Por Paulo Atzingen*
Duas autoridades do vinho e da vinicultura sulamericana se encontraram na noite da última quarta-feira (12) para um live, que à rigor, seria um encontro entre amigos. Adolfo Lona, reconhecido vinicultor e enólogo argentino e Werner Schumacher, economista e precursor da vitivinicultura brasileira.
A live foi além das afabilidades e respeito que os dois têm um pelo outro desde a década de 80, quando se conheceram em Bento Gonçalves (RS).
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Sem as superficialidades das toneladas de encontros digitais que promovem por aí e que estorvam nosso tempo e não levam a nada, as duas personalidades por suas vivências e entendimento do assunto coroaram os cerca de 70 participantes não apenas com informação sobre o Império (ou a República, como queiram) da Vinicultura, mas falaram da história do Vale dos Vinhedos, da criação da Aprovale (Associação dos Produtores de Vinho do Vale dos Vinhedos) e mostraram como as amizades se fortalecem e melhoram com o tempo, como a fermentação de um bom vinho, com o perdão do clichê.
“Todos sabemos que (quem faz) a nossa viticultura está envelhecida, principalmente na situação rural. Encontrar um jovem que se interesse por produzir vinho na comunidade é raro”, disse Schumacher ao se referir a um projeto proposto por Lona em envolver a comunidade do Vale dos Vinhedos para uma associação de produtores com uma visão menos industrial.
“As lideranças estão de olho em caminhos mais rápidos, não olham para a frente”, disse Werner, não descartando a ideia proposta por Adolfo, apenas ponderando.
O conhecido êxodo rural comum com o crescimento das cidades e as metamorfoses de ofertas de trabalho foi um ponto apresentado pelo alemão, mas com grande leveza. “O produtor está com um grande problema de mão de obra. As moças não querem saber de morar na colônia, querem casar e morar na cidade. Um problema o êxodo rural”, disse.
Werner também falou do heroísmo dos pequenos produtores de vinho que cultivam suas vinhas em grandes declives, discorreu sobre exemplos do exterior com as mesmas condições dadas pela natureza, mas com um diferencial mais que competitivo, existencial: “Lá fora dão uma condição melhor para o viticultor viver. Realmente é herói trabalhar aqui na região com condições tão adversas”, reconheceu.
Os professores debateram sobre economia de mercado, gargalos da distribuição do produto, problemas no licenciamento de empreendimentos modestos, como uma cantina rural e, em meio ao ótimo diálogo surgiu pela primeira vez a palavra “enoturismo”. “O Enoturismo é exemplo de trabalho comunitário, as comunidades devem ter orgulho desse segmento participando, pois é a nossa identidade”, disseram, os dois em uníssono.
De um encontro digital entre dois velhos amigos foi se criando uma ideia palpável:
“E se retomássemos o projeto de vinícolas familiares?”, levantou a bola Adolfo para Werner cabecear. “Sabemos que o pequeno produtor fica muito envolvido com o seu negócio. Ele não consegue chegar ao mercado por não ter conhecimento dessa parte. Podíamos nos unir, 10, 15 vinícolas e cada um fazer a sua parte”, propôs Lona.
O grande valor agregado do vinho são as vinícolas pequenas, disse Werner. E o Vale dos Vinhedos foi exitoso nesse quesito”, completou Lona. E emendou: “Criaremos uma marca coletiva. Temos experiência para transformar isso em alguma coisa viável”, ponderou.
Diálogo uníssono
E de ponderação em ponderação os dois concluíram que a ideia é excepcional mas é preciso a participação de pessoas. “Temos exemplos que deram certo na França, em Portugal. Criaríamos aqui uma economia autêntica, surgiriam novas pousadas, atrairíamos novos turistas com o perfil menos consumista mas que valorizem o lugar, o habitat, a cultura”…
– Isso”, completou Lona. “E surgem mais produtores de vinho colonial”, disse Werner.
“Cria-se mais valor à nossa Denominação de Origem,” escreveu um participante da Live.
‘- Exato”, respondeu outro participante.
“ Se a gente esperar ninguém virá fazer”, concordou Werner.
Como um caleidoscópio de ideias, mais para exequíveis do que para sonhadoras, os professores-empreendedores da vitivinicultura ainda lembraram de que tudo isso fortalecerá politicamente os vinicultores locais;
“Chegaremos a Brasília não por nosso volume de negócios, mas por nossa importância sociocultural”, profetizou Lona. E emendou:
“Uma entidade que represente o próprio produtor, sem interferência. Eu gostaria muito de poder contar contigo (Werner), já que você é testemunha de tudo o que já aconteceu aí no Vale dos Vinhedos”, disse Lona, misturando humildade ao fazer o convite, consideração e amizade.
“Seria uma forma de mostrar força, de defender os interesses dessa gente toda e manter vivo isso aqui, essa tradição, essa cultura que está aqui”, respondeu (que sim) Werner.
As pessoas que participavam da live vibravam com o que assistiam.
E às 22h27 minutos da última quarta-feira (12) de agosto de 2020, no epicentro do Vale dos Vinhedos, entre Monte Belo, Garibaldi e Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, Adolfo Lona e Werner Schumacher abraçaram a causa das vinícolas familiares, dos produtores de vinho colonial, convidando todos que se sensibilizam com o projeto a participarem. Por último, ofereceram aos presentes online, cerca de 70 participantes e a mim, a fórmula secreta da amizade que perdura através do tempo.
*Paulo Atzingen é jornalista