Eduardo Kobra: “pintar na rua é trabalhar com mensagens simples, como paz, união dos povos, etnias…

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REDAÇÃO DO DIÁRIO

Um pouco antes do lançamento da obra com a temática bicicleta (que ainda não tem nome definido) na lateral do prédio do hotel íbis Styles Faria Lima, em São Paulo, no último dia 5, o artista Eduardo Kobra concedeu esta entrevista ao DIÁRIO. A parede que recebeu o mural do artista tem 60 metros de altura e 13 de largura, no entanto ela é fichinha para  os 2.646,34 m², do mural “Etnias –  Todos Somos Um” , pintado no Boulevard Olímpico, no Porto Maravilha, Rio de Janeiro, e que já foi  reconhecido pelo Guinness World Records como o maior mural grafitado do mundo. Nesta entrevista, no entanto, não falamos em números, mas, ao contrário, em sensibilidade, criatividade, função social da arte e alguns fatores que contribuíram para colocar o artista Eduardo Kobra, literalmente, no alto das realizações profissionais. Acompanhe:

DIÁRIO: Kobra, existe um estigma em volta da arte de rua. Como trazê-la para um grande centro – fora das galerias e museus, num empreendimento que convencionalmente não receberia esse tipo de trabalho – é ainda assim é uma intervenção artística…

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KOBRA: Para fazer esta pintura tive autorização da prefeitura e do órgão que cuida da Cidade Limpa. Houve uma análise para ter certeza de que não se tratava de uma imagem comercial, publicitária ou algo relacionado ao hotel. É uma obra completamente neutra e minha. Claro, estou sendo patrocinado pelo grupo Accor, mas sem nenhuma ligação com o hotel. É um trabalho livre, considerado uma arte mural. Em relação a questão de realizar esses murais na cidade, todos os artistas precisam de apoiadores para que os projetos aconteçam. Hoje eu tenho um critério de produção: quando uma empresa ou alguém deseja apoiar meu trabalho, não pode haver interferência nas criações, nos meus desenhos. Cada trabalho é uma conexão com a minha história e tudo o que eu faço e vivo: independente.  É certo que todo artista depende de financiadores; os andaimes, a tinta, enfim, toda esta estrutura dos murais é muito cara, ou seja; poderíamos ter muito mais pinturas na cidade se tivéssemos apoio. Para mim, não faz muita diferença, pois ainda se mantém como um trabalho de street art e em qualquer lugar do mundo, todo tipo de arte necessita de um apoio.

O meu trabalho nunca tem uma conotação comercial, é totalmente meu. Entretanto, 90% dos meus trabalhos na rua são feitos de forma voluntária. São poucos os que recebem ajuda.

DIÁRIO: Guardadas as devidas proporções, você seria o novo Diego Rivera que se nega a alterar seus projetos para atender encomendas ou ideologias?

KOBRA: A diferença é que eu tive que fazer trabalhos durante muito tempo por encomenda. As pessoas mandavam e eu fazia. A verdade é essa. Foi a forma que eu encontrei para manter meu trabalho acontecendo. Mas, hoje, eu não preciso mais disso, tenho acordos com galerias e o dinheiro da venda de algumas obras são revertidas em investimentos para murais e intervenções nas ruas. Dessa forma eu mantenho meu trabalho livre de qualquer questão comercial.

É como uma peça de teatro: se não houver apoio, não acontece. Arte pública segue a mesma linha. Se acharmos que um artista vai pintar um prédio, ou, que o Miguel Falabela vai conseguir realizar uma peça sem apoiadores… é imposível. Todo artista passa por esse dilema, a questão é como continuar fazendo arte sem que se torne comercial. É um desafio, realmente.

Em agosto, o muralista brasileiro fez em Cincinnati, nos EUA, um mural de 44 metros de largura por 16,15 metros de altura, sobre o astronauta Neil Armstrong (Foto: divulgação)
Em agosto, o muralista brasileiro fez em Cincinnati, nos EUA, um mural de 44 metros de largura por 16,15 metros de altura, sobre o astronauta Neil Armstrong (Foto: divulgação)

DIÁRIO: O que te inspirou a pintar o (Oscar) Niemeyer na Paulista?

