Jerome Cadier, CEO da Latam Airlines Brasil, adota um estilo de comunicação que ele próprio define como “direto e pragmático”. É algo raro no segmento de Viagens e Turismo, onde prevalece a ambiguidade nos posicionamentos dos dirigentes em relação a questões sensíveis. É com esta mesma franqueza que ele responde nossas perguntas. Confira.

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1 – A partir de sua gestão, observa-se uma mudança radical na comunicação da Presidência LATAM no Brasil. O comportamento de antes, típico de subsidiária brasileira mais focado em vendas e marketing, e que se furtava a um claro posicionamento da empresa, foi substituído por maior grau de transparência, crítica e honestidade nas respostas, mesmo em relação a temas controversos. O que mudou? Foi o seu estilo pessoal ou uma descentralização do modelo de gestão, até então bem concentrado na matriz chilena?

JC – Provavelmente uma mistura das duas coisas. As operações da Latam em cada país fazem parte de um grupo, mas têm sua autonomia e sua realidade particular. Por isto, na medida em que o grupo amadurece, também busca dar mais autonomia a cada operação. Além disto, eu sempre tive um estilo mais direto e pragmático de me comunicar porque acredito que isto ajuda a todos estarem mais engajados

MARIONETES? – Há diferença entre líderes que só replicam chavões corporativos e os que elaboram e executam suas ideias.

Legado TAM 

2 – A antiga TAM dos tempos do Comandante Rolim, hoje incorporada à LATAM, deixou órfãos saudosos do tratamento diferenciado e bem adaptado ao gosto do brasileiro. Isto se perdeu ou ficou algum legado da TAM? Quais são os valores, credos, e paradigmas sobreviventes da velha TAM, e quais os novos da LATAM como corporação multinacional?

JC – O Comandante construiu uma empresa brilhante e deixou um legado impressionante sobre serviços que transcende a aviação. Mas a verdade é que o setor mudou muito desde a década de 90.

Antes da pandemia, viajavam por ano quase 10 vezes mais passageiros que duas décadas atrás e voar se transformou em uma coisa mais natural e corriqueira, a preços muito mais acessíveis.

Esta democratização da aviação veio junto com uma percepção de perda de exclusividade no serviço e atendimento. Mesmo assim, por mais difícil que seja, a equipe da Latam manteve o cuidado no atendimento a bordo, justamente porque tem uma formação que veio da época do Rolim.

A isto, a Latam adicionou um foco incansável com a pontualidade que nos levou a sermos a empresa mais pontual do mundo em 2018 e 2019.

Sabemos que ainda temos muitas oportunidades para melhorar, mas a qualidade da equipe é o nosso diferencial, desde a época do Comandante.

HERANÇA – Segundo a LATAM as lições do Comandante Rolim, fundador da TAM, não foram esquecidas
IMPACTO DO “ONLINE” 

3 – Se a atual pandemia reduziu drasticamente o transporte de passageiros, por outro lado alavancou tremendamente as compras online. De que maneira isto afetou e deve modificar a relação passageiros-carga da empresa e utilização das aeronaves? Trata-se de tendência ou nova oportunidade de negócios, e como esta mudança pode alterar a operação da LATAM?

JC – A compra online de passagens já era bastante alta antes da pandemia e esta tendência deve-se manter. O que sim os novos protocolos nos trouxeram foi um foco na digitalização da experiência nos aeroportos, além de uma redução, espero que temporária, no serviço a bordo para minimizar a possibilidade de transmissão do vírus.

Na carga, houve sim uma mudança no perfil, mas que imaginamos que deve retornar quando a situação se normalizar. Sendo assim, o grande legado do cliente será mesmo no maior uso dos meios digitais para viver a experiência de voo, não tanto na compra. É nisto que estamos investindo por exemplo com o recém lançado atendimento remoto, onde nossos agentes estão interagindo nos aeroportos através de telas, ao invés de presencialmente.

A participação de carga aumentou durante a crise, mas isto aconteceu porque caiu a proporção de passageiros, não porque existe carga significativamente maior do que antes da crise.

Este aumento ajuda a Latam a navegar esta crise, mas imaginamos que voltaremos a uma participação pré-crise entre passageiro e carga nos próximos 3 anos na medida em que os passageiros voltem a voar.

As oportunidades que existiam em carga continuam existindo: a melhoria da infraestrutura dos aeroportos e simplificação e velocidade nos processos de desembaraço. O governo está trabalhando nestas frentes e esperamos que isto ajude a desenvolver ainda mais o mercado de carga a longo prazo.

CONCORRÊNCIA

4 – As três principais empresas aéreas que operam no Brasil parecem seguir caminhos operacionais, prioridades e diretrizes distintas, seja tamanho e tipo de aeronaves, objetivos dos seus clubes de milhagem, operação em aeroportos primários ou secundários, metas de regionalização, mercados, diversificação de usuários etc. Como a LATAM se diferencia das concorrentes?

JC – É fato que as empresas seguem estratégias diferentes. Isto aumenta a chance de diferentes passageiros encontrarem a solução que procuram, além de dar as empresas a sustentabilidade que precisam.

No nosso caso, a Latam é uma empresa que conecta os principais destinos do Brasil com a América Latina e o mundo e traz os viajantes do mundo para a nossa região.

O que acreditamos é que nossos clientes buscam um serviço de qualidade, um bom atendimento e uma empresa que vai levá-los aos seus destinos pontualmente e a um preço competitivo. Além disto, oferecemos o melhor programa de fidelidade das empresas aéreas brasileiras com possibilidade de acúmulo e resgate em qualquer destino.

SEQUELAS DA PANDEMIA
FUGA GERAL – De todos os passageiros que deixaram de voar, o pior impacto foi do público corporativo

5 – Inúmeras medidas sanitárias foram adotadas na operação aérea durante a pandemia. Outras, como o uso intensivo de lives, reuniões virtuais e home office, caíram no gosto das empresas e pelo visto vieram para ficar. Isto sem dúvida vai deixar sequelas e cicatrizes na indústria aérea. Na sua visão, terminada a crise de saúde, que novos processos devem se incorporar de vez, e como isto vai afetar o modelo de negócios, tamanho e configuração de aeronaves, demandas (principalmente do público corporativo), custos e preços das passagens e a própria estratégia e operação da LATAM?      

JC – Ainda temos muito a aprender sobre este vírus, como ele se propaga, como tratá-lo e preveni-lo. Por isto, algumas medidas que implementamos como indústria aérea podem ser definitivas enquanto outras podem ser revistas na medida em que conhecemos mais sobre o vírus.

A digitalização da experiência de voo é uma tendência que veio para ficar. Os protocolos de serviço a bordo provavelmente mudarão na medida em que exista confiança na proteção oferecida atualmente ou uma vacina efetiva.

As tecnologias alternativas para reuniões já existiam antes e ganharam muito em utilização durante a crise. Parte disto pode se manter a longo prazo, mas estamos seguros de que as viagens vão voltar.

Não sabemos quanto tempo vai levar até as fronteiras se reabrirem totalmente e os eventos corporativos voltarem a ser agendados, mas é inegável que estas tecnologias não substituem totalmente a presença física.


*Fabio Steinberg edita o site www.Turismosemcensura.com.br.