Eduardo Sanovicz, presidente da ABEAR: “O Turismo sempre estará vinculado às concepções políticas que assumem a direção do país”

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A série Entrevistas Presidenciais, do DIÁRIO DO TURISMO, ganha a participação de um protagonista reconhecido e respeitado dentro e fora da indústria do turismo – Eduardo Sanovicz, presidente da ABEAR, professor universitário e detentor de visão analítica clara e substantiva. A cada pergunta, entabula respostas objetivas, onde conhecimento e experiência vivencial andam juntos. A presente entrevista foi concedida aos editores do DIÁRIO, jornalistas Gabriel Emídio e Paulo Atzingen. Confiram:

DIÁRIO – Bacharel em História, mestrado e doutorado em Ciência da Comunicação. O que o levou à carreira de executivo do setor de turismo?

Eu cheguei ao Turismo por meio do setor de eventos. No final dos anos 70, na universidade, comecei a me envolver na organização de eventos, destacadamente culturais, especialmente shows de música. Era ainda o tempo da ditadura. Então, as atividades culturais significavam um momento de resistência, de mostrar que a gente estava vivo, que havia coisas boas e novas acontecendo no Brasil, apesar daquele ambiente muito difícil.

Depois passei para a realização de seminários, congressos e, como consequência desse trabalho, cheguei a minha primeira função diretamente no turismo, que foi ser diretor de Turismo de Santos, em 1993. Ano que vem celebro 30 anos dessa primeira função e serão mais de 40 anos, se contarmos desde o primeiro evento organizado.

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DIÁRIO – Fale um pouco do seu trabalho como docente da USP?

Na Universidade de São Paulo, eu leciono Administração e Marketing para o último ano do curso de Lazer e Turismo na Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Eu fiz o mestrado em 2001, o doutorado em 2007 e prestei o concurso em 2008. Comecei a lecionar em agosto de 2008. São praticamente 14 anos numa atividade que me agrada demais, me obriga a estudar, ler, rever pautas e agendas, debater com jovens e ser questionado o tempo todo. É um desafio toda semana, que me determina ficar atento ao que os jovens estão olhando e sentindo.

DIÁRIO – Fale um pouco da sua experiência em Barcelona, no contexto da época. Esse aprendizado influiu nas escolhas que veio a fazer?

Fui para Barcelona em 1996, fiquei pouco menos de um semestre e fui trabalhar numa organização chamada Turismo de Barcelona, que era a primeira organização do planeta formada por uma parceria público-privada. A prefeitura de Barcelona, logo depois da Olimpíada, resolve fechar a Secretaria de Turismo. Na outra mão, a Câmara de Indústria Comércio e Navegação resolve fechar seu Departamento de Turismo. Ambos criam uma entidade público-privada, com gestão compartilhada no Conselho e Direção Executiva.

A esta organização se incorpora o Barcelona Convention Bureau e este órgão de promoção de destinos passa a cuidar de todas as políticas de promoção, marketing, apoio à comercialização e captação de eventos da cidade. Trabalhando lá, minha concepção do que é turismo, de como se constrói política pública de Turismo, como se articula com o setor privado, e principalmente como se faz ações de promoção e marketing viraram completamente do avesso.

Eu volto de Barcelona com a cabeça mudada e em seguida vou trabalhar no Convention Bureau de São Paulo, em 1997, a convite do Aristides Cury, que era o diretor executivo. Lá encontro um campo fértil para começar a pôr em prática essas concepções. Os resultados foram muito relevantes: São Paulo passa pela primeira vez o Rio de Janeiro e se torna líder no ranking ICCA no Brasil nessa época, entre 1998 e 1999 e participo da implantação das ações que se seguem a campanha pela abertura do comércio aos domingos, idealizada pelo SPCVB ainda antes da minha chegada.

Depois dessa fase, vou presidir o Anhembi, atual SPTURIS, a partir de 2001, e lá também foi possível implementar algumas novidades, como a criação do Comitê Paulista de Captação e Promoção de Eventos, a primeira participação de uma delegação paulista na EIBTM em Genebra. Assumi a direção do Anhembi com 1072 empregados e um prejuízo enorme, mas a deixei com 392 colaboradores e um lucro de alguns milhões, além da obra do hotel, parada há anos, retomada.

