segunda-feira, janeiro 20, 2025
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Antonietta Santolia, gerente geral da Travel Inn, fala sobre assédio moral e sexual na hotelaria

A pauta é “assédio sexual na hotelaria”. A importunação sexual e o assédio moral são práticas que violam a dignidade e os direitos fundamentais dos indivíduos, e sua ocorrência em ambientes como hotéis é inaceitável. Embora não haja dados específicos sobre incidentes em hotéis, o aumento geral dessas denúncias no Brasil é alarmante.

Em 2024, o país registrou 35.530 casos de importunação sexual, representando um aumento de 32% em relação ao ano anterior. No mesmo período, os casos de assédio sexual totalizaram 6.114, um crescimento de 49,7%. (Veja Anuário de Violência Pública)

Esses números refletem uma conscientização crescente das vítimas, que estão mais dispostas a denunciar tais crimes.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) também observou um aumento significativo nas denúncias de assédio moral e sexual. De janeiro a julho de 2024, foram registradas 8.458 denúncias, quase igualando o total de 2023. Especificamente, as denúncias de assédio sexual mais que dobraram, passando de 393 para 831 no mesmo período comparativo.

Para combater essas práticas, é fundamental que os estabelecimentos hoteleiros adotem políticas rigorosas de prevenção e enfrentamento ao assédio. A implementação de canais confidenciais de denúncia, treinamentos periódicos para funcionários e a promoção de um ambiente seguro e respeitoso são medidas essenciais.

A responsabilidade de erradicar a importunação sexual e o assédio moral é coletiva. Empresas, funcionários e sociedade devem atuar conjuntamente para garantir ambientes livres de qualquer forma de violência ou constrangimento, assegurando respeito e dignidade a todos.
assédio sexual na hotelaria
Anuário Brasileiro de Segurança Pública (reprodução)

ENTREVISTA

Para explorar essa questão sensível, entrevistamos Antonietta Santolia, gerente geral da rede hoteleira Travel Inn. Especialista na pauta, ela compartilhou suas percepções sobre a prevalência da violência contra a mulher no setor, os principais desafios enfrentados pelas vítimas, e as medidas essenciais para construir ambientes mais seguros e acolhedores.

Em suas respostas, Antonietta destaca como formas de violência como assédio sexual, discriminação e violência psicológica, muitas vezes ignoradas, são mais comuns do que se imagina e frequentemente negligenciadas pelas organizações, que priorizam a proteção da imagem corporativa em detrimento do bem-estar de suas colaboradoras.

A cultura organizacional e a falta de apoio institucional são fatores críticos que dificultam as denúncias e perpetuam comportamentos tóxicos no setor. Acompanhe a conversa.

DIÁRIO – Qual a prevalência da violência contra a mulher no setor hoteleiro e turístico?

Podemos considerar alguns fatores na questão violência contra a mulher: no setor de trabalho, considerando as funcionárias de diversos setores, como camareiras, recepcionistas, e até mesmo mulheres em cargos de Gerência, Diretoria etc.  As camareiras e recepcionistas muitas vezes enfrentam assédio sexual, discriminação, e outras formas de violência. Esse tipo de violência, pode ser cometida por colegas de trabalho, superiores ou clientes.

Não podemos esquecer que as mulheres sofrem violência enquanto turistas também. Mulheres que viajam sozinhas, por exemplo, já são taxadas de muitas formas (solteironas, ou que estão à procura de aventuras sexuais). Claro que depende também do destino, mas eu diria que a maioria sofre, de certa forma, algum tipo de assédio ou discriminação. Às vezes por outros turistas, às vezes pelos próprios funcionários locais.

DIÁRIO –  Quais as formas mais comuns de violência nesse segmento?

Como mencionei na resposta acima, as formas mais comuns são: assédio sexual, discriminação, violência psicológica. Muitas vezes até a física, praticada por maridos, namorados ou acompanhantes, mesmo entre os colegas de trabalho, onde as mulheres são colocadas num patamar inferior.

Foto: Freepik
Discriminação e assédio sexual estão entre os tipos de violência mais comuns dentro do turismo (Foto: Freepik)
DIÁRIO – Quais os fatores que contribuem para a ocorrência de violência contra a mulher nesse setor, e como a cultura organizacional pode influenciar nessa dinâmica? (como no caso de uma cultura organizacional tóxica, por exemplo).

Diversos fatores contribuem para a violência. As mulheres na hotelaria estão expostas, talvez mais que outras mulheres, a diversas culturas, pessoas de diferentes lugares do mundo, e diferentes estruturas familiares, empresariais, etc.. Às vezes, o que chamamos de assedio aqui no Brasil, em outros lugares do mundo seja natural. Cabe às organizações hoteleiras, prepararem as equipes a lidarem com situações de assédio, discriminação e outras violências.

Não normalizar o comportamento abusivo: As organizações hoteleiras têm um papel importantíssimo no sentido de treinar, e de mostrar ao colaborador o que é ter um ambiente respeitoso e seguro para as mulheres. Lançar campanhas, palestras, e outras formas de conscientização.

Não banalizarem o tema, onde a vítima se sente culpada: Organizações com uma cultura organizacional tóxica ou permissiva em relação à violência de gênero podem criar um ciclo de impunidade, onde o assédio e a violência são banalizados e as vítimas não encontram apoio ou segurança para se protegerem e denunciarem os abusos.

