Há muito se fala das fazendas nos arredores do açude de José Rodrigues, no distrito de Galante, zona rural de Campina Grande-PB. Aquelas cercanias têm se mostrado atração turística de primeira grandeza, sobretudo no turismo rural e de experiência, com direito a passeio a cavalo e a vivência típica de propriedades do interior.
por Thomas Bruno
Por ali já pude degustar uma boa galinha de capoeira na Fazenda Santana e dei uma passadinha com um amigo na Casa de Chico; me faltava ainda conhecer a Casa de Cumpade na Fazenda Olho d’Água. Como para tudo tem seu dia, fui com familiares e amigos aos festejos juninos de lá, o Arraiá de Cumpade João (Barreto), figura extremamente simpática e folclórica (também é chef premiado, embaixador da gastronomia regional) que promove essa festança há nove anos.
Manhã de São Pedro e Campina parecia não querer acordar. A cerração cobria a cidade com seu véu, desfigurando suas cores. Desde o início do inverno que não tarda e a neblina toma conta dos dias, dando aquele ar serrano e típico de uma cidade que há muito estava envolta da quentura semiárida. Mesmo sendo seu dia, perto do meio dia, São Pedro resolve dar uma trégua; a névoa vai se desfazendo, momento que nos encoraja a seguir para o nosso destino.
O caminho em direção a Galante é preciosamente belo. A partir do contorno da avenida Brasília, descemos para a boca do Agreste, um mundo verde se descortina, paisagem serrana formada à direita pela majestosa Serra de Bodopitá e à esquerda por serrotes que se alternam no tabuleiro como um tapete ondulado onde a vegetação é pontualmente interrompida por intrigantes formações rochosas, contraste de encher os olhos… Devagar, parecíamos flutuar na rodovia, aquele consistente e acolhedor cheiro de terra molhada, debaixo de um céu nebuloso e um vento gélido, despertava aquela doce preguiça dos dias de chuva e, finalmente, chegamos à Galante. Na zona urbana, toques de sanfona ainda tímidos demonstravam que os festejos do distrito estavam iniciando. Vans e ônibus de turistas iam chegando aos poucos. Tomamos a direita, seguimos a linha férrea. O bucólico distrito vai se acabando e rumamos por uma estrada de terra depois do Parque de Vaquejada Lira. A relva na beirinha da estrada exibia ainda algumas flores jitirana e xanana, uma rosa, a outra branca, atraindo borboletas e passarinhos, enfeitando o caminho. Um carcará em sentinela numa placa de boas-vindas nos saudava, chegamos.
Forró comia no centro
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A entrada é formada por ramagens constituindo um portal e um túnel natural que nos transporta ao passado, o forró ao vivo já “comia no centro”. Somos direcionados ao pátio, onde há um palco que de tão baixo cria intimidade entre músicos e espectadores, ao redor algumas áreas temáticas nos estimulam a lembrar antigos forrós e quermesses, tradicionalíssimas no interior nordestino. Fui à Praça do Enche-Bucho, também vi a Birosca da cachaça Matuta, onde serviam uma caipirinha deliciosa e bem original; a Bodega de Cumpade e a Casa do Seleiro com venda de lembranças e artigos em couro e o ‘Espaço Fique Mimosa’, lugar para maquiagens e penteados personalizados, garotas faziam filas. Tudo muito enfeitado e carinhosamente bem organizado.
Casa da Rezadeira
Escolhi assistir aos shows defronte a uma tapera rosa de porta e janela aberta, no interior um oratório e umas pessoas a esperar. No frontispício uma placa anunciava: Casa da Rezadeira. Fiquei curioso… cheguei perto e vi uma senhora serena a escolher galhos e rezar quem ali chegasse. A tarde foi embalada pelo som da banda Brasas do Forró e da dupla Sirano & Sirino, atrações que primam pelo forró/vaneirão/vaquejada tocando também baião e xote, sempre com um pé na tradição, diferente de bandas atuais. Cumpade João no palco, além de cantar, dá um grito de resistência em valorização de nossas raízes e de nossa cultura, e isso ele consegue fazer muito bem já a partir da escolha das atrações.
Lá pelas tantas, a rezadeira estava na porta, sozinha. Cheguei perto e perguntei sua graça: – Laurinha meu filho. Beijei sua mão e disse: – Deus a abençoe, já rezou tanta gente. Ela virou minha mão, olhou as linhas, passou os dedos grossos, calejados e disse: – Mal nenhum te pega, você é protegido! Misticamente sorriu, entrou na casinha como a se despedir e eu voltei para o forró. À boca da noite a festança acabou e deixou o gostinho de quero mais. Me impressionou a organização e o zêlo de Cumpade João que de maneira singela e cuidadosa faz a alegria, arraiga a tradição e gera emprego, ótimo atrativo turístico, minha amiga jornalista Teresa Duarte tinha razão…
Mas a Casa de Cumpade não funciona só no período junino, o ano inteiro está de portas abertas proporcionando café da manhã, almoço e de repente até um jantar-luau ele é capaz de fazer ao redor de uma fogueira. É preparar a bagagem e conhecer esse lugar singular onde se vive uma experiência incrível.
*Thomas Bruno é cronista, jornalista, professor e poeta