Acordando mais cedo – por Thomas Bruno Oliveira*

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Hoje é dia de acordar mais cedo! As tarefas do dia eram tudo por minha conta. Dia de ir buscar o pão na padaria de seu João Posse e o leite na Bodega de Zé do Fole, além de, quando chegar, recolher os ovos no galinheiro e também um molho de Capim Santo no fundo do quintal pra Mãmae fazer chá, pois três de meus irmãos não gostam de tomar café. Dá uma preguiça danada levantar ainda na sombra escura da madrugada. São quatro e quarenta e Papai me acorda com um beliscão no pé, gesto longe de ser carinhoso mas necessário por conta de não acordar os outros cinco irmãos. Cá pra nós, ás vezes dava vontade de dar um grito só pra acordar todo mundo, como se tivesse levado um susto, mas ele do jeito que era, ia pra pisa quem tivesse acordado e quem tivesse dormindo, o cinturão ia “comer no centro” e bem cedo. Melhor não cutucar onça com a vara curta.

Ainda hoje, depois de tantos anos, às vezes quando acordo, puxo o pé como se sentisse aquele beliscão… dá uma saudade tão grande que marejam lágrimas sofridas nesse velho rosto. Mas que doía, doía sim!

Na volta, além da fumaça do fogão a lenha, aquele cheiro de café puro, fresquinho e forte, povoava minhas narinas com um antídoto tão saboroso como o é, agora, buscar essa lembrança no labirinto de minhas memórias. A tinta branca dos anos, como diria o poeta, já tomou minha cabeça, ando meio surdo, mas o que queria eu já chegando perto dos 100?

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Chegava perto de minha mãe, fungava perto do fogão, me olhava com aquela doçura que só ela tinha, eu pedia a benção, ela cheirava minha cabeça, respondia “bençoe” e eu vinha sentar cá na ponta da mesa, no tamborete preferido de Papai, perto da porta do quarto dele, espiando o fogão espalhar levemente sua fumaça e o cheirinho do café. Enquanto isso, frestas de luz se desviavam das telhas e tudo ia clareando levemente, dando cores ao ambiente: o colorido das chitas cobria a bandeja de copos e a cortina que fazia divisa com a sala, as panelas ariadas surgiam como prata no tripé e iam ajudando a refletir as primeiras luzes do dia. As brasas do fogão ali, soberbas, sempre esperando uma abanada para exibir todo o seu rubor; o pão quentinho no saco de pano mais parecia uma montanha branca, daquelas do estrangeiro, que a gente só vê em revista.

As panelas ariadas surgiam como prata no tripé e iam ajudando a refletir as primeiras luzes do dia. As brasas do fogão ali, soberbas, sempre esperando uma abanada para exibir todo o seu rubor

Minha mãe mexia com colher de pau de longos cabos uma panela e outra, numa o café, na outra o chá de Capim Santo, na outra o xerém de milho; eu achava tudo aquilo tão bonito… coisas tão simples, mas que se completavam perfeitamente. Era quando meu pai saia do quarto abotoando uma camisa surrada que vivia pendurada no punho da rede; caminhando para a porta da cozinha, ia acendendo um cachimbo e, após dar a primeira baforada acompanhada de uma cuspida, levantava a cabeça, me olhava e dizia o de sempre de toda quinta-feira: “olhe, tomar logo café para varrer o terreiro e começar a pôr os colchões para fora, pra levar já um solzinho que hoje tem muita entrega”. Eu recebia a ordem no mesmo momento em que a cortina ainda balançava exalando o cheiro do quarto.

Meu Pai, Seu Severino, tinha uma colchoaria, fazia colchão de palha e, como éramos seis irmãos, um todo o dia fazia as primeiras tarefas para ele, abria o armazém e botava os colchões de entrega do dia para levar sol, ficavam mais bonitinhos, organizados e limpos. O restante de meus irmãos ficava dormindo até perto de seis, mas o trabalho deles no dia era mais pesado: costurar os tecidos de chita, escolher a palha, encher com a quantidade certa e depois costurar fechando; e ainda quando faltasse palha, ir mundo a fora buscar. Meu serviço desse dia é maneiro, é fazer entrega. Se tiver uns oito, ainda de manhã termino e posso jogar bola de tarde antes de ir para a escola. Toda vez chamo meu amigo Pedro de Titia, ele sempre levava comigo e o serviço (oxe!) ficava maneiro demais. Além do mais, na volta de alguma entrega, dava pra passar na frente da casa de Rosinha e quem sabe vê-la. Ah que felicidade, oh que saudade…

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Publicado originalmente no Jornal A União, de Campina Grande, em 10 de fevereiro de 2023.


*Thomas Bruno Oliveira é Historiador, Jornalista e Escritor. Mestre em História, Cronista do Jornal A União, Colunista da Revista de Turismo; integra vários Institutos Históricos, a Academia de Letras de Campina Grande.

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