Mestres da pedra-sabão, Libório e Vicente Bretas, são artistas de Cachoeiro do Campo, distrito de Ouro Preto (MG)
“Todo artista tem de ir aonde o povo está. Se foi assim, assim será”, canta Milton Nascimento em “Bailes da Vida”. Com esse verso ecoando na mente, recordei do encontro com os irmãos Libório e Vicente Bretas, dois escultores que carregam na alma o barroco de Aleijadinho e dão forma, hoje, à atemporal pedra-sabão.
Por Paulo Atzingen*
Conheci os artistas em Cachoeiro do Campo, distrito a poucos quilômetros de Ouro Preto, quando levaram suas obras para a abertura do Vila Galé Collection Ouro Preto — momento em que arte, tradição e brasilidade se uniram.
Libório Ferreira Bretas, hoje octogenário, é o mais velho dos irmãos. Vicente, com 79 anos, o acompanha na jornada artística iniciada de maneira quase acidental, mas movida por necessidade e, com o tempo, por paixão. “O começo foi difícil. Meu pai tinha dez filhos e conseguiu uma vaga para mim em uma casa de menores, em Belo Horizonte. Não éramos abandonados, mas era um abrigo da Assistência Social”, relembra Libório. Foi ali, ainda criança, que teve seu primeiro contato com o barro e a modelagem de argila. “Eu fui varrendo, limpando, depois me colocaram numa fila para mexer com argila. Era o que eu queria.”
O ofício, aprendido entre mais de uma centena de garotos, virou vocação. Aos 13 anos, já dominava a modelagem. Mas o retorno a Cachoeiro do Campo trouxe outros desafios: trabalhou como doceiro, servente de pedreiro, tratador de cães e até catador de ferro. Foi apenas aos 16 anos que redescobriu seu caminho definitivo. “Em Ouro Preto, havia um depósito de pedra-sabão usada para moer e virar talco. Um dia, peguei um pedaço e tentei algo novo. Descobri ali a minha trilha.”


Mestres da Pedra Sabão: Santuário criativo
A simplicidade da origem contrasta com a sofisticação do resultado. No quintal de sua casa, Libório transformou o espaço em ateliê e santuário criativo. Lá, conheci esculturas que contam histórias sem palavras. Uma delas, batizada de Música, mostra uma mulher de curvas suaves, entrelaçada à silhueta de uma guitarra, seu olhar perdido em harmonia com o som invisível.

Cada peça é um poema talhado. “Veja aqui, o conjunto do cão, gato e rato, todos absortos diante de São Francisco. É ele que eles olham”, explica Libório com a naturalidade de quem compreende a alma dos materiais. Em outro canto do ateliê, a escultura de uma mulata brasileira se destaca com seu vestido esvoaçante e boca carmim — símbolo vivo da sensualidade e alegria populares. Há também uma figura feminina com expressão de espanto, uma preta mineira esculpida com respeito e emoção. O artista revela técnicas únicas de acabamento, como o uso da fumaça para criar tons de pele sobre a pedra, conferindo à escultura nuances surpreendentemente humanas.
A obra dos irmãos Bretas transcende a arte sacra à qual frequentemente são associados. Libório e Vicente são escultores do cotidiano, discípulos contemporâneos de Aleijadinho que encontraram na pedra-sabão não apenas matéria-prima, mas voz e identidade. A tradição, em suas mãos, não fica no passado: pulsa, se cristaliza, respira.


CONTATO COM OS ARTISTAS: WHATZAP – (31) 8743-0413
*Paulo Atzingen viajou a Ouro Preto convidado pelo grupo hoteleiro Vila Galé