Lei de acessibilidade traz prejuízos a hotéis brasileiros

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Fábio Steinberg*

Ao atropelar o bom senso e não ouvir com a devida atenção a hotelaria, o governo conseguiu transformar um bem-intencionado estatuto de inclusão de pessoas com deficiência em trambolho legal. A exigência de que pelo menos 10% dos quartos sejam acessíveis a pessoas com deficiência – índice quatro vezes maior que a média mundial – coloca em risco a viabilidade econômica do setor.

Vamos falar sem preconceitos. Ninguém questiona a relevância da acessibilidade, e a obrigação moral de dar a todos os cidadãos incapacitados fisicamente condições de igualdade. Neste sentido, a lei 13.146, de 6 de julho de 2015 merece ser festejada como uma imensa conquista social.

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O problema é que, no que concerne aos meios de hospedagem, por desconhecer (ou ignorar) as condições de mercado, os confeiteiros erraram feio no tamanho do bolo. No artigo 45 da lei, geraram uma criatura capaz de devorar a indústria de hospitalidade. Convenhamos: é um tremendo exagero obrigar 10% dos quartos de cada hotel a se adaptarem a padrões de acessibilidade definidos pela ABTN, essencialmente para permitir o movimento de cadeiras de rodas.

Simplesmente, não há demanda para tanta gente, nem aqui, nem no exterior. A média histórica de ocupação de quartos adaptados no Brasil é estimada em 0,06% ao ano, chegando em algumas ocasiões a um máximo de 2,34%. Já nos Estados Unidos, a legislação determina o índice em 2%. Na França, criou-se uma escala por número de quartos, podendo atingir um máximo 4% por estabelecimento. Madrid adota sistema similar ao francês, mas com um percentual máximo inferior a 2,5%.

Para dar ideia do desvario da lei, se tomarmos uma cidade como São Paulo, que conta com 45 mil apartamentos, significa que toda noite teremos o absurdo número de 4.500 deles aguardando portadores de necessidade que jamais virão.

Quem mais sofre com a decisão são os hotéis econômicos, justamente os mais procurados no país, e que possuem áreas úteis bastante restritas. Estas reformas implicam em redução de até 15% do espaço disponível, além de criar verdadeiros monstrengos arquitetônicos. São quartos minúsculos e claustrofóbicos, com banheiros gigantescos e sem box. Veja um exemplo verdadeiro nas duas fotos abaixo.

 É claro que ninguém quer se instalar em um quarto destes, a menos por necessidade absoluta devido a alguma deficiência física grave. Nem mesmo os incapacitados que tenham um mínimo de condições de se hospedar em quartos normais. Com isto, as acomodações adaptadas se transformam em passivos ociosos, já que ficam vazias a maior parte do tempo.

O que mais incomoda nesta decisão é a inversão de prioridades. De que adiantam hotéis com tantos quartos para pessoas com deficiência se a infraestrutura das cidades não oferece condições dignas mínimas para a sua mobilidade?

Na pressa de ser implantado, o Estatuto prestou um desserviço ao mercado. Deixou em seu rastro uma série de abacaxis difíceis de serem descascados. Começa pelos custos. A adaptação por apartamento sai cerca de R$ 50 mil reais. Como no Brasil há 485 mil unidades (dados da consultoria Jones Lang La Salle), estima-se ser necessário à hotelaria gastar algo como R$2,4 bilhões para atender somente as unidades já existentes.

Mas há também os novos empreendimentos, se é que virão diante do desestímulo provocado pela nova lei. Neste modelo equivocado de negócios, que proprietário concordaria em adaptar seu flat, pagando mais caro por isto, e enfrentando taxas de ocupação sujeitas à ociosidade? E no caso de unidades tão pequenas que exigem a integração de duas para atender às novas regras, ainda mais se cada uma pertencer a um dono diferente, como resolver este imbróglio? Quanto aos investidores institucionais, com certeza vão buscar outras alternativas mais rentáveis. E adivinha para quem vai sobrar a conta final, que com certeza terá que ser repassada para o valor da diária? Sim, ele mesmo, o consumidor.

O que mais incomoda nesta decisão é a inversão de prioridades. De que adiantam hotéis com tantos quartos para pessoas com deficiência se a infraestrutura das cidades não oferece condições dignas mínimas para a sua mobilidade? Exemplos não faltam. Basta dar uma volta em qualquer cidade brasileira. Ruas com calçadas para pedestres irregulares, esburacadas, e até inexistentes, ou não preparadas para receber cegos ou surdos. Cadê as rampas para as cadeiras de rodas? Onde está a sinalização sonora e marcação nos pisos? Ironicamente, São Paulo tem hoje melhores condições para receber bicicletas que cadeiras de rodas.

 Pois esta bomba relógio tem data para explodir: janeiro de 2018, quando começa a fiscalização.

Ainda há tempo de evitar o estrago. Vamos admitir: 5% de quartos adaptados já seria mais do que bom. Para isto existem associações hoteleiras dispostas a dialogar com as autoridades responsáveis, na busca de soluções que atendam ambos os lados, como convém às democracias. Até porque viabilizar os negócios na hotelaria e estabelecer plenas condições de cidadania aos deficientes não são coisas incompatíveis.

*Fábio Steinberg é jornalista e fundador do portal Viagens e Negócios 

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