Na madrugada de 1º de junho de 2009, o voo entre o Rio de Janeiro e Paris partiu sob a expectativa de um trajeto rotineiro — mas nem mesmo a imensidão do Atlântico seria capaz de ocultar o destino trágico que esperava os 228 passageiros a bordo. Hoje, mais de dezesseis anos depois, a corte francesa é chamada a revisitar aquela comoção, decidindo não apenas sobre responsabilidades técnicas, mas sobre memória, justiça e dor coletiva.
DA REDAÇÃO com agências
O histórico do voo AF447
Na noite de 31 de maio de 2009, um Airbus A330-200 decolou do aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro, com três pilotos a bordo. A bordo, entre tensão e rotina, o mais experiente da tripulação se retirou para descansar, enquanto o copiloto mais jovem enfrentava sozinho a travessia do Atlântico rumo a Paris. Poucas horas depois, o avião deixou de fazer contato com o centro de controle aéreo de Dakar — uma mensagem simples que jamais chegaria.
Pouco depois, soube-se que a aeronave havia caído no Oceano Atlântico, a centenas de quilômetros de Fernando de Noronha. As consequências foram devastadoras: 228 mortos — incluindo 58 brasileiros e 61 franceses — e a constatação de um dos episódios mais traumáticos da aviação comercial moderna.
Apesar de parte dos destroços terem emergido, as caixas‑pretas permaneceram no leito oceânico até maio de 2011. Somente então, com sua recuperação, a investigação pôde decifrar o que se passara naquela noite. Descobriu-se que, ao entrar numa tempestade, cristais de gelo obstruíram os tubos de pitot — instrumentos fundamentais para medir a velocidade do ar. Sem dados confiáveis, o piloto automático foi desligado.
Durante os minutos seguintes, embora o congelamento tenha durado pouco, foi o bastante para que o piloto que assumira o comando cometesse uma série de decisões equivocadas. Ele inclinou o nariz da aeronave, que subiu além da altitude segura. Resultado: perda de sustentação — o famoso “estol”. Seu colega na cabine, também copiloto, não percebeu o erro e nada pôde fazer para reverter o mergulho fatal. O comandante retornou, imediatamente antes da queda, mas já era tarde demais.
Em resposta à tragédia, o setor aéreo adotou medidas rigorosas: os pilotos passaram a receber treinamento intensivo para recuperação de estol em altitude elevada e os tubos de pitot de toda a frota foram substituídos por versões de nova geração.
Novo desfecho do caso voo AF447
Na última quarta-feira (26), o Ministério Público da França pediu a condenação da Airbus e da Air France no julgamento de apelação pelo acidente do voo AF447. As companhias são acusadas de homicídio culposo — e embora já tenham sido absolvidas em primeira instância, os procuradores‑gerais defendem que a suposta linha de defesa apresentada no tribunal de apelação de Paris é “indecente”. Para eles, o trágico episódio demanda uma sentença condenatória.
No primeiro julgamento, realizado em 17 de abril de 2023, Airbus e Air France foram absolvidas. Mesmo uma eventual condenação agora acarretaria, no máximo, uma multa simbólica: 225 mil euros — cerca de R$ 1,42 milhão.
Dados da tragédia e consequências técnicas
Data da queda: 1º de junho de 2009.
Total de vítimas: 228 pessoas — 58 brasileiros e 61 franceses.
Modelo da aeronave: Airbus A330‑200, voo AF447.
Local da queda: Oceano Atlântico, a algumas centenas de quilômetros de Fernando de Noronha.
Tempo até localização das caixas‑pretas: quase 2 anos (maio de 2011).
Causas do acidente: bloqueio dos tubos de pitot por gelo, desligamento do piloto automático, erro humano, perda de sustentação (estol).
Alterações após o acidente: treinamento de pilotos reforçado para recuperação de estol em altitude, substituição dos tubos de pitot em toda a frota.
Por que o pedido de condenação reacende a dor
Para o Ministério Público francês, a absolvição anterior não faz justiça ao tamanho da tragédia. A defesa das empresas foi classificada como “indecente”. O objetivo agora é que o processo reconheça formalmente a responsabilidade civil — um gesto simbólico, ainda que a penalidade financeira seja modesta. Trata-se de uma tentativa de dar voz às vítimas, renovar a memória e reforçar a importância da responsabilidade na aviação.




