Papas e cardeais do vinho falam do alemão visionário

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————————————-Por Paulo Atzingen*

RETRÔ 2020 – PUBLICADO DIA 13 DE JUNHO

Se pudéssemos atestar o sucesso da migração de um povo de um continente para o outro teríamos o primeiro exemplo incontestável entre nós: os portugueses trouxeram a Língua. Se adiantarmos um pouco mais os ponteiros da história temos outro exemplo incontestável: os italianos nos trouxeram o vinho. E se puxarmos ainda mais os ponteiros e usarmos o microscópio da memória temos mais um fato histórico: um alemão trouxe para o Brasil as máquinas e as leveduras para se produzir aqui um vinho de alta qualidade.

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Feitos esses preâmbulos necessários é preciso retomar o fio da meada de nossa reportagem: o alemão Werner Schumacher em meio aos italianos da serra gaúcha.

A entrada dos vinhos importados em terras e bocas brasileiras, o crescimento da produção com a ampliação das áreas de cultivo e o início do nosso “refinamento”, somando esses fatores a outros surgiu a necessidade de se aumentar a qualidade do nosso vinho.

Segundo o estudo “¹Itália fora de Itália: outro olhar sobre a viticultura italiana e as suas repercussões no Brasil”:

(…) desde os anos 90, o setor começou a organizar-se em associações e a utilizar o nome das regiões ligadas ao vinho – que pode ser entendido como o início da utilização da noção de terroir – numa sinergia entre as iniciativas de incentivo ao turismo (e ao enoturismo) e a estruturação das Denominações de Origem Controlada (DOC). A primeira DOC formalizada no Brasil foi criada no Vale dos Vinhedos (um processo que teve início em 1995 e que viu o reconhecimento da região no Brasil em 2005 e a nível europeu em 2007).

Atualmente, as vinhas brasileiras têm um total de quatro DOC e três projetos em curso”.

Adolfo Lona, “Até aquele momento, somente as grandes empresas podiam importá-los” (Crédito: AL Vinhos)

Insumos enológicos confiáveis

Se as línguas evoluem e ficam mais complexas com seus regionalismos – como foi a língua dos portugueses que nos deu a base do nosso português brasileiro, o vinho nacional também evoluiu graças ao trabalho de inúmeros plantadores de uva, administradores de vinhas, produtores de vinhos, enólogos, vinicultores e de Werner Schumacher.

“Werner merece o reconhecimento do setor vitivinícola brasileiro pelos serviços prestados à enologia”, quem diz isso é o enólogo Adolfo Lona, da Adolfo Lona Vinhos e Espumantes , uma das maiores autoridades do vinho contemporâneo.

Segundo ele, a partir da segunda parte da década de setenta (Século XX), quando Werner fundou a AEB- Associazione Editoriale Brescia (Brasil) em Bento Gonçalves, iniciou-se na região uma fase de acesso a insumos enológicos confiáveis e eficientes. “Até aquele momento, somente as grandes empresas podiam importá-los devido aos custos e à dificuldade de trazê-los”, informa Lona à reportagem.

A AEB – Associazione Editoriale Brescia, era uma empresa italiana fabricante de insumos para tratamentos de vinhos brancos e tintos de qualidade. “Com o apoio de Werner se instalou em Bento Gonçalves, primeiro para importar e distribuir e, posteriormente, também fabricando insumos localmente com matérias primas importadas”, relata.

“A limpeza prévia do suco na elaboração de vinhos brancos, o uso de enzimas: são a diferença entre obter vinhos ordinários ou de alta qualidade. (Crédito: arquivo DT)

A editora italiana AEB, conta Lona, lançava livros de enologia, viticultura, degustação e arte e essas obras começavam a chegar ao Brasil através de intercâmbios promovidos por Schumacher. “Eu tenho uma coleção de livros impossíveis de achar na época, como os de Tulio de Rose, Emille Peynaud, Useglio Tomasset, Renato Ratti e outros”, afirma Lona.

Adolfo de forma muito didática explica que na elaboração de vinhos, algumas práticas enológicas são fundamentais: “A limpeza prévia do suco na elaboração de vinhos brancos, o uso de enzimas pectolíticas e proteolíticas para despectinizar mostos ou extração da cor, de leveduras selecionadas de grandes produtores e de clarificantes, são a diferença entre obter vinhos ordinários ou de alta qualidade. E sabemos quanto, nessas épocas, as vinícolas se esforçavam para produzir vinhos brancos frescos, com aromas intensos, convidativos e tintos que desafiassem o tempo. O Werner nos possibilitou isso”, reforça.

Segundo ele, todas as vinícolas, pequenas, medias e grandes, começaram a ter acesso fácil a esse material já que Werner investiu em instalações para fabricar e armazenar um enorme número de produtos”, lembra Adolfo.

