quarta-feira, maio 28, 2025
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4.4 milhões de turistas internacionais no Brasil: uma crítica necessária dos números

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*Mariana Aldrigui, Professora e Pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) *Guilherme Dietze é economista e Presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP

O setor de turismo brasileiro atravessa um momento de notável crescimento, registrando resultados históricos. No primeiro trimestre de 2025, o faturamento do setor atingiu pouco mais de R$ 55 bilhões, o maior valor da série histórica iniciada em 2011, conforme levantamento mensal da FecomercioSP. Diversos fatores contribuem para esse desempenho expressivo. De um lado, o aumento do poder de compra das famílias, favorecido pelo menor nível de desemprego já registrado no país, possibilita um maior planejamento de viagens de lazer. De outro, o crescimento econômico em torno de 3% incentiva o investimento por parte das empresas em viagens corporativas, participação em eventos, congressos, feiras e visitas comerciais. A combinação entre turismo de lazer e de negócios movimenta intensamente a cadeia produtiva do setor no Brasil, configurando um cenário positivo.

A chegada de turistas internacionais ao país também apresenta tendência de alta. Segundo dados divulgados pela Embratur, com base em informações fornecidas pela Polícia Federal e tratadas pelo Ministério do Turismo, o Brasil recebeu 4,4 milhões de visitantes entre janeiro e abril de 2025, o que representa um crescimento de 51% em relação ao mesmo período do ano anterior, equivalente a 1,5 milhão de turistas adicionais. O governo federal comemora esses números recordes para o período e afirma que a performance está alinhada com as metas do Plano Nacional de Turismo, que já atingiu 64% de sua meta anual. Além disso, há um posicionamento estratégico de transformar o Brasil em líder do turismo na América Latina.

“Crescimento de 51% no turismo internacional brasileiro levanta questões sobre a real eficácia das políticas públicas de atração de visitantes.”

Contudo, uma análise mais minuciosa dos dados revela nuances relevantes sobre os principais responsáveis por esse crescimento. Destaca-se, por exemplo, o aumento significativo do número de visitantes oriundos da Argentina, que praticamente dobrou em relação ao ano anterior, passando de 1,07 milhões para 2,12 milhões entre janeiro e abril. Esse contingente representa 48% de todo o fluxo internacional no período, enquanto no mesmo intervalo do ano anterior esse percentual era de 38%. Outro caso expressivo é o da Venezuela, cujo número de entradas passou de 4,4 mil para 55 mil, um crescimento de 1.150%. De modo geral, os países sul-americanos foram responsáveis por pouco mais de 70% do fluxo de turistas estrangeiros ao Brasil no primeiro quadrimestre.

Em contrapartida, observou-se uma redução no número de turistas oriundos de países como Estados Unidos, Canadá e Austrália, com quedas respectivas de 4,7%, 10,9% e 8,8%. Em termos absolutos, essa retração representa aproximadamente 3,4 mil visitantes a menos. Tais variações suscitam uma reflexão crítica sobre os fatores que têm impulsionado a chegada de turistas ao Brasil.

A questão que se impõe é se esse crescimento decorre, de fato, de políticas públicas eficazes de atração de visitantes ou se se deve a fatores externos ou mesmo a uma combinação de ambos.

No caso dos argentinos, por exemplo, o Brasil foi o país homenageado na principal feira de turismo da Argentina, a FIT, realizada no final de 2024. Essa ação vem num momento de aumento na oferta de voos entre os dois países. No entanto, 60% das entradas ocorreram por via terrestre, o que indica que a valorização do peso argentino e, ao mesmo tempo, a desvalorização do real — que chegou a ser cotado a R$ 6,30 por dólar no final do ano passado e, após um período mais baixo, voltou a se aproximar do patamar de R$ 6,00 no início de abril — o que tornou o Brasil um destino altamente atrativo do ponto de vista financeiro. Esse movimento levou a uma ocupação significativa das praias do litoral sul e a um incremento nas compras no varejo local, conforme demonstram os dados do IBGE, que apontam Santa Catarina e Rio Grande do Sul entre os estados com maior variação positiva no comércio varejista no primeiro trimestre.

No caso da Venezuela, o aumento do fluxo turístico não pode ser atribuído à valorização cambial ou a uma melhora econômica interna. Ao contrário, trata-se de uma busca por oportunidades diante de uma crise prolongada. Muitos dos venezuelanos chegam ao país solicitando refúgio, asilo, o que não deve entrar na base de cálculo como turistas. Adicionalmente, o endurecimento das políticas migratórias nos Estados Unidos pode ter redirecionado parte desse fluxo ao Brasil, que representa uma alternativa viável dentro do continente.

Por outro lado, a queda na entrada de turistas dos Estados Unidos, Canadá e Austrália parece estar associada à retomada da exigência de vistos para cidadãos desses países a partir de abril de 2025, o que reflete a sensibilidade do setor a mudanças de regras. Assim, verifica-se que o desempenho positivo do turismo internacional neste início de ano foi, majoritariamente, impulsionado por fatores externos e conjunturais, como a valorização cambial, crises em países vizinhos e movimentos migratórios específicos, mais do que por resposta a uma efetiva estratégia nacional de promoção turística.

“Mais de 70% dos turistas internacionais no Brasil vieram da América do Sul – uma tendência impulsionada por fatores cambiais e conjunturais.”

Isso não implica desmerecer os esforços empreendidos por órgãos públicos como a Embratur, que possui uma programação consistente para ampliar a promoção internacional do Brasil. Contudo, é necessário reconhecer que tais estratégias demandam tempo para produzir efeitos duradouros e que o atual cenário, ainda que positivo, requer prudência. É improvável que o ritmo acelerado do início do ano se mantenha nos meses seguintes, em razão da sazonalidade do setor e da concentração de viagens durante o período de férias. E mais que isso, é fundamental que sejam realizadas pesquisas bem estruturadas para qualificar os diferentes motivos das viagens entre os grupos com aumento significativo, para aferir a aderência das viagens às ações estruturadas.

Para consolidar o Brasil como um destino competitivo no cenário internacional, é imprescindível o fortalecimento de políticas públicas de longo prazo voltadas à melhoria da infraestrutura de transporte, à segurança pública, à preservação ambiental e à criação de um ambiente regulatório mais favorável aos investimentos no setor. A experiência do turista deve ser aprimorada continuamente, de forma a torná-lo um promotor espontâneo do destino brasileiro. O turismo doméstico continuará a exercer papel central, mas o Brasil tem plenas condições de atrair um volume crescente e permanente de visitantes estrangeiros, desde que estruturado para tal.

*Mariana Aldrigui é Professora e Pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP)

*Guilherme Dietze é economista e Presidente do Conselho de Turismo da
FecomercioSP

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