Por Viramundo e Mundovirado
Sexta-feira 13 de outubro de 1972. Para uns o dia que a bruxa estava solta, mas para a maioria dos 45 passageiros daquele avião que ia de Montevidéu para Santiago, jovens jogadores de rúgbi de 18 a 22 anos, eles não estavam nem aí para aquele mau agouro. E nem podiam imaginar que apenas 16 deles retornariam para suas casas, e que seriam personagens de uma das mais belas histórias de sobrevivência do planeta.
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“Os Andes não devolvem o que eles tiram”, este ditado até então era a realidade para os que se acidentavam em suas montanhas abruptas, cobertas de gelo e neve abatidas por ventos que a noite se formavam como furacões com temperaturas de -40 °C. Agora isto estava se tornando verdadeiro para os 29 passageiros que resistiram aos três primeiros dias após o avião bimotor da Força Aérea Uruguaia se perder na Cordilheira e se chocar numa imensa rocha negra. Sua fuselagem se partiu em duas, e uma delas deslizou por uma encosta de neve por mais de 600 metros.
Roberto Canessa, 19, estudante de medicina, conta que logo após o acidente, ainda atordoado, pensou: “estou vivo, preciso ajudar meus companheiros. Este foi o pior dia de todos que lá passamos. Juntos com os que estavam em melhores condições, começamos a tratar dos feridos, juntar roupas quentes, separar e dividir a comida que encontrávamos, a maioria barras de chocolate e pacotes de bolacha, e enterrar os mortos”.
Começava ali para aqueles jovens, sem roupa adequada, sem alimentos, sem conhecimentos de montanhismo, e sem nunca mesmo terem visto a neve, a luta pela sobrevivência. Mas eles tinham algo de grande valor – a vontade de lutar até o fim, unidos, a amizade, a solidariedade e a coragem.
Se os primeiros 10 dias ainda foram de esperança por um resgaste que não chegava, então ao ouvirem no rádio que as buscas tinham sido suspensas, eles se uniram mais ainda no que podiam dividir, o calor humano.
A 3500 metros de altitude, os Andes não oferecem vida nenhuma, e começava para aqueles jovens algo que nunca tinham passado – a inanição.
E aí o que você faria?
“Comer os corpos de nossos amigos foi o que precisava ser feito para nos salvarmos”, as palavras de Canessa, ecoada por todos seus companheiros não soou despropositada nem mesmo para o Papa Paulo VI que mais tarde apoiaria a decisão tomada por aqueles jovens.
A determinação de viver dos 29 jovens ainda seria posta à prova mais vezes. Se não acreditavam em bruxas, também não acreditariam que um raio poderia cair duas vezes no mesmo lugar. Mas caiu. A região onde o avião parou no fim da encosta era uma verdadeira bomba-relógio. Com 250 mil avalanches a cada ano, os Andes agora castigavam com uma delas os sobreviventes, talvez para reafirmar sua máxima de não deixar ninguém sobreviver.
Dezoito dias depois do acidente, à noite, eles foram surpreendidos por um enorme estrondo e logo a seguir todo o avião e seu interior estavam preenchidos pela neve. Durante três dias aprisionados na fuselagem, lutaram como podiam para sobreviver e salvar seus amigos. Contudo os Andes engoliram mais 13 jovens.
Frente às adversidades sobrava companheirismo, humor para melhorar o ânimo daqueles que estavam perdendo as esperanças, improvisações e planos para escapar daquelas bandas. Mas, após 60 dias do acidente, confinados no gelo glacial dos Andes, e vendo a comida escassear, Canessa e Nando Parrado tomariam a única decisão capaz de salvar seus 14 amigos. Convictos de que a nova empreitada era impensável eles tentariam correr o risco com bom senso. Decidem então descer as montanhas e procurar abrigo no lado chileno da Cordilheira.
Assim, eles se prepararam para uma jornada de três dias, calculando que atrás daqueles picos existiria um planície verde pois já estavam no fim da primavera. O que a dupla não esperava é que ao final do terceiro dia, após escalarem um paredão de neve de mais de 800 metros de altura, a visão que tiveram era de um horizonte totalmente glacial. Nesse momento a salvação de todos flertava com o desastre total.
Mesmo com aquela visão, juntando forças, eles repetiam um mantra: vou continuar até não resistir mais. “A única razão de ir em frente é que você não podia voltar”, enfatizou Canessa*.
Durante mais sete dias, percorrendo um total de 60 quilômetros no campo de gelo, eles foram encontrados por um vaqueiro chileno. Na manhã seguinte, 72° dia depois do acidente, seus companheiros foram resgatados pela polícia chilena no alto da Cordilheira.
Termino a reportagem repetindo as palavras do piloto de helicóptero que foi resgatar os outros uruguaios no topo das montanhas. Sobrevoando a região por onde Canessa e Parrado, durante seis dias caminharam sem roupa adequada, sem alimentos, sem conhecimento e habilidade pelos campos de gelo, exclamou: “Fizeram o impensável e o impossível. Foi um milagre”.
*Entrevista concedida a Viramundo e Mundovirado em 20/10/2015 por Roberto Canessa