DIÁRIO entrevista Gabriela Ferreira Camargo, mestranda que defende camareiras em tese

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A repercussão do texto de Gabriela Ferreira Camargo “Tem vez que a gente não consegue nem andar”: o trabalho das camareiras de hotel em São Paulo”, publicado na semana passada no DIÁRIO foi imediato. Dezenas de profissionais – principalmente camareiras, algumas governantas, se manifestaram pelas redes sociais.

Gabriela é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Turismo na Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) e sua tese aponta as características negativas no trabalho dessas profissionais como também traça o panorama da hotelaria em São Paulo no ano de 2019. O DT a entrevistou, confira:

REDAÇÃO DO DIÁRIO*

(Entrevista publicada originalmente dia 19 de outubro de 2020)


DIÁRIO – Gabriela, quando e por que você tomou essa decisão de fazer sua dissertação de mestrado com a temática do trabalho das camareiras?

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Gabriela Ferreira Camargo – Eu me formei em Tecnologia em Gestão de Turismo pelo IFSP, e logo entrei no mercado de trabalho, na área de agenciamento de viagens. Desde aquela época, percebi como os empregos na área de turismo em geral são mal remunerados. Percebi, também, que a lógica das empresas da área não é muito saudável para seus trabalhadores e que isso não era particular de uma empresa específica, mas sim, do setor como um todo.

Com os incentivos necessários por parte do meu orientador, decidi estudar as relações de trabalho no turismo. Defendemos que, quando o autor da pesquisa está muito envolvido com o tema, os resultados se tornam tendenciosos, então optei por estudar o trabalho na hotelaria, que é um setor em que não possuo experiência de trabalho. Logo de cara, me deparei com o movimento das camareiras na Espanha, chamado Las Kellys, que lutam bravamente por seus direitos, e com o autor Ernest Cañada que fala sobre elas e foi uma grande inspiração.

DIÁRIO – Qual foi o campo de pesquisa? Hotéis de São Paulo, mas em que região? quais o perfil dos hotéis (luxo, econômico, executivo)?

Gabriela Ferreira Camargo – A princípio, buscou-se analisar a Qualidade de Vida no Trabalho das camareiras de hotéis de luxo em São Paulo, porém, também entraram na pesquisa um hotel de Santos e um de categoria superior. Mas é importante dizer que, apesar de ouvir as camareiras dos hotéis, consideramos na pesquisa o histórico de trabalho delas, ou seja, experiências delas em outros hotéis que não são necessariamente de luxo.

DIÁRIO – As abordagens foram feitas diretamente, via e-mail ou por outro canal?

Gabriela Ferreira Camargo – Primeiramente, foi feita uma solicitação por e-mail aos gestores de cada hotel, que ao autorizarem a pesquisa, me encaminharam para suas respectivas governantas, com quem eu marquei as datas das entrevistas. As camareiras, horários e datas foram escolhidos pelo próprio hotel e eu fui até os hotéis para entrevistar as camareiras. Como entramos em uma situação de pandemia nesse ano, algumas entrevistas também foram feitas por telefone.

DIÁRIO – Quantas profissionais foram ouvidas e em que período de tempo? (de quando a quando?)

Gabriela Ferreira Camargo – As entrevistas foram feitas com 17 camareiras de 5 hotéis, entre outubro de 2019 e abril de 2020. Cabe ressaltar que a pesquisa ainda não está finalizada. Primeiro tenho que defender minha dissertação para uma banca de doutores que vão avaliar minha pesquisa, depois pretendo publicá-la na íntegra nos próximos meses.

DIÁRIO – Quais são os fatores principais que levam essas profissionais não serem reconhecidas no mercado de trabalho?

Gabriela Ferreira Camargo – Acredito que o primeiro dos fatores seja a remuneração. Com o volume de trabalho deste coletivo e com a grande importância que elas têm dentro dos hotéis, o salário acaba se tornando desproporcional. Outro fator é a atenção que os gestores dão para os setores como marketing e administrativos, ficando estes trabalhadores de base em segundo plano. Muitas das entrevistadas disseram que só recebiam comentários do hotel quando cometiam algum erro no trabalho, e raramente recebiam elogios dos gestores e governantas. Isso é horrível para o bem-estar no trabalho e também para o próprio hotel, que acaba trabalhando com uma equipe ansiosa e desmotivada ou motivada pelo medo.

Além disso, é designado um número maior de quartos para a limpeza do que a própria camareira consegue limpar dentro de sua jornada de trabalho, o que vai desgastando a saúde deste coletivo, que precisa fazer horas extras constantemente.

Gabriela é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Turismo na Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) (Crédito: arquivo pessoal)

DIÁRIO – Em seu abstract você escreve que não só são sobrecarregadas pelo empregador, mas são hostilizadas pelos hóspedes. Existem muitos casos com esse tipo de ocorrência?

Gabriela Ferreira Camargo – Estes casos são bastante comuns.  As camareiras disseram se sentir bastante constrangidas principalmente nos hotéis de luxo. Algumas se sentiam discriminadas pois os hóspedes as ignoravam nos corredores do hotel ao receber um bom dia. Além disso, um comentário muito comum entre elas, foi o fato de alguns hóspedes atenderem a porta do quarto apenas com roupas de baixo ou, até mesmo, sem roupa. Devido a esses fatos, as camareiras também não se sentem confortáveis em fazer a limpeza quando o hóspede se encontra dentro do quarto. Fora isso, muitos hóspedes incriminam as camareiras pelo sumiço de bens, que, muitas vezes, são encontrados logo em seguida dentro do quarto onde o hóspede havia deixado.

DIÁRIO – As leis trabalhistas não defendem ou minimizam os casos mais flagrantes? 

Gabriela Ferreira Camargo – Temos algumas leis trabalhistas e até leis como a de assédio moral e atentado ao pudor, que podem ser aplicadas nesses casos, porém as camareiras, e acredito que a maioria dos trabalhadores do turismo, não conhecem seus direitos em totalidade e, quando conhecem essas legislações, se sentem pressionados a não denunciarem seja por medo de serem prejudicadas dentro dos hotéis ou por não confiarem na efetividade dessas leis. Outro fato que pode justificar isso é a política dos hotéis tende a dar razão aos clientes, que são as pessoas que garantem as receitas, desmotivando denúncias desse tipo. É importante falar que isso não é uma unanimidade entre os hotéis e que alguns possuem protocolos com relação a estes casos, onde a camareira pode chamar um segurança que recomenda que o hóspede se recomponha.

DIÁRIO – Sua dissertação propõe respostas ao problema como remuneração justa, diminuição da carga de trabalho entre outras propostas. Você acredita que esse trabalho possa contribuir para a melhoria do QVT dessas profissionais?

Gabriela Ferreira Camargo – Eu acredito que minha pesquisa serve para que essas informações sejam divulgadas entre os hoteleiros, tanto empregados como empregadores. Quando os funcionários são informados sobre seus direitos, eles mesmos podem fiscalizar seus respectivos locais de trabalho. Além disso, eu gostaria de passar, através dessa pesquisa, a mensagem de que os trabalhadores do turismo não estão sozinhos e podem se unir se se sentirem injustiçados e podem contar com vários coletivos que existem.

Por último,  a pesquisa também incentiva os hóspedes a repensarem suas atitudes com relação aos trabalhadores da hotelaria.


*Entrevista concedida ao jornalista Paulo Atzingen

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