Bar do Museu resgata a memória da inovação musical de jovens da década de 60 e 70
Por Tarcia Oreste (com reportagem de Paulo Atzingen)
“Noite chegou outra vez, de novo na esquina os homens estão…”. Assim é o pequeno trecho da famosa canção “Clube da Esquina”, marco na história da música brasileira pelo refinamento de seus arranjos, e que hoje dá nome ao bar quase museu de Belo Horizonte, cuja proposta é resgatar a memória do movimento homônimo dos jovens músicos que se encontravam no centro, nas esquinas, nos prédios e nas ruas do bairro de Santa Tereza, na capital mineira.
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Milton Nascimento e os irmãos Márcio e Lô Borges foram protagonistas dessa história. Na década de 60, ainda iniciantes, os jovens se reuniam para criar, compor e fazer música, sempre apoiados na profundidade de uma grande amizade que nascia.
Virgínia Câmara, produtora cultural do Bar do Museu Clube da Esquina, em entrevista ao DIÁRIO DO TURISMO, contou detalhes da criação do bar museu que reaviva o movimento iniciado naquele período. “A gente já tem história de grandes emoções aqui, grandes pessoas que vieram e pisaram no nosso palco”, comentou a produtora.
O Bar do Museu Clube da Esquina, criado há seis anos, tem se firmado na cena cultural mineira como um espaço que reúne a melhor música dos maiores artistas da cidade. Os irmãos Lô, Telo e Marilton Borges, Beto Guedes, Flávio Venturini, artistas da banda de Milton Nascimento, Bárbara Barcellos, e os filhos dessa geração de músicos, como Rodrigo Borges, Ian e Gabriel Guedes já subiram aos palcos do local, um ponto de referência que não pode deixar de ser visitado por quem deseja consumir o melhor da cultura belorizontina.
O som da amizade
O “Clube da Esquina” nasceu nos seios da cidade de Belo Horizonte. Um encontro muito engraçado, num prédio, no centro da cidade, foi como tudo começou na década de 60. A família Borges tinha saído da Rua Divinópolis, em Santa Tereza, e se mudado para o Edifício Levy, na Avenida Amazonas. Eram 11 filhos no total, morando no 17º andar do edifício instalado na região central. Um dia, Marilton Borges, junto com seu irmão Lô, este, à época, com apenas 10 anos de idade, ouviram uma voz maravilhosa que aproveitava a acústica do edifício, enquanto desciam as escadas do prédio para ir comprar pão.
Os sonhos não envelhecem
Essa voz era de Milton Nascimento, que estava hospedado numa pensão, no 4º andar, e tinha acabado de se mudar da cidade de Três Pontas. Os dois irmãos, maravilhados com a voz, o convidaram para ir até a sua casa, muito frequentada por músicos. Desse inusitado encontro surgiu uma grande amizade entre a família Borges e o “Bituca”, como era apelidado Milton Nascimento naquele tempo, e que passou a ser considerado como o 12º filho da família.
Como lembrou a produtora musical, o livro “Os Sonhos Não Envelhecem”, de Márcio Borges conta como cinco, dos 11 filhos da família Borges, se tornaram profissionais da música até dos dias de hoje. “Márcio Borges enveredou para o meio de escrever letras. É o grande compositor do Milton Nascimento. As primeiras três músicas que o Milton compôs foi com o Marcinho Borges”, explicou Virgínia Câmara.
Cinema, música e patinete
Milton Nascimento trabalhava como datilógrafo na Central de Furnas. Um dia, Márcio Borges convidou Milton para ir ao Cine Metrópoles, local que já não existe mais. Nesse dia, eles saíram encantados com o filme “Jules e Jim”. Inspirados, viraram a madrugada e compuseram suas três primeiras músicas. “Fizeram as três primeiras filhas… chamavam de filhas de tão boas que eram”, contou a produtora musical. “Eu sei que “Gira Girou” é uma delas”, completou.
Um pouco depois desse período, no quarteirão à frente do prédio, Lô brincava no centro da cidade, quando avistou um menino descendo de patinete. Era o Beto Guedes. “Quando foi ver, ficou amigo de Beto Guedes, que era outro músico, de Montes Claros, e que tinha vindo para a Capital também para ganhar a vida”, explicou Virgínia.
Um ambiente de “canjas”
Após três anos, depois das amizades que aconteceram nos prédios do centro de Belo Horizonte, a família Borges voltou para Santa Tereza. “O Lô vivia nessa esquina aqui, no chão mesmo, ele adorava brincar de patinete, jogar bola”, contou Câmara. Lô já tinha 14 anos de idade, e Márcio Borges já era estudante, chegava tarde em casa. Um dia, Lô saiu da esquina e foi para sua casa, onde tinha um piano, e compôs uma linda melodia. Neste mesmo dia, tinha acabado de acontecer o “Festival da Canção” e mais de 40 músicos estavam na casa dos Borges. “Era uma casa que os jovens todos vinham”, disse Virgínia. Lô, então, perguntou aos presentes se alguém gostaria de compor uma letra para a música.
Os meninos, com muita fome, queriam mesmo era comer a macarronada da Dona Maricota, a mãe dos Borges. Mas, a canção era tão bela, que os jovens se dividiram rapidamente para compor trechos da música, enquanto a comida não vinha. Naquele momento, a luz acabou. Como explicou a produtora musical, quando a macarronada foi servida, todos os estudantes já estavam cantando, “noite chegou outra vez…”, e à luz de velas, porque a energia ainda não tinha voltado. Assim surgiu a bela canção “Clube da Esquina”, que deu nome ao movimento.
O Bar, que hoje também leva o mesmo nome, antes era o “Bar do Godofredo”, do Gabriel Guedes, filho de Beto Guedes. Cláudia Brandão, mulher de Márcio Borges, há cerca de 17 anos tenta implantar o museu em memória ao movimento, mas que até hoje não conseguiu sair do papel. Assim, Virgínia Câmara, junto com outros profissionais, pediu ao Museu para encampar no bar a ideia de memória viva do movimento. “Existe o Bar do Museu, que praticamente já faz um papel muito bonito no resgate dessa memória”, afirmou Câmara.
Com um público característico de 40 anos para cima, muitos pais levam seus filhos ao local para contar como foi a sua adolescência. “Beto Guedes gosta de vir aqui no réveillon, ficar quietinho na mesa, e depois ele dá uma canja para gente”, comentou a produtora musical, que logo complementou, “o que é gostoso aqui é esse ambiente de canjas”.
Lives na pandemia
No Bar Museu Clube da Esquina toca um pouquinho de Bossa Nova, muito Clube da Esquina, às vezes Beatles, e às vezes samba, samba de época e rock de época. Com a pandemia, o local entrou forte nos projetos culturais, com a realização de mais de 30 lives.
No último mês, houve uma live com Márcio e Lô Borges, onde o Márcio conta a grande amizade entre o Lô e o Bituca, como eles se conheceram. O maior parceiro dele, do Márcio Borges, foi o Lô, seu irmão. É uma história de amor entre os dois irmãos, que pode ser acompanhada no canal do Bar Museu, no Youtube; O DT postou essa live aqui:
*O DIÁRIO integrou o presstrip #vemprabh projeto realizado pelo portal Turismo de Minas aprovado no edital de apoio a eventos turísticos da Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte – Belotur, com o patrocínio da Prefeitura de Belo Horizonte.