A consagração da “tropicalização” deste meu aprendizado em Barcelona se dá quando assumo a Embratur em 2003. Nossa equipe reorienta e reestrutura a Embratur, voltando as ações para promoção e marketing internacional, cria os EBTs, os Bureaus de Promoção por segmento (náutico, ecoturismo & aventura, etc), implanta os programas de distribuição de verbas descentralizadas, repassando recursos aos estados com critérios objetivos e, o que me deixa sempre orgulhoso de mencionar: criamos a área de turismo de negócios e eventos.

O momento alto deste período é a construção coletiva do Plano Aquarela entre 2004 e 2005, e a criação da Marca Brasil, que até 2018 se mantiveram como referência para a sustentação de nossa imagem e ações de promoção no exterior.

DIÁRIO – Faz 10 anos que você preside e vive o dia a dia da ABEAR. Como analisa a evolução da entidade que ajudou a criar?

A ABEAR comemora, em 2022, 10 anos de atividades em defesa do fortalecimento da aviação comercial brasileira, para que o setor aéreo seja protagonista no desenvolvimento econômico e social do país. O balanço desse período é extremamente positivo. Destaco o trabalho pela redução da alíquota de ICMS em todo o país, com destaque para o estado de São Paulo, cuja alíquota foi reduzida de 25% para 12%, com criação de quase 700 novos voos semanais no estado, lembrando que São Paulo responde por cerca de 40% da demanda nacional.

Durante a pandemia, tivemos também exemplos importantes de como a aviação é fundamental para o Brasil e a ABEAR em sua articulação: as empresas aéreas brasileiras embarcaram 8,5 mil profissionais da saúde e 660 toneladas de alimentos, Equipamentos de Proteção Individual e respiradores para as frentes de combate à pandemia, sem qualquer custo. Também repatriamos 42 mil brasileiros que não tinham como voltar para o Brasil por causa do fechamento de fronteiras e já transportamos 315 milhões de vacinas pelo país.

A ABEAR, hoje, reconhecida pelo Poder Público por sua interlocução com o governo e o Congresso, mostrando os desafios que o Custo Brasil impõe ao dia a dia das empresas aéreas, especialmente a disparada do preço do querosene de aviação e a alta do dólar, já que mais de 50% dos nossos custos são dolarizados.

Propomos sempre novas parcerias com a cadeia produtiva do turismo, seja com as secretarias de estado, como estamos fazendo agora junto ao Fornatur, seja participando do G20, com as demais entidades do setor em defesa de pautas comuns.

Também creio que vale destacar que nos consolidamos como fonte e referência de qualidade de produção de informação técnica, com o Panorama que publicamos todo ano e junto a própria imprensa brasileira, que nos aciona permanentemente para informar e elucidar temas de interesse dos consumidores e da sociedade.

DIÁRIO – Lições da pandemia C-19: o que de mais essencial foi feito para as companhias aéreas associadas à ABEAR suportarem a queda da demanda?

Logo no início da pandemia, construímos um painel de 41 medidas divididas em três grandes blocos. A primeira frente foi marcada por ações internas em cada companhia, como revisão de contratos e custos, com uma característica muito importante: acordos com quase todos os sindicatos de colaboradores para garantir a estabilidade dos empregos por meio da redução de jornada e de salários. Uma segunda frente de ação foi marcada pela parceria e o diálogo com o Ministério da Infraestrutura, Secretaria de Aviação Civil (SAC), Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA), Infraero, Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e o Ministério do Turismo.

Por meio de esforço colaborativo, foi possível construir soluções como a regra para remarcação de passagens aéreas sem custos para os passageiros, a manutenção de uma malha essencial para manter o país conectado, o estacionamento das aeronaves nos pátios da aeronáutica e o estabelecimento de protocolos sanitários no setor. A terceira frente foi a que menos avançou, ligada a demandas de ordem econômico-financeiras. O setor não obteve linhas de crédito como as que foram disponibilizadas às empresas estrangeiras em diversos países.

DIÁRIO – Em 2021, o QAV aumentou 92% em relação a 2020. E, de janeiro a 1º de maio de 2022, subiu quase 49%. As majorações foram transferidas, integralmente, para o preço dos serviços?

O aumento dos custos destes insumos acaba, sempre, repassado aos preços. Estes, em especial o preço de uma passagem aérea, são aqui no Brasil fortemente impactados por fatores externos, como a cotação do dólar em relação ao real, que indexa mais da metade dos custos do setor, pressionando itens como o combustível dos aviões (querosene de aviação – QAV), manutenção e arrendamento de aeronaves.

