Irmã bastarda e irresponsável da Estatística, casada com o Palpite, a Estimativa frequenta com desenvoltura os principais setores privados e públicos brasileiros.
Por onde passa, causa estragos muitas vezes silenciosos, através da incorreta simulação da realidade.
Nunca foi tão fácil divulgar pesquisas fajutas ou estatísticas inconsequentes. Sem saber ao certo o que é sério ou fruto da imaginação, convivemos com uma invasão desenfreada de valores, índices, números e percentuais, disponíveis em doses cavalares nas mídias e redes sociais. Como um destes espelhos adulterados de parque de diversão que distorcem a imagem refletida, estas conclusões de araque, não raro aceitas como verdade, só confundem. Convivendo ao lado de pesquisas que, estas sim, adotam critérios científicos sólidos e dados consistentes, as picaretagens quantitativas ganham nomes convincentes, como “projeções”. Por trás delas há sempre uma salvaguarda: permite ao autor afirmar qualquer bobagem, pois o termo em si embute uma saída honrosa, caso no futuro as previsões entrem em conflito com a realidade.
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É verdade que os métodos de pesquisa da maioria das empresas, institutos especializados e até de governos atua de forma séria e responsável. No entanto, esta evolução nem sempre foi acompanhada pelo outro lado do balcão. Ainda é baixo o nível de exigência do usuário – seja ele gestor ou consumidor – em relação à qualidade, consistência e transparência dos resultados. Falando claro, quantas destas estatísticas e pesquisas que aparecem na internet seguem uma metodologia científica? E quantas tiveram resultados auditados e autenticados por empresas idôneas e independentes?
Uma das áreas que mais se prestam a esta mistificação é o turismo. Dada a falta crônica de uma base de dados consistente tanto da maioria das associações de classe como as do governo, tudo é possível.”
Uma das áreas que mais se prestam a esta mistificação é o turismo, que tenho acompanhado de perto. Dada a falta crônica de uma base de dados consistente tanto da maioria das associações de classe como as do governo, tudo é possível. Por exemplo: uma recente pesquisa de fonte acadêmica estimou que as viagens de negócios no Brasil geram receitas de 40 bilhões de reais. Por outro lado, a associação que reúne as 29 maiores agências de viagens do país chegou a 15 bilhões de reais. Pode ser que os dois resultados estejam corretos, já que um se refere ao total do mercado e o outro apenas a um grupo de agências. Ou, até que medem coisas diferentes, ou ainda que adotam parâmetros diferentes. Mas esta não é a questão central.
“Não basta que a mulher de Cesar seja honrada; é preciso que sequer seja suspeita”. Por exemplo, a não ser que o princípio de Pareto, ou curva ABC – método de classificação de informações que diz que 20% dos itens de maior importância ou impacto são responsáveis por 80% do movimento – se comporte de maneira rebelde no setor do turismo, não faz sentido que as maiores agências corporativas abocanhem somente 37% do mercado. Tampouco seria pecado o usuário dos dados exigir transparência das caixas pretas que levaram aos resultados: fontes, metodologias, parâmetros etc.
Claro que estimativas mal feitas, projeções furadas, ou falsas estatísticas, não são exclusividade do turismo. Mas entre todos os segmentos há um fator em comum. É que sobra para o gestor dirigir à noite em estrada insegura e construída sobre um terreno pantanoso. Sem base concreta para definir os melhores rumos para o negócio, ele conta como aliada apenas a intuição. Como herói de lenda, tanto pode encontrar no outro lado da montanha um pote de ouro como o dragão da derrota.
*Fábio Steinberg é carioca, administrador e jornalista. Tem três livros publicados: Ficções Reais, Ficciones Reales (espanhol), Viagem de Negócios e O Maestro. É fundador do blog Viagens & Negócios