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Viagens sigilosas custam R$ 3,5 bilhões aos cofres públicos e desafiam transparência no governo

Viagens sigilosas somam R$ 712 milhões, correspondendo a 10% do total, R$ 3,5 bilhões

Desde 2014, o governo federal desembolsou aproximadamente R$ 3,5 bilhões em viagens de servidores públicos cujos dados foram mantidos sob sigilo. Levantamento da Folha de S.Paulo mostra que uma em cada oito viagens realizadas ao longo de pouco mais de uma década teve o nome do agente ocultado, assim como informações sobre destino, cargo e justificativa da missão.

Os valores incluem passagens aéreas e diárias — estas últimas depositadas diretamente nas contas dos servidores, sem exigência de apresentação de notas fiscais para comprovação dos gastos com hospedagem, alimentação ou deslocamento. Cerca de R$ 2,8 bilhões referem-se apenas a diárias de profissionais não identificados, o que representa cerca de 20% da despesa total com esse tipo de deslocamento no período. As passagens sigilosas, por sua vez, somam R$ 712 milhões, correspondendo a 10% do total.

Embora a prática esteja amparada pela Lei de Acesso à Informação, que permite a classificação de determinados dados conforme critérios de segurança e interesse público, o uso recorrente do sigilo tem provocado questionamentos sobre sua real necessidade e extensão. O auge dessa política foi registrado durante o governo Bolsonaro, com 16% das viagens ocultando o nome dos servidores. A atual gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém patamar semelhante, com 15% de sigilo até abril deste ano.

A justificativa oficial está ancorada na proteção de operações sensíveis e na integridade dos agentes envolvidos, especialmente em órgãos de segurança como a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal — os que mais concentram viagens com dados protegidos. A Presidência da República também aparece entre os principais responsáveis: somente no governo Lula, mais de 2.000 viagens foram classificadas como sigilosas, o equivalente a 66% do total ocultado por esse órgão em todas as gestões. O custo foi de R$ 4,8 milhões, considerando diárias e passagens.

Contudo, segundo a apuração da Folha de S.Paulo, há indícios de que o prazo legal para manter informações sob sigilo — cinco anos para dados reservados, dez para os secretos e 25 anos para os ultrassecretos — não vem sendo rigorosamente respeitado. Há mais de 4.000 viagens realizadas durante os governos de Dilma Rousseff e Michel Temer com alguma informação ainda não divulgada, o que levanta suspeitas sobre a utilização indevida dessa prerrogativa.

Especialistas em transparência e controle social alertam para os riscos desse cenário. Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, considera rara a necessidade de manter viagens oficiais sob sigilo por períodos tão longos. “Mesmo investigações em curso não justificam, em regra, a manutenção do sigilo por mais de cinco anos. O acesso à informação é essencial para evitar desvios e fortalecer a governança pública”, afirma.

Bruno Morassutti, cofundador da Fiquem Sabendo, aponta a ausência de uma cultura institucional voltada à transparência como um entrave estrutural. Segundo ele, a falta de critérios claros e fiscalização rigorosa permite que o sigilo seja usado como escudo administrativo, impedindo o controle social e o escrutínio público. “É preciso criar procedimentos mais robustos para garantir que os prazos de classificação sejam respeitados e que o sigilo não seja aplicado de forma banal ou arbitrária”, ressalta.

Viagens sigilosas: mais transparência

A Controladoria-Geral da União e o Ministério da Gestão e Inovação afirmam, em nota conjunta, que a classificação das viagens parte dos próprios órgãos que solicitam o deslocamento, e que cada caso deve ser fundamentado legalmente. Ainda assim, a recorrência do uso dessa ferramenta sugere que o Estado brasileiro ainda carece de maturidade institucional para equilibrar proteção e transparência de forma eficaz.

Em tempos em que a confiança nas instituições públicas é um ativo raro, lançar luz sobre como e por que os recursos públicos são utilizados torna-se não apenas um dever, mas um imperativo democrático. O sigilo, quando necessário, deve ser exceção — não a regra.

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