Só o QAV representa atualmente mais de 40% do custo de uma empresa aérea e chega a ser também até 40% mais caro do que a média global, influenciado pelo preço do barril do petróleo, pressionado atualmente pela guerra na Ucrânia, e pela política de precificação da Petrobras, que cobra em dólares um insumo cujo nível de produção nacional é superior a 90%. Em 2021, o país produziu 93% (ou 4,1 bilhões do consumo total de 4,4 bilhões de metros cúbicos) do QAV consumido e importou apenas 7%, segundo dados da ANP.

Dessa maneira, não faz sentido a parcela produzida no Brasil ser precificada pelos mesmos critérios de petróleo importado. Os dois itens que na sequência, afetam também o setor, são a existência apenas no Brasil de imposto regional sobre QAV (o ICMS, que não se cobra de voos internacionais por não existir em nenhum outro lugar) e o excesso de judicialização no país, agora estimulado pelos conhecidos sites abutres, que têm levado a situações como uma empresa estrangeira que tem 15 voos diários no Brasil e mais de 2 mil nos EUA, receber quase 1,3 mil processos aqui e 150 por lá.

Estas são as razões básicas para vermos uma alta constante de preços, destacadamente de 2017 para cá.

Sanovicz: “Reconhecemos os esforços do governo e do Congresso em encontrar alternativas para minimizar a crise do setor aéreo”

DIÁRIO – Em que pontos o governo brasileiro avaliou mal ou foi omisso na ajuda ao setor aéreo do país?

Reconhecemos os esforços do governo e do Congresso em encontrar alternativas para minimizar a crise do setor aéreo, pois como citei anteriormente, desde o início da pandemia mantivemos uma interlocução com o governo para manter uma malha aérea essencial e garantir o país conectado.

Creio que não preciso repetir os exemplos já mencionados, mas vale destacar que, mais recentemente, tivemos a aprovação da MP 1.089/21, também conhecida como a MP do Voo Simples, que simplifica e desburocratiza o ambiente e negócios do setor aéreo.

Ainda no último dia 11 de abril, a ABEAR e empresas aéreas se reuniram com três ministros: Ciro Nogueira (Casa Civil), Paulo Guedes (Economia) e Marcelo Sampaio (Infraestrutura) para apresentar o atual cenário do setor aéreo e sugerir a criação de uma mesa de diálogo permanente para debater soluções para a escalada dos custos do setor, especialmente do querosene de aviação (QAV). A sugestão foi bem-vinda por todos e o debate se inicia ainda neste mês de maio.

DIÁRIO – Há um consenso de que o Brasil não enxerga a indústria do turismo como estratégica para o deslanche da economia. Falta visão ou vontade política?

Eu creio que, como atividade econômica, o Turismo sempre está vinculado com as concepções políticas que assumem a direção do país. É importante lembrar que vivemos no Brasil um período entre 2003 até 2015, quando o Turismo cresceu. Em 2002, o Brasil tinha recebido 3,7 milhões de turistas, em 2014 chegamos a quase 6,7 milhões. Em 2002, o Brasil era 21º no ranking ICCA com 69 eventos internacionais realizados no país e chegamos a 7º lugar já em 2009 com mais de 300 eventos realizados.

Em 2002, foram vendidos no Brasil 30 milhões de passagens de avião, em 2015 batemos 100 milhões de bilhetes. O que aconteceu? Nós vivemos um período no qual houve decisão política de se trabalhar Turismo com seriedade, com a construção de um plano estratégico de marketing, o Plano Aquarela, que envolvia o uso da marca Brasil ao redor do planeta, com investimento público, envolvimento do setor privado e um esforço coletivo que era conduzido pelo Ministério do Turismo, pela Embratur, ao mesmo tempo em que pelo setor privado tinha os CVBs organizados e um conjunto de entidades.

Estas concepções que levaram o Turismo a crescer deixaram de existir e nós andamos para trás muitos anos. Trata-se, portanto, de enfrentar o debate: que decisões, ações, e concepções políticas nós queremos sobre a economia, qual economia queremos construir para o Brasil e que eixos queremos para essa economia na próxima década. Com o Turismo sendo reincluído nesse processo, a gente pode voltar a crescer e voltar a andar. É uma decisão a ser tomada pelo conjunto da sociedade e um dos desafios que nossa sociedade tem que encarar sem se afastar um milímetro que seja do ambiente democrático.

