RETROSPECTIVA 2015 (Matéria publicada em 12 de abril)
Patagônia Chilena – O dia 7 de abril estava espetacularmente limpo e ensolarado e chegamos ao cabo Horn por volta das 16 horas. O ponto mais austral do planeta possui um farol, uma casa de máquinas, uma capela e um monumento que rende homenagens ao principal habitante daqui: os albatrozes.
Este Patrimônio Histórico marítimo é cercado pelo Mar de Drake – nome dado em homenagem ao corsário e capitão inglês, Francis Drake que navegou por aqui no século XVII.
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A lenda que paira no lugar é que esta ilhota é cercada por um cemitério de mais de 800 navios naufragados e que mais de 10 mil homens perderam a vida em seu entorno afogados no mar.
O Cabo Horn e a ilha de Horn integram as Ilhas Wollastom, pedaço de terra mais ao sul do planeta.
Uma escada íngreme com cerca de 550 degraus não serviu para desanimar os turistas europeus, alguns com mais de 70 anos. É um marco na vida de qualquer um.
Desembarcamos do Zodiac (os botes infláveis que nos levam do navio à terra firme) e em menos de uma hora havíamos fotografado o Monumento Cabo Horn, um marco de sete metros de altura que foi construído pela marinha chilena. A escultura de ferro, que deveria suportar os ventos de até 200 km por hora, não resistiu e, há alguns meses, uma de suas metades, veio abaixo. Integram o monumento duas esculturas de concreto com duas placas de mármore. Em uma delas, um poema da escritora chilena Sara Vial, uma homenagem aos homens do mar que perderam a vida na travessia entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
“Sou o Albatroz que te espera no fim do mundo
Sou a alma esquecida dos marinheiros
mortos que cruzaram o Cabo Hornos
Desde todos os mares da terra.
Mas eles não morreram nas furiosas ondas,
hoje voam em minhas asas,
até a eternidade,
na última fenda dos ventos antárticos”
Oficial nos recebe fardado
Em Cabo de Horns, o oficial da Marinha Chilena, primeiro sargento Manoel Calbas, nos recebe na pequena sala anexa ao farol. Trabalha ali há quatro meses e faltam oito para completar seu período na ilha, que é de um ano. Calbas, vive com sua esposa, Maria Loreto tem dois filhos (Javier de 12 anos e Manoel Estevan de dois anos) e aguarda o seu primeiro inverno nos mares do sul. “Agora começa o tempo mais duro, que é o inverno. Não veremos uma pessoa nos próximos dois meses, pelo menos”, adianta o oficial. Suas funções são administrar o funcionamento do farol e informar à marinha chilena sobre as condições climáticas e o tráfego de navios, geralmente grandes toneleiros e embarcações de pesquisa que se dirigem à Antárctica.
Segundo ele, para passar o tempo faz exercícios, utiliza jogos eletrônicos, além de televisão e internet (fornecidos pelo governo chileno), e também muita leitura. “Temos todos os meios de comunicação. TV, email, telefone, etc”, diz.
Conta Calbas que o abastecimento da ilha se faz de dois em dois meses pela marinha. “Trouxe comigo sementes para plantar algumas hortaliças aqui dentro de casa. Farei uma horta caseira. Lá fora o clima não permite”, reforça o que já havíamos lido.
Manoel Calbas lembra também que há pouca luz no inverno. Os dias possuem em média cinco horas apenas de claridade. “Estamos muito próximos da Antárctica. Na curvatura do mundo”, mostra seu sutil bom humor.
Manoel começou a trabalhar aos 12 anos como padeiro, exercendo outras atividades como açougueiro, feirante e trabalhador de construção civil.
“Quando ingressei na Armada pensei que trabalharia e estudaria menos. Errei. Trabalho muito e estudo mais ainda”, acrescenta mantendo o seu alto astral.
Vestido com o uniforme oficial da Marinha Chilena, Manoel posa para fotos defronte ao farol e sob a bandeira do Chile. Educadamente nos acompanha até o embarque e nos saúda. Seremos os últimos seres humanos avistados por ele nos próximos meses. Acenamos a Manoel e nos dirigimos ao Via Australis com um misto de espanto pela coragem do homem e uma pitada de compaixão.
* O jornalista Paulo Atzingen viajou ao Cabo Horn a bordo do navio Via Australis
Linda descrição desta parte do mundo tão pouco conhecida da maioria das pessoas. Parece quase inatingível e ao mesmo tempo, nem é tão impossível para nós , brasileiros, chegarmos lá. Imaginar uma família morando sozinha no farol do Cabo Horn mexeu com a minha imaginação.