(Foto: Freepik)
As vítimas se sentem desestimuladas a denunciar na maioria das vezes (Foto: Freepik)
DIÁRIO – Quais as principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres vítimas para denunciar e buscar ajuda?

No ambiente hoteleiro, seria a própria organização não dar a devida importância ao tema. As organizações defendem os clientes, em detrimento de suas colaboradoras. Os superiores e colegas de trabalho devem respeitar os limites, e não tolerar atitudes de assédio. Muitas vezes as vítimas se sentem desestimuladas a denunciar, justamente por não haver um ambiente saudável de trabalho.

DIÁRIO – Quais as medidas preventivas e de combate que podem ser implementadas no setor hoteleiro e turístico, tanto por parte das empresas quanto por órgãos reguladores?

Pelas organizações hoteleiras: verificarem sua cultura. Exercerem campanhas disruptivas de pensamento machistas. Tomada de consciência se de fato se preocupam com a população feminina que prestam serviços à suas empresas. Treinamentos internos a TODOS os colaboradores sobre o tema.

Pelos órgãos reguladores: implementarem campanhas e estimularem as vítimas a denunciarem, sem vergonha e sem medo de retaliação. Mostrarem que é um direito da mulher. Além de manterem profissionais capacitados (nas delegacias) para receberem e atenderem estas mulheres vítimas de violência. Fazerem com que se sintam verdadeiramente amparadas.

DIÁRIO – Há leis e políticas públicas que respaldam totalmente as profissionais lesadas? Como está a questão da legislação nesse contexto?

A lei existe: a Lei Maria da Penha. Porém, muitas mulheres não recorrem à lei por medo de se exporem, medo de retaliação, de perderem seus empregos, pois muitas organizações priorizam os clientes.

Para as que chegam a fazer a denúncia, muitas vezes são desacreditadas pelas próprias autoridades que as atendem. Muito difícil e humilhante, infelizmente.

A lei existe: a Lei Maria da Penha. Porém, muitas mulheres não recorrem à lei, por medo de se exporem, medo de retaliação, medo de perderem seus empregos, pois muitas organizações priorizam os clientes (pixabay – divulgação)
DIÁRIO – Como a formação e a conscientização de profissionais do setor hoteleiro e turístico podem contribuir para a prevenção e o combate à violência contra a mulher?

Campanhas internas, palestras sobre o tema. Deve partir das organizações o desenvolvimento de empatia e respeito às diferenças, treinamentos de prevenção e identificação dos sinais de violência, estipular protocolos de atendimento, educação contínua de um comportamento adequado, estipular um departamento ou um lugar seguro para qualquer denúncia, respeito mútuo e igualdade de gênero.

DIÁRIO –  Nesse viés, pode nos contar como está sendo a ação realizada por você e sua equipe? Como são as palestras, onde acontecem, quais as demandas principais e de que modo enxerga os resultados?

Desde que assumi a Gerência Geral do empreendimento, venho conversando, principalmente com as camareiras sobre o assunto. Para que elas reportem a mim qualquer situação nas quais se sintam desconfortáveis. Que vejam em mim uma aliada que as defenderá.

Quando recebi o convite de Otávio Novo sobre introduzir uma palestra sobre o tema, me senti motivada a dividir, não somente com as mulheres, mas com toda a equipe.

Realizamos a palestra em nossa sala de reunião, onde recebi a equipe com um café da tarde. O tema foi exposto, e mais que as mulheres, os homens da equipe foram tocados pelo tema. Não imaginavam tanto sofrimento e angústias que as mulheres passam, pelo simples fato de serem mulheres. Não imaginavam que, às vezes, uma simples “brincadeira” pode afetar profundamente a vida de uma mulher.

DIÁRIO – Em seu trabalho social, você sente que a preocupação em relação a esse tema está crescente? E também para além da pauta ‘violência’, a questão do machismo no turismo e hotelaria tem sido melhor atendida (mais mulheres em cargos de poder, mais contratações de mulheres, salários equiparados, etc.)?

A preocupação sobre o tema está crescente, mas longe, muito longe do ideal.
Além da violência propriamente dita (assédio moral, sexual, físico e psicológico), existe SIM a questão do machismo nas organizações.  Muitas empresas levantam bandeiras sobre o tema, mas mantém nos cargos de CEO, os homens. Abra os jornais do setor de turismo, por exemplo e veja as fotos…(risos)

Antonietta Santolia: como líder, é referência em gestão eficiente, resiliência e transformação de desafios em oportunidades

QUEM É ANTONIETTA SANTOLIA?

Antonietta Santolia é uma executiva com 27 anos de sólida experiência na indústria da hospitalidade, no Brasil e no exterior.

Atualmente ocupando o cargo de Gerente Geral da rede Travel Inn, Antonietta construiu sua carreira predominantemente na Accor Hotels, onde atuou em diversas posições ao longo de três períodos distintos, iniciando como estagiária e consolidando-se, nos últimos 15 anos, como Gerente Geral de hotéis.

Como líder, é referência em gestão eficiente, resiliência e transformação de desafios em oportunidades, contribuindo significativamente para o fortalecimento da cultura organizacional e o sucesso operacional das empresas em que atua.

*Entrevista realizada pela jornalista Clara Silva, com edição de Paulo Atzingen.

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