Adriano: Schumacher sempre foi um grande incentivador dos enólogos brasileiros (Crédito: arquivo DT)

Incentivador de enólogos

Para o enólogo Adriano Miolo, da Vinicola Miolo , Werner Schumacher foi um dos maiores, ou talvez o maior colaborador da vitivinícola de ponta para o Brasil. “Quando esteve à frente das empresas de biotecnologia e equipamentos para a Indústria Vitivinícola disseminou como ninguém as técnicas mais modernas utilizadas na Europa, tanto a nível de maquinários, bem como da utilização das tecnologias mais modernas de elaboração de vinhos”, afirma à reportagem.

De acordo com Adriano, Schumacher sempre foi um grande incentivador dos enólogos brasileiros, e um dos fundadores da Associação Brasileira de Enologia e da Aprovale – Associação dos Produtores do Vale dos Vinhedos. .

“Foi um grande colaborador e patrocinador de eventos internacionais de enologia . Na Miolo ele foi um grande incentivador e durante um tempo colaborou na organização da área comercial. O Werner também é um grande amigo nosso!”, acentua.

Aulas magnas

A editora italiana A AEB, conta Lona, lançava livros de enologia: primícias

Os feitos do alemão em terras gaúchas continuam, afirma Adolfo Lona:

“Mas a tarefa de Werner não se limitou a comercializar insumos e livros, ele trouxe em muitas oportunidades, agrônomos e enólogos europeus que em aulas magnas, ofereciam todos seus conhecimentos aos enólogos gaúchos.

Com isso a enologia ganhou conhecimento, confiança, condições de produzir até em pequenas vinícolas, vinhos de qualidade”, reconhece.

Durante este período e até hoje, Werner sempre foi engajado nas causas direcionadas à defesa da uva e do vinho gaúcho.

“Sem dúvida é justa e merecida toda e qualquer iniciativa para reconhecer os méritos de Werner Schumacher. Eu pessoalmente quero homenagear Werner e agradecer por ter o privilégio de sua amizade”, afirma Adolfo Lona em texto pessoal. .

Com foco e qualidade

Ademir Brandelli: “Velho Schumacher” (Crédito: A Tarde)

Com um tom familiar e transferindo à reportagem o nível de amizade que mantém com Werner Schumacher, o enólogo Ademir Brandelli da vinícola Don Laurindo, gravou um áudio para a reportagem falando de Werner Schumacher.

Ouça:

“Nós enólogos devemos muito ao velho Schumacher. Nos anos 80 ele começou a trazer produtos enológicos para nós termos a opção de elaborar os vinhos e melhorar a qualidade. Além dos produtos, ele  se preocupava em trazer palestrantes da Europa, para vir aqui em Bento Gonçalves, passar os conhecimentos que tinham e têm lá, Então, o setor vitivinícola brasileiro, e nós aqui da serra gaúcha, nós enólogos, proprietários de vinícolas, devemos muito a esse alemão descendente de alemão, que veio aqui a nossa região de italianos, que desbravou essa parte de tecnologia e de produtos e incentivou a gente a elaborar vinhos de boa qualidade com foco, com direção e incentivou muitos pequenos e médios produtores”.

Conhecermos nossa Aldeia

Os relatos dos feitos e empreendedorismo de Werner Schumacher ganham ainda mais corpo (e espírito, porque não) quando conversamos com o enólogo Luiz Zanini, da vinícola Valontano . “Tive uma proximidade com o Werner que pouca gente experimentou. Quando ele saiu da presidência da Aprovale (2005) eu, como vice, assumi e terminei o mandato. Posso dizer que foi um período muito intenso. Aprendi muito com ele, que era extremamente revolucionário, visionário para a época”, confidencia Zanini.

Zanini: “Tinha uma preocupação imensa com o pequeno produtor” (Crédito: divulgação)

De acordo com ele, Werner tinha uma percepção do vinho brasileiro como um produto global, mas com a manutenção de suas características originais e essenciais. “As pessoas não entendiam a visão avançada dele. Propunha o local e o global de uma vez só, pregava a sustentabilidade. Tinha uma preocupação imensa com o pequeno produtor, defendia o paisagismo original do Vale (dos Vinhedos), contra o loteamento e sem a intervenção imobiliária”, relata.

“Sempre dizia que o pequeno que é bonito, que o pequeno que dava o charme ao lugar, sempre falava isso. Nos inspiramos muito no Werner e em sua filosofia, autenticidade e coragem”, relatou.

Ao final, misteriosamente, as duas pontas da reportagem se encontram (Lingua e Vinho, lembram?). Zanini cita uma frase do escritor russo Liev Tolstói para traduzir definitivamente o trabalho de Werner Schumacher à vitivinicultura brasileira: “Só seremos universais se conhecermos e amarmos nossa aldeia”.

Os filhos Max Felipe, Victoria, Waleska, com Werner ao centro (Crédito: arquivo DT)

 

¹Itália fora de Itália: outro olhar sobre a viticultura italiana e as suas repercussões no Brasil – 2014 : Territórios vitícolas em Itália – autores: Shana Sabbado Flores, Vagner da Silva Machado, Vander Valduga e Rosa Maria Vieira Medeiros

Do original: L’Italia al di fuori dell’italia: un altro sguardo sulla viticoltura italiana e le sue ripercussioni in Brasile – 2014 : Territori del vino in Italia


* Paulo Atzingen é jornalista

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