Numa manhã de descobertas em São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa, situado no coração da Estação da Luz, mostrou-se mais do que um templo dedicado à palavra — mas um convite para mergulhar nas histórias que moldam nossa identidade. Em cada sala, cada projeção e cada instalação, ficou claro que a língua é um organismo vivo, pulsante, um reflexo de quem somos e de quem fomos.
Por André Moura, de São Paulo*
Comecei minha visita pelo segundo andar. Ali, a Linha do Tempo do Português no Brasil estabelece as bases para uma jornada imersiva. Por meio de textos, sons e interatividade, o visitante acompanha o percurso dessa língua que, ao longo dos séculos, absorveu, transformou e integrou elementos de diversas culturas. O ponto alto dessa experiência é perceber como o português falado no Brasil é uma tessitura única, resultado de influências indígenas, africanas e europeias.
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No terceiro andar, a Praça da Língua, é um espetáculo à parte. Nesse espaço audiovisual, a língua ganha corpo e alma em forma de poesia, música e literatura projetadas no teto, criando um efeito hipnótico. É como se estivéssemos dentro de um poema, cercados pelas vozes de grandes escritores e poetas brasileiros, de Carlos Drummond de Andrade a Arnaldo Antunes.
Mas foi no primeiro andar que encontrei a essência desta visita: a exposição temporária “Línguas Africanas que fazem o Brasil”, um testemunho poderoso das raízes africanas que ecoam em nossa cultura.
Línguas Africanas que fazem o Brasil: um legado revelado
Aberta desde maio de 2024, essa mostra que ficará disponível até janeiro de 2025 não apenas explora os idiomas africanos que atravessaram o Atlântico, mas também resgata suas manifestações verbais e não verbais, conectando-as ao cotidiano do Brasil contemporâneo.
Logo na entrada da exposição, um mapa interativo destaca as rotas de diásporas africanas que trouxeram, junto com corpos e almas, línguas como o iorubá, o quicongo e o umbundo. Textos projetados nas paredes explicam como esses idiomas não apenas sobreviveram à travessia e à opressão colonial, mas também encontraram novas formas de se expressar.
O visitante é convidado a ouvir sons ancestrais e contemporâneos que misturam o batuque dos tambores africanos com a melodia do português falado nas ruas do Brasil. Em uma instalação audiovisual emocionante, palavras como “moleque”, “quitanda” e “mandinga” aparecem em telas flutuantes, mostrando como vocábulos de origem africana permeiam nosso vocabulário cotidiano.
Uma das seções mais interessantes explora a linguagem não verbal — da dança às expressões faciais. Imagens projetadas em alta definição revelam como o corpo fala, como gestos herdados de tradições africanas se misturam às manifestações culturais brasileiras, do samba ao candomblé.
Uma ponte entre o passado e o presente
A exposição também ilumina a força das línguas africanas na literatura brasileira contemporânea. Escritores e poetas aparecem em vídeos narrando como suas obras refletem a herança africana, tanto no ritmo das frases quanto na escolha das palavras.
No final da visita, uma instalação interativa convida o público a gravar suas próprias palavras ou frases que considerem marcantes em sua vivência do português. As vozes são reunidas em uma grande composição sonora, simbolizando o coro polifônico que forma nossa identidade linguística.
Um convite à reflexão
O Museu da Língua Portuguesa não é apenas um espaço de contemplação, mas uma celebração do que nos une como brasileiros. “Línguas Africanas que fazem o Brasil” é uma mostra que transcende a ideia de museu; é um chamado para reconhecer e valorizar as raízes que sustentam nossa cultura e nossa língua.
Ao sair, a arquitetura icônica da Estação da Luz parece refletir a grandiosidade dessa experiência. Entre palavras, gestos e sons, fica a certeza de que nosso português é muito mais do que um idioma — é um caleidoscópio de histórias, lutas e afetos que continuam a se entrelaçar.
Visitar o Museu da Língua Portuguesa é um ato de conexão com nossas raízes. Se estiver em São Paulo, reserve um momento para ouvir o que a língua tem a dizer. Afinal, como bem sugere esta exposição, a história do Brasil só faz sentido quando escutamos todas as suas vozes.
Serviço:
Exposição: Línguas Africanas que fazem o Brasil
Período: Até janeiro de 2025
Local: Museu da Língua Portuguesa
Estação da Luz
Praça da Luz, s/nº
Centro, São Paulo – SP
Funcionamento
Terça a domingo, das 9:00 às 16:30, com permanência até as 18:00
(11) 4470-1515
Ingressos: Consulte valores no site oficial do museu.