A série do DIÁRIO DO ENOTURISMO, Pergunte ao Werner Schumacher quer desmistificar esse mundo do vinho tão sedutor e servir como um guia aos leitores na nobre arte da degustação de um vinho. Esta semana a pergunta é do leitor Henrique Martins:
Sendo o Brasil um país sem um terroir importante pra vinhos tintos, quais regiões no país e varietais são melhores pra consumo de qualidade?
Werner responde:
Uma pergunta muito boa Henrique e podemos iniciar a responder sobre o que entendemos por ‘Terroir’, que é uma área de terra, portanto, um local que é influenciado pelo solo e clima e, em maior ou menor escala, com a intervenção humana.
Os puristas dizem que ‘Terroir’ é o local que não precisa da intervenção humana, que os produtores de vinhos naturais também defendem, mas forçosamente, no momento da elaboração do vinho uma maior ou menor intervenção humana será necessária.
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O Brasil não alcançou a maturidade enológica suficiente para determinar e identificar um ‘Terroir’, mas com certeza temos condições propícias para se produzir vinhos tintos.
O Vale dos Vinhedos é uma região demarcada para a elaboração de vinhos finos, mas essa região geograficamente está bem definida, mas dentro dela não há apenas um ‘Terroir’, há vários e isso precisa ser pesquisado e identificado. Nesse ponto me refiro (como fala o Joca Martins*) à tal falta de maturidade.
Posso dar como exemplo um vinhedo que tive, com apenas 1,5 ha de área, plantado com a variedade Cabernet Sauvignon, mas essa área estava dividida em duas encostas, portanto com insolação diferente, uma encosta produziu uva mais madura que a outra, poderia misturar tudo em só vinho, mas separei esses vinhos e os denominei Quinta Ribeiro de Mattos (sobrenome de meu avô materno, natural de Lisboa) 1 e 2. De certa forma, criei dois diferentes ‘Terroirs’, pois cada um produziu um vinho diferente.
Na Alemanha, por exemplo, onde boa parte dos vinhedos se encontra nos vales dos rios, como Mosela, Reno, etc., algumas áreas junto à margem dos rios é plana e a seguir inicia uma encosta bastante íngreme, dizem até que o vinhedo mais íngreme do mundo, o Calmont em Bremm, no rio Mosela.
Conversando com Patrick, sócio da vinícola familiar Langguth ele explicou que na parte plana da propriedade eles produzem os vinhos mais em conta, para o dia a dia é à medida que a encosta se eleva, passam a ater melhores vinhos até chegar ao topo do mesma (não o Planalto) onde estão as uvas que se produz os melhores vinhos.
A encosta, quando muito famosa por produzir os melhores vinhos, geralmente recebe um nome, como Goldtröpfchen. Lá Patrick tem uma parte e pode indicar no rótulo a denominação, já aqueles produzidos a partir de uvas da planície não pode usar a denominação.
Patrick se dá ao capricho de dividir a encosta em duas ou três partes e planta uvas diferentes, conforme se adaptaram mais às condições do local. Naturalmente a uva Riesling está sempre no topo e os melhores vinhedos estão sempre localizados em direção a sul, para ter uma maior insolação.
Devemos recordar que o cultivo da videira na Alemanha vem do tempo do Império Romano, portanto, com mais de 2 mil anos de história.
Como podes ver Henrique, um ‘Terroir’ não se faz da noite para o dia, mas cabe ao produtor identificar as características da área de terras que tem, buscar também apoio junto à Embrapa, no nosso caso, para ajudá-lo nesse sentido e determinar as variedades que melhor se adequam a sua propriedade e assim criar o seu próprio ‘Terroir’,
Devemos anda lembrar que a mudança climática está afetando todas as regiões produtoras de vinho do mundo. Veja o caso de Bordeaux, eles pouco usavam o Malbec e por esse motivo voltaram a fazê-lo. Outras variedades estão sendo testadas para se ajustarem a essa situação climática. A localidade conhecida como Pomerol tem vinhos produzidos apenas com a uva Merlot e outras se valem do corte com as variedades típicas do famoso corte de Bordeaux. Provavelmente Bordeaux não será mais a mesma região que hoje conhecemos.
Casualmente, hoje recebi um artigo do enólogo e viticultor francês Jean-Manuel Jacquinot, da região de Champagne, publicado no ‘Le Point’, onde ele atende a uma pergunta sobre a possibilidade de se produzir um bom vinho em qualquer lugar?
A resposta dele é que sim, pois a videira está presente e se adapta em todos os continentes e cresce em todos os tipos de clima, bem como em todas as latitudes e altitudes.
Como podes ver tudo influencia, o que nos leva a entender que tudo no vinho é relativo!
Um único ponto que o enólogo francês chama a atenção é a questão da dormência e neste caso a intervenção humana é de suma importância para o sucesso do empreendimento, bem como a escolha da variedades.
Seja na Índia, Brasil, Venezuela, Tailândia e Taiti é possível produzir bons vinhos e a ajuda humana determinará o surgimento de cada ‘Terroir’.
‘A irrigação também permite compensar a falta de precipitação e reservas de água no solo (Austrália, Índia, México, Texas entre outros)’.
‘O aquecimento global agora permite que a videira se desenvolva em novos países como China, Inglaterra, Dinamarca, Suécia ou Bélgica’.
‘O enólogo saberá e poderá então se adaptar’, diz o francês.
Podemos dizer ainda, em relação às variedades, que passa pelo mesmo caminho, o ‘Terroir’ onde será cultivada a variedade, a escolha do melhor clone, como o vinhedo será conduzido.
Sabe-se que a Cabernet Franc se adaptou muito bem na Serra Gaúcha e que o Vale dos Vinhedos escolheu a Merlot como sua representante. Outras regiões do Brasil a Shiraz também se deu bem, principalmente, aquelas que adotam a técnica da poda invertida.
Particularmente, pelas nossas condições de clima e solo, podemos produzir vinhos tintos muito bons para guarda e isto vem sendo provado ano após ano. Não sei se por razões financeiras, tem um custo, poucas vinícolas no Brasil se dedicam a isto, uma pena.
Espero ter respondido a tua pergunta a contento.
Werner Schumacher, é o alemão brasileiro que na década de 80 e 90 do século passado trouxe os insumos da Europa para o início da vinicultura no Rio Grande do Sul, e portanto, no Brasil.
Sem meias palavras, Werner durante o último ano escreveu sobre inúmeros assuntos do universo do vinho. Defendeu a viticultura heroica de montanha, ficou do lado dos pequenos produtores de uva e vinho do Rio Grande do Sul, enalteceu a importância do enólogo em uma propriedade que produz vinho, criticou os marqueteiros que tentam desmistificar o mundo do vinho com seus produtos padronizados e sem caráter.
As perguntas a WERNER SCHUMACHER podem ser enviadas para o Whatsapp do DT: (11) – 99361-4862 – ou no próprio Comentários do Leitor (logo abaixo)