Um dos pontos fundamentais da prática de gestão de crises é a previsão de ações proporcionais aos seus potenciais impactos.
por Otávio Novo*
Assim, quanto maior a possibilidade de impactos negativos, teremos uma necessidade maior de abrangência na construção das ações a serem aplicadas.
E, mais uma vez, o caso que vivenciamos demonstra o quão amplo isso pode ser.
Ao realizar as primeiras análises sobre o risco COVID-19 e suas características , vimos que vivíamos uma duplicidade sobre o mesmo tema.
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Com relação a essa pandemia, temos o que podemos chamar de risco real/direto e risco virtual/indireto, sendo ambos relativos à exatamente o mesmo evento.
O risco real e/ou direto diz respeito à saúde das pessoas e a preservação de vidas. E o risco virtual e/ou indireto é relativo aos impactos percebidos com as medidas preventivas de restrição decorrentes do risco principal.
Grosso modo, seria como termos ao mesmo tempo, a doença das pessoas, e a doença da economia.
E esse é o início do trabalho do gerenciamento da crise: identificar os valores ameaçados e definir as responsabilidades para as ações, sejam elas: em campo, na tomada de decisões e ou quanto aos investimentos necessários.
Tanto na saúde quanto na economia, nos parece ser o interesse de todos a urgência e a estratégia de salvaguardar os sistemas existentes, sendo, para isso, necessário identificar os responsáveis pelas ações.
O isolamento social horizontal , ou seja, aquele que prevê a participação de toda a sociedade, ainda é a recomendação das autoridades médicas
Sobre a saúde, é notório que haverá mais custo previsto do que benefícios imediatos, ou seja, é necessário um olhar além do ganho imediato, justificando, portanto, as restrições impostas.
No aspecto da economia, o cenário atual de restrições e suas perdas pode significar um futuro de insustentabilidade do sistema como conhecemos, e, assim, poderia fazer sentido uma abordagem diferente do que se propõe no combate da pandemia em si.
De toda forma, como temos a doença das pessoas e a doença da economia mundial, precisamos pensar em garantir a saúde de ambas.
O isolamento social horizontal , ou seja, aquele que prevê a participação de toda a sociedade, ainda é a recomendação das autoridades médicas que visam a questão da saúde, enquanto as autoridades econômicas, que visam a questão econômica, sugerem a opção de isolamento vertical, com foco restrito os grupos de risco.
Dilemas como esses são muito comuns na gestão de crises em qualquer organização. A solução para isso, sempre será o olhar amplo e sensível do tomador de decisões, que deve considerar alguns critérios ao estabelecer a estratégia de resposta, como por exemplo: i)valores à proteger; ii) dinâmica e necessidades para cada momento de decisões; iii)uma abrangente análise de cenários para o curto, médio e longo prazos.
Interesses diferentes requerem uma capacidade de processamento e decisão equilibrada, prevendo ganhos e perdas no processo de execução da estratégia, até a esperada retomada positiva no momento possível.
Dessa forma, o decisor deve visar o interesse geral, sem que deixe prevalecer objetivos específicos de uma de outra vertente que esteja em conflito com o estabelecido como foco principal daquela gestão de crises. Seria como sobrevoar o local dos danos, olhando o grande quadro e decidindo de forma a atender e preservar os valores primordiais.
No caso da pandemia temos o valor pessoas e o valor economia. Em praticamente todos os casos, a intenção é preservar ambas, mas as nuances das decisões propostas, analisadas diante do grande quadro e das análises de cenário, trazem diferenças importantes.
A grande questão e desafio nessa tomada de decisão parece ser a relação de dependência entre os valores mencionados: saúde e economia, ou seja, a solução para uma interfere negativamente para a outra, pois pelo que se prega, os recursos disponíveis não seriam suficientes para atender as necessidades de ambas.
Como na expressão popular, nos parece que temos um cobertor curto, ou seja, se cobrirmos uma ponta do problema que é a da preservação da saúde, descobriremos a outra ponta que é a necessidade de manter a economia ativa.
Nesse momento do processo de decisão é recomendável a tentativa de mudança de ponto de vista, ou seja, tentar ampliar as alternativas e descobrir caminhos até então desconsiderados. E isso é possível de ser feito, especialmente se o decisor tiver a capacidade de ouvir, verdadeiramente, outros pontos de vista, e buscar a viabilidade de novas soluções.
É assim que se inova.
Obviamente o processo é complexo, mas é possível e deve ser feito.
Sobre o caso real que vivemos, vale um exercício de reflexão: Quem são os responsáveis e interessados pelos valores ameaçados nessa pandemia, ou seja, o bem estar das pessoas e a economia?
Uma resposta rápida seria, o Estado. Mas seria só?
Acreditamos que não. Provavelmente setores da economia que possuam recursos e/ou dependam da plena atividade econômica para a sua preservação, deverão, de forma coordenada e eficiente, assumir a responsabilidade diante das medidas necessárias nesse momento crítico, e também na melhora das condições gerais em tempos normais , sempre em conjunto e de forma coordenada com o Estado e autoridades competentes.
Temos visto ações pontuais nesse sentido, dentro e fora do Brasil, nessa crise e em outras situações , e cada vez mais nos parece ser uma tendência.
Afinal, de modo geral, não faz sentido que quem tenha interesse, legitimidade, responsabilidade e condições para atuar na prevenção e numa crise deixe de fazê-lo, lavando as mãos e transferindo para outros a gestão de riscos de valores que lhe são fundamentais.
E por falar em lavar as mãos, não esqueçam, continuemos fazendo a nossa parte.
O curso de Gestão de Crises na hotelaria e turismo está a disposição de todos no link:
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Otávio é advogado, profissional de Gestão de Riscos e Crises, atuando, desde o ano 2000, em empresas líderes nos setores de serviços, educação e hospitalidade. Durante 6 anos foi responsável pelo Departamento de Segurança e Riscos da Accor Hotels na América Latina. Atualmente é consultor, membro da comissão de Direito do Turismo e Hospitalidade da OAB/SP 17/18, professor e desenvolvedor de materiais acadêmicos e facilitador na formação de profissionais e na organização de empresas do setor do turismo e hospitalidade. Coautor do livro “Gestão de Qualidade e de crises em negócios do turismo” – Ed. Senac. É criador e responsável pelo projeto Novo8 – www.novo8.com.br