeles a Sidney. Os passageiros podem ser tentados a descer e a reabastecer em Taiti também.
Pioneiros supersônicos oferecem alguma esperança de que os Estados Unidos acabem relaxando sua proibição, ao menos em alguns corredores aéreos (o Kansas vai testar a ideia). Mas é impensável que os europeus tolerariam até 200 estrondos sônicos por dia vindos do tráfego aéreo, inclusive de jatos que chegam e partem de Heathrow, um cenário para 2035 projetado pelo Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT, nas iniciais em inglês).
Há ainda a considerar o impacto ambiental como um todo. Os jatos supersônicos tendem a consumir muito combustível, e a ICCT estima que voando com combustível de avião a jato convencional eles emitiriam de cinco a sete vezes mais dióxido de carbono por passageiro do que os jatos subsônicos. Num momento em que o setor de aviação comercial tenta se tornar mais ecologicamente responsável, ele corre o risco de ser arrastado em direção oposta.
Scholl me garante que o Overture vai queimar muito menos combustível do que isso, apenas o equivalente a um passageiro de classe executiva em um jato convencional.
Será capaz também de voar unicamente com combustível de aviação sustentável, como o produzido por empresas como a BP a partir do óleo de cozinha e de resíduos de óleo. Mas isso ainda resta demonstrar: o primeiro voo-teste do jato de demonstração da Boom só ocorrerá no fim deste ano ou no ano que vem. (Tradução de Rachel Warszawski)