Há alguns meses, participei de um grupo de discussão composto por estrategistas e profissionais de marketing político de altíssimo nível. Em meio a temas já familiares — como neuromarketing, construção de imagem e controle narrativo —, foi exibido um vídeo que imediatamente capturou minha atenção. Ele falava sobre a Janela de Overton.
Por mais que esse conceito já estivesse presente no meu radar teórico, foi a primeira vez que vi, naquele meio técnico e influente, alguém trazer essa ferramenta para o centro do debate. E mais do que isso: tratá-la não como uma curiosidade acadêmica, mas como parte integrante de estratégias reais, aplicadas, muitas vezes deliberadamente. Isso me causou um impacto imediato — não apenas pelo conteúdo em si, mas porque percebi o quanto se fala pouco sobre os mecanismos de persuasão que ultrapassam os limites éticos e caminham para o terreno da manipulação social. Esse momento foi o gatilho que me impeliu a escrever sobre o assunto, e que culminou na produção do meu novo livro.
A Janela de Overton é uma teoria que descreve como uma ideia que inicialmente soa absurda ou inaceitável pode, através de um processo gradual de exposição, debate e reformulação, tornar-se perfeitamente aceitável — até mesmo desejável — aos olhos da opinião pública. A estratégia é eficaz porque não confronta a sociedade diretamente, mas desloca, com precisão cirúrgica, o eixo do debate até que o “novo normal” seja assimilado sem resistência. O que ontem parecia inconcebível, hoje parece razoável; amanhã será defendido com fervor. E tudo isso acontece sob a ilusão de que escolhemos pensar dessa forma por conta própria.
No passado, essas transformações ocorriam de maneira mais lenta, quase orgânica, mediadas por instituições tradicionais como a imprensa, a educação e a cultura. Mas hoje, com a ascensão das redes sociais e da comunicação digital, essa engenharia da opinião tornou-se exponencialmente mais veloz e mais eficaz. Algoritmos organizam os fluxos de informação de forma a maximizar engajamento, não reflexão. O que nos chega não é o que precisamos saber, mas o que somos mais propensos a aceitar, curtir e compartilhar. A bolha se fecha, a dissonância cognitiva é neutralizada, e a manipulação se disfarça de consenso.
Não há neutralidade no que é mostrado ou ocultado. Vivemos dentro de ambientes digitais que reforçam crenças, filtram ideias divergentes e premiam posturas extremadas, tudo sob o rótulo sedutor da liberdade de expressão. Mas a liberdade sem consciência é terreno fértil para a servidão intelectual.
Não há neutralidade no que é mostrado ou ocultado. Vivemos dentro de ambientes digitais que reforçam crenças, filtram ideias divergentes e premiam posturas extremadas, tudo sob o rótulo sedutor da liberdade de expressão. Mas a liberdade sem consciência é terreno fértil para a servidão intelectual. As redes sociais, hoje, são usinas de modelagem comportamental. O que viraliza raramente é o que tem profundidade; é o que provoca, polariza ou emociona. A retórica vence a razão. O espetáculo substitui o argumento. A construção de identidade se sobrepõe à busca pela verdade.
Foi diante desse cenário que resolvi escrever A Delicada (ou não) Arte da Desconstrução Política. O livro é uma resposta — e um alerta. Nele, investigo as engrenagens por trás da transformação das ideias, a manipulação estratégica de símbolos, a linguagem como ferramenta de controle e a forma como causas legítimas podem ser instrumentalizadas para fins de poder. Mais do que denunciar, proponho um caminho para a lucidez. Porque acredito que quem compreende os instrumentos de manipulação deixa de ser vítima passiva do discurso dominante e passa a ser agente crítico do próprio tempo.
Meu objetivo não é fomentar teorias conspiratórias nem alimentar cinismo. Ao contrário: é convocar à vigilância. Porque a verdadeira liberdade exige mais do que direito de falar — exige a capacidade de pensar. E isso, em tempos de hiperinformação e distração constante, é um ato de resistência.
O livro será lançado em breve. Será mais do que uma obra: será um convite a reabrir os olhos e a repensar as estruturas que moldam, todos os dias, aquilo que chamamos de “nossa” opinião.
Marcelo Senise – Presidente do IRIA – Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial, Sócio Fundador da Social Play e CEO da CONECT I.A, Sociólogo e Marqueteiro, atua há 36 anos na área política e eleitoral, especialista em comportamento humano, e em informação e contrainformação, precursor do sistema de análise em sistemas emergentes e Inteligência Artificial. Twitter: @SeniseBSB / Instagram: @marcelosenise