Algumas pessoas questionam como alguém pode gostar tanto de vinho, o idolatram na verdade. O fato é que a grande maioria dessas pessoas foram criadas em um lar onde a bebida fazia parte do cotidiano. Plantavam a videira e produziam o vinho para acompanhar as refeições, comemorar e brindar nas festas e encontros familiares e entre amigos.
Ao circular pelas veias, o vinho passa pelo coração e o irriga com amor.
Há poucos dias, conheci o Alfredo Gonçalves do Tanque, um português da Ilha da Madeira, que cedo resolveu se aventurar pelo mundo e veio a se dar bem em outra ilha, desta feita em Curaçao.
Este valente madeirense acabou por conhecer um conterrâneo, proprietário de uma quinta com direito a parreiral e tudo. Imediatamente a cabeça do Tanque começou a se encher de ideias e recordações dos tempos da Madeira, lá pelos seus 10 anos de idade.
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Àquela época, não importava a idade, todos faziam questão de ajudar e pouco a pouco foi aprendendo o ofício de cultivar a videira e fazer o vinho da casa.
O entusiasmo tomou conta de Alfredo e foi tanto que acabou comprando a propriedade, que vinha inclusive com um Toco, para quem não sabe, é como se chama um pequeno armazém em Curaçao.
O parreiral é da uva Jacquez ou simplesmente Jaquê, um híbrido de uva americana com vinífera, introduzido na ilha da Madeira no século 18 e desta foi para a Europa, sendo chamada, por exemplo, de Barbera Paesana na Itália.
Dom Alfredo, produz aproximadamente 500 litros de vinho por ano, máximo permitido pelas autoridades locais, sem a cobrança de impostos. A uva é literalmente pisada, com botas nos pés. Mais higiênico que os pés descalços, disse-nos ele.
O lagar tem uma prensa central e uma pequena cuba para receber o mosto e trasfegá-lo para as barricas onde fermenta.
Infelizmente, ou felizmente para ele, não conseguimos provar seu vinho, pois vende tudo rapidamente, mesmo que essa produção se dá em 3 (três) colheitas por ano.
É um vinho totalmente natural, sem a adição de leveduras ou sulfito. Também, produz uma bagaceira, que igual não foi possível provar. Tem um pequeno alambique.
Na França, a direção do Parc Naturel Régional des Monts d’Ardèche (região onde o Jaquê é ainda cultivado), foi elaborado um estudo universitário que concluiu que o vinho Jaquê contém uma taxa de metanol comparável à que se pode encontrar em vinhos produzidos com as castas Merlot, Cabernet Franc, Syrah ou Cabernet Sauvignon, que não é perigosa para a saúde, a que acresce que apresenta uma concentração de resveratrol muito elevada, a qual é benéfica para a saúde.
Na Europa é proibido produzir vinhos a partir de castas americanas, mais por uma política comercial e para evitar fraudes. Há muitas videiras enxertadas com Jaquê ainda em produção por lá, é resistente a filoxera, oídio e míldio, sem precisar tratamento fitossanitário.
Como podem ver na foto abaixo e espero não estar equivocado, eis a razão que alguns chamam a Jaquê de Pica Longa, espere, quer dizer cacho longo no dialeto vêneto.
O nosso anfitrião Alfredo é um típico produtor rural, um homem da terra, daqueles que não mais se faz. O calor local não o assusta, além do armazém, da vinha e do vinho, tem lá suas 5 vacas, 2 cavalos e um burro para conduzir o arado e cultiva melancia, mamão, mandioca, entre outras culturas.
É praticamente auto-suficiente, quem sabe o vinho é a ajuda que precisa para esta forte determinação e persistência, esta última característica principal dos homens da terra.
Vida longa caríssimo Alfredo e família!
*Werner Schumacher é articulista colaborador do DT