DIÁRIO – Por que o transporte aéreo de passageiros e de cargas contribui para o estabelecimento de círculos virtuosos de desenvolvimento, num país de dimensões continentais?

A aviação comercial gera um conjunto de impactos positivos junto a diversas cadeias produtivas não apenas nos destinos que atende, mas também junto aos segmentos que conecta. Nos destinos, a chegada dos passageiros estimula a geração de renda e empregos em transporte, alimentação, hospitalidade, atrativos e comércio. Nos setores que recebem e enviam carga, geramos ganho de escala e redução de custos a amplas cadeias produtivas, proporcionando que milhares de produtos fiquem acessíveis a consumidores.

Também estimulamos as ofertas de cada destino, sejam elas naturais, culturais, de negócios ou eventos, na qualidade de principais catalisadores da cadeia produtiva do Turismo.

Por fim, vale dizer que nossos resultados e impactos positivos não se restringem apenas ao Turismo. Na Região Norte, por exemplo, só a aviação consegue atender com rapidez e eficiência o transporte gratuito de órgãos para transplante ou o fornecimento de insumos básicos. Por meio do programa Asas do Bem, que construímos em parceria com o SUS e com a Força Aérea, transportamos gratuitamente mais de 7 mil órgãos e tecidos para transplante gratuitamente todos os anos.

DIÁRIO – Qual o posicionamento da ABEAR quanto aos sistemas dinâmicos de precificação de passagens aéreas?

Resposta: Em 2022 completamos 20 anos de liberdade tarifária no Brasil, instituída em meados de 2002, após um período em que as tarifas aéreas eram tabeladas pelo antigo Departamento de Aviação Civil (DAC). A defesa da liberdade tarifária é um dos pilares da ABEAR, assim como o alinhamento da regulação brasileira às melhores práticas internacionais, na medida em que as empresas aéreas brasileiras competem com companhias do mundo inteiro.

Só que para que essa competição seja justa é necessário enfrentar o Custo Brasil. Os sistemas dinâmicos de precificação das passagens aéreas são uma consequência natural do processo de liberdade tarifária, um aperfeiçoamento desse conceito por meio do uso da tecnologia.

DIÁRIO – O que a Abear tem a dizer sobre o sistema aeroportuário brasileiro e infraestruturas conexas?

Entendemos que as concessões aeroportuárias promoveram melhorias para poder atender o crescimento da demanda por transporte aéreo, principalmente antes da pandemia do novo coronavírus. A ABEAR sempre será favorável a quaisquer medidas que promovam o aperfeiçoamento dos aeroportos, pois são importante instrumento para promover o encontro entre aumento de demanda por viagens aéreas e garantir a infraestrutura necessária para atender os passageiros da melhor forma possível. São também uma maneira de estimular o desenvolvimento e aprimoramento da operação aérea, colaborando com a pontualidade e regularidade dos voos.

DIÁRIO – O que se pode conjecturar sobre o acesso dos mais pobres às viagens aéreas?

Para responder essa pergunta é importante lembrar-se da importância da liberdade tarifária, que já mencionei. De 2002 a 2017, a quantidade de passageiros transportados por ano mais que triplicou de 30 milhões para 100 milhões. Esse salto só foi possível porque o preço da tarifa média nesse período caiu pela metade, ao despencar de cerca de R$ 900 para R$ 400. Em meio a esse período, houve um ganho de poder de consumo das populações mais desfavorecidas, com a inflação sob controle e a taxa de juros básica do país, a Selic, num patamar inferior a dois dígitos.

Foi a época em que a classe C viajou pela primeira vez de avião, para destinos domésticos, lotando os aeroportos de todo o país. Acredito que esse cenário possa se repetir, para que em 10 anos possamos alcançar 200 milhões de passageiros. Para que isso aconteça, o país precisa enfrentar seus maiores desafios: as consequências da disparada generalizada da inflação sobre a capacidade de consumo das pessoas físicas e jurídicas.

Segundo o dado mais recente do IBGE, o IPCA de abril é o maior para esse mês em 26 anos e a inflação acumulada em 12 meses está em dois dígitos há oito meses. A população não tem condições de ter acesso a crédito e há um contingente de mais de 11% de desempregados no país. Isso também afeta uma retomada consistente do setor aéreo após a pior crise da história do setor, deflagrada pela pandemia.

E, atualmente, ainda temos a Guerra na Ucrânia, que pressiona ainda mais o preço do querosene de aviação (QAV), por causa da alta do preço do barril de petróleo.

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