Quando os romanos chegaram, antes de Cristo à Terra, ao setentrião e ao ocaso, espessa floresta abraçava o povoamento conhecido como Alisubo, a Baía Amena onde os fenícios levantaram feitoria para as trocas com os indígenas do lugar.
Aquelas gentes, iberos, habitavam a floresta no cimo dos outeiros, foram sempre de cá, desde que o mundo é mundo, gentes da idade da pedra lascada, que, viviam em grutas, produziam lâminas, raspadores e furadores de sílex, recoletavam e, depois, miscigenadas aos lígures, magrebinos e celtas, em tribos, distribuídas em castros, pastoreavam, cultivavam a terra, manufaturavam o barro, criavam peças e desciam as encostas, para as margens dos rios, tantos rios, afluentes do Taghi, a permutar os excedentes com outras tribos, de outros castros, de outros cerros, a escambar com gregos e cartagineses, para, ao fim, aliadas a Roma, tornadas romanos, fundarem o Felicitas Julia Olisipo.
Sítio próspero, porto, entreposto, eixo mercante entre províncias do império, força centrípeta na Lusitânia, tem necessidade crescente de moradia, lenha e pão: na colina ao nascente, baluarte e aldeia; do planalto boreal à penha no poente, seara e pasto. Mais cresceu o aglomerado, de povoado a aldeia, de aldeia a município, outros povos chegaram, os alanos, os vândalos, os suevos, depois os visigodos, todos bárbaros, reiteradas vezes invadiram e tomaram a cidadela; à frente, expulsaram os romanos, e sempre em combate, em saque e pilhagem. Maus senhores que eram, ruinaram a, então, Ulishbuna e, pelos lusitanos, foram entregues aos mouros, dominados e banidos até que, disputas houve, nasceu al-Lixbûnâ Aluxbuna, integrada a taifa de Badajoz. Maior cidade quer castelo, muito mais moradia, lenha, pão e proteção: a Cerca, agora, Velha, construída naquele tempo, da alcáçova ao rio, que é quase mar, para resguardar todo o meridional da colina oriental, demandava provisões que foram buscar ao monte setentrional e ao penedo ocidental: lenha e pedra, leite e carne, azeite, trigo e centeio. A floresta foi abaixo, restaram oliveiras à margem do caminho, lavoura, pastagem e canteiras; e depois, muito depois, no séc. XIV, quando Lisboa — capital do Reino de Portugal e do Algarve —, mouros subjugados aos cristãos, consta que um conde, de apelido Castro, oriundo da Vila de Monsanto, por mercê ou ousadia, apropriou-se do altiplano, ao norte e oeste da cidade, pedras, grãos e gado, dando-lhe o nome: Serra de Monsanto.
Os mouros forros, primeiros saloios, colonos na lida das hortas, dos olivais, do gado e do grão, fixaram-se na serra. No séc. XVI, várias quintas de veraneio instalaram-se ali. Soutos, coutos de caça, queriam os fidalgos. Assim, surgiram as matas de S. Domingos de Benfica, do Palácio dos Marqueses de Fronteira e, a mais nobre de todas, do Paço Real, hoje, a Tapada da Ajuda.
Apesar dos nobres vizinhos, aquela planura, com mais de mil hectares, seguiu seu fado agropastoril. Ao longo dos séculos, na cumeeira, foram construídos 83 moinhos de vento destinados à produção de farinha; e hoje, mais ou menos inteiros, restam os do Casalinho Ajuda, do Casal das Freiras, do Forte, do Penedo, do Mocho, do Calhau, de Caselas, dois no Caramão da Ajuda, e, entre o alto do Restelo e a Ajuda, outros dois, os de Santana, quase como novos, quase prontos a entrar em produção. De 1731 a 1748, a construção do Aqueduto das Águas Livres, desde Belas, em Sintra, pelo monte afora, suspenso em arcos — sua face mais conhecida —, atravessa o Vale de Alcântara para chegar à Mãe d’Água, no Jardins das Amoreiras. Em 1868, o primeiro intento de arborizar a serra: falta lenha e pulmão à cidade que é abrasadora no verão e, nos meses frios, demasiado ventosa. Na virada do século, várias capitais europeias planeavam ou executavam projetos de parques florestais urbanos. Lisboa não ficaria (muito) para trás.
À semelhança daqueles bosques, em 1925, começa a ser desenhado o primeiro esboço do que veio a ser o Parque Florestal de Monsanto. Empenho fracassado, somente em 1929, o Ministério da Agricultura voltaria ao assunto com a criação da primeira comissão para o plano de arborização.
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Mais idas e vindas, projetos frustrados, finalmente, em 1938, o jovem Keil do Amaral é contratado para arrancar com o parque. Antes, porém, o arquiteto fez viagens de estudo. Visitou França, Inglaterra, Alemanha e Holanda, inspirou-se, apresentou propostas. Arrancou com o voluntarismo dos jovens, o salário dos trabalhadores e o ônus dos presidiários, todos convocados para a construção do parque. Plantaram árvores: acácias, eucaliptos, pinheiros, cedros, carvalhos, sobreiros, azinheiras; criaram os miradouros do Mocho, de Alferes, da Pedreira do Penedo, da Luneta dos Quartéis, o Panorâmico com vista ao Tejo e 360º à cidade; construíram o parque infantil do Alvito, a Casa de Chá de Montes Claros, o Clube de Ténis de Lisboa. Depois, nos anos 90, juntaram-se ao Monsanto, os parques Ecológico, do Alto da Serafina e do Calhau. Há trilhas de bicicross, pistas de skate, quadras de basquete, parques recreativos, espaços para piquenique e churrasqueira, restaurantes, diques, gansos, patos, vários pássaros e tantas coisas que não sei; um sem fim de razões para muitas vezes ir à maior área verde da cidade.
E eu, de tudo isso ignorante, desde 2017 vivendo em Lisboa, somente há uma semana fui ao Monsanto. Cascão, Iêda e eu. Todo o sábado em exploração, 14 km a pé a arranhar o monte: de Alcântara ao Campolide, pelo Parque do Alvito, Anfiteatro Keil do Amaral, Moinho do Penedo, Forte do Monsanto, Parque do Alto da Serafina, Parque do Calhau e Miradouro das Três Cruzes. Encantado, prometo, agora, muitas mais idas à serra neste verão. Vou conhecer cada árvore.
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