KOBRA: Lá ocorreu um projeto meu chamado “De memória”, no qual vários muros que eu faço retratam a cidade de São Paulo nos anos de 1920, 1930, e outras metrópoles do mundo, além de personalidades que foram importantes para a história. Dalai Lama, Gandhi, Ayrton Senna, etc.

DIÁRIO: Qual foi a emoção de fazer o mural das cinco etnias no Rio de Janeiro? Esse seu trabalho artístico é considerado um legado cultural da RIO2016…

KOBRA: Bom, no Rio foram dois momentos: primeiro fui convidado para um local que eu já conhecia, o Viaduto Perimetral, uma área degrada. Então, já morava em mim o desejo de revitalizar aquela parte e ter um grande mural na cidade. Quando eu fui convidado, achei sensacional, pois era a mistura de poder revitalizar aquela área urbana diretamente com meus desejos pessoais. E, também, a questão das olimpíadas.

Logo, juntaram-se uma série de fatores, mas ele não foi criado com a intenção de quebrar qualquer recorde e sim vontades pessoais. Tudo isto serviu para passar a mensagem quanto ao meu tema, que era tudo o que eu queria falar: paz, união dos povos e etnias. As pessoas compreenderam a mensagem.

Acredito que pintar na rua é isso: trabalhar com mensagens simples, que todos possam compreender.

Mural na parede lateral do Ibis Styles Faria Lima, em São Paulo (Foto: Fernando Brisola)
Mural na parede lateral do Ibis Styles Faria Lima, em São Paulo (Foto: Fernando Brisola)

DIÁRIO: E a sua equipe? Quem trabalha com você?

KOBRA: Eu tenho um projeto hoje chamado de “envolva-se”. Não divulgo muito, mas existe esse projeto em que eu abro a possibilidade de outros artistas, estudantes de arte e meninos da periferia que querem trabalhar com arte mas não têm oportunidade, para se juntarem a mim nas produções. Por exemplo. Recentemente fiz um mural nos EUA, em Cincinatti, onde tivemos sete ou oito estudantes de artes no projeto que trabalharam conosco nos murais.

Ao longo do tempo, três artistas trabalham comigo, Agnaldo, Cesar e Marcos, na produção dos murais. Eles são da periferia, assim como eu, não tinham a oportunidade de viver de arte. Não desmerecendo, mas eles trabalhavam de motoboy, entregador de pizza e me procuraram para compor a equipe. Como são super talentosos, abri vagas e obviamente, apenas consigo fazer os murais na escala que faço porque eles estão comigo. Sozinho seria impossível, assim como todos os artistas na história trabalharam com equipe.

DIÁRIO: Kobra, você se inspira em quais artistas? Quais são suas influências?

KOBRA: Eu particularmente aprendi tudo na rua. As minhas influências são os artistas de street art, Banksy… Grafites dos trens de Nova York na década de 1970 também, e só depois, bem depois mesmo, os pintores muralistas como Rivera e Portinari. Todos exerceram uma mudança de visão dos muros em mim. Passei a ver de forma diferente, porém, segui meu caminho, a minha identidade, dentro das minhas convicções.

Kobra durante a entrevista concedida ao repórter do DT, Marcos Vinícius Sokabe
Kobra durante a entrevista concedida ao repórter do DT, Marcos Vinícius Sokabe

DIÁRIO: Seus murais são políticos, indicam mensagens e modos novos de pensar, como esse novo mural que conversa sobre o ciclista e uma ideia diferente de cidade almejada…

KOBRA: Exato, tem essa proposta mesmo. E tenho mais três ou quatro projetos com as mesmas diretrizes: proteção dos animais em acordo com o Greenpeace, São Paulo Realidade Aumentada – em que eu falo sobre crianças desaparecidas, moradores de rua, currículos de desempregados – e outros.

Eu sempre quis, além da estética, passar algum tipo de mensagem dentro das coisas que fazem parte do meu universo.

DIÁRIO: Você deve a quê ou a alguém o seu sucesso profissional?

KOBRA: Bom, eu agradeço a Deus. Agradeço integralmente a Deus, porque foi Ele quem me trouxe aqui. Minha fonte de inspiração é Deus.

CONFIRA O NOME E OS LOCAIS DAS OBRAS DE KOBRA, NO BRASIL E NO MUNDO

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