Artigo: “Big Brother is watching you”

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Fernando Stacchini, Carla Guttilla e Paola Lorenzetti*

Como George Orwell bem dizia no livro 1984: “Big Brother is watching you” (O grande irmão está observando você, em tradução literal). Na sociedade descrita no livro, todas as pessoas estão sob constante vigilância das autoridades, principalmente por vídeo, sendo constantemente lembrados da propaganda do Estado: “Big Brother is watching you” ou “Down with Big Brother”. De forma análoga, na sociedade atual também estamos constantemente sendo vigiados.

O Estado brasileiro vem implementando tecnologias para garantir a proteção dos cidadãos e a eficiência da justiça. O problema é que o meio usado pode acabar por violar a privacidade dessas pessoas, que são constantemente vigiadas, sem que consintam para tanto ou sequer tenham conhecimento disso. Desde 2016, a Receita Federal começou a implantar em 14 aeroportos um sistema que analisa os rostos de quem desembarca de voos internacionais. A medida, em princípio, faz sentido se pensada apenas para facilitar o trabalho de identificar pessoas entrando irregularmente no país. Mas e aquelas pessoas que são regulares e desejam manter sua privacidade? Por que elas têm que se submeter a um sistema de reconhecimento facial que é capaz de identificar sua profissão, informações de renda, natureza da viagem declarada, frequência de viagens e países visitados? Será que a lei permite isso?

O carnaval de 2019 também foi observado. Para o evento foram instaladas em várias cidades câmeras equipadas com reconhecimento facial que tornam possível que as autoridades monitorem locais públicos e identifiquem quem passa na frente da lente. Por um lado isso pode ser interessante e até fazer com quem os foliões se sintam mais seguros, dado que eventuais incidentes podem ser filmados e pessoas procuradas pelas autoridades podem ser achadas. Mas por outro lado a violação à privacidade e à proteção de dados dos cidadãos é nítida. Não é certo que todos que passem por um determinado local tenham seu rosto reconhecido através do sistema de reconhecimento facial.

De fato o sistema em questão é controvertido. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não é aplicada ao tratamento de dados realizado para fins exclusivos de segurança pública e para atividades de investigação e repressão de infrações penais. No entanto, quem garante que esses dados serão usados apenas para esses fins? Além disso, vale lembrar que o tratamento de dados para fins de segurança pública nem sempre será feito exclusivamente pelo Poder Público. Empresas privadas, tal como a japonesa NEC, usualmente fornecem a tecnologia que é usada pelas autoridades. Assim, qual a garantia que essas empresas também não tenham os dados armazenados em seu sistema?

Muito embora louvável, essa medida do estado para garantir a segurança pública e otimizar as atividades de investigação criminal, não pode ser feita de forma a violar a garantia constitucional à privacidade. A Carta Magna brasileira dispõe no artigo 5º, X, que a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas são direitos invioláveis. Portanto, sob pena de vivermos nessa sociedade descrita por Orwell, a forma como o estado faz uso desse sistema de reconhecimento facial deveria ser reestruturada.

 *Fernando Stacchini, Carla Guttilla e Paola Lorenzetti são, respectivamente, sócio e advogadas do Motta Fernandes Advogados – www.mottafernandes.com.br

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