Hospitalidade paga ou experiência gratuita? – por José Justo*

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Numa conversa descontraída e descompromissada, um turista inveterado me disse que gostava mesmo era de “coisa profissional”, por isso, quando chega no destino aluga um carro ou pega táxi, dorme em hotel de rede e não dispensa os guias profissionais.

Perguntei porque e ele me disse:
– quero qualidade, padrão e segurança.

Quando eu falei que gostava de andar de ônibus e trem, comer em pequenas bodegas e dormir em pequenos hotéis e pousadas, ele fez cara de quem viu um vírus maligno e só faltou cuspir semente de bergamota:
– e a segurança?, A saúde, blá, blá, blá…

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Fiz um discurso:
O trem me permitiu conhecer muitas pessoas diferentes e algumas são amigos indeléveis. Nas estações se conhece realmente as pessoas do lugar e se descobre seus costumes. No carro e no táxi, se viaja sem fazer “experiência”, sem ter o contato com a realidade e ficamos à mercê do interesse da indústria do “o que ver”, “onde comer” e “onde dormir”, tudo à base de patrocínio.

Na “experiência”, o velhinho do café fala do “Restaurante da Mariquinha”, a garçonete te apresenta a dona Lúcia, dona da “Pensão Casanova” e o bilheteiro que saiu do cubículo para seu intervalo de 15 minutos, te conta a história da estação que o avô ajudou a construir quando era pedreiro. Isso não está nos manuais e, às vezes, nem nos livros de história.

Ele coçou o queixo:
– Fale mais sobre isso…
Segundo o filósofo Emir Sader, Aeroportos, Shopping Centers e Hoteis de Redes são “Não-Lugares”, por terem padrões únicos, desconectados da realidade local. Segundo ele, “estar no aeroporto de Mumbai, em um Hotel Ibis em Marrakech, ou num Shopping de Lisboa, é o mesmo que estar em Nova Iorque, São Paulo ou Sidney: a mesma temperatura, os mesmos uniformes, a mesma fragrância nas recepções e o mesmo sabonete nos banheiros”. Eu até acrescentaria que os uniformes são das mesmas marcas globais e as pessoas fingindo que nasceram em Grifeland, a terra das grifes e não, na terra de seus pais”.

Ele piscou…
– Mas, e o conforto?

Isso talvez justifique o sucesso do Airbnb e suas experiências, dos Hostel e sua aridez de conforto e o encanto dos encontros inusitados. Depois de conquistar a saúde e o conhecimento, os humanos não precisam de cuidados e sim, da aventura de “se perder por aí”.

Ele ajustou a máscara…
– Gostei da idéia! Vou tomar coragem, se minha mulher não implicar e quando eu tiver tempo, vou experimentar!

Minha crença:
Assim fazendo, os viajantes, turistas ou simplesmente, desbravadores ou aventureiros, não importa o apelido que se lhes dê, conhecem coisas novas, como imagens que não estão na internet ainda, comidas que não têm ficha técnica e camas com lençóis de cores diferentes da cores das fronhas. Além de falar com pessoas que não estão lendo textos decorados e imaginários, só para te agradar. Estes “não-guias” te impressionam com suas verdades únicas.

Ele piscou, coçou o queixo, ajustou a máscara e trocamos cotoveladas. Ficamos amigos!



*JOSÉ JUSTO estudou Engenharia Eletrônica na Universidade Mackenzie, Trabalhou na VARIG (empresa aérea-São Paulo/Rio).  Desde 1986 se dedica a trabalhos no setor de turismo e hotelaria, dedicado a sistemas de gestão, produção de planos de negócios e desenvolvimento de destinos turísticos. Participou da implantação de mais de 40 hotéis, três redes hoteleiras, diversos atrativos naturais e artificiais, desenvolvimento de destinos turísticos e criação de eventos. Atualmente vive em Gramado (RS). É diretor de Planejamento Estratégico da Associação dos Hoteis do Rio Grande do Sul e edita o boletim técnico FRONTDESK, com notas e informações da cadeia produtiva do turismo.
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