por Julio Gavinho*
Minha mãe sempre me alertou sobre pessoas que não cumprimentam o porteiro, o caixa do supermercado, o faxineiro do banheiro público ou o ascensorista. Na sua sabia experiência, estas pessoas não seriam “pessoas boas”, pois ignoravam aqueles que lhe mantinham a vida em ordem. Se uma pessoa é incapaz de cumprimentar o porteiro, coisa pior decerto faria.
O padrão da rígida educação que ela me passou, não permitia que eu considerasse estes profissionais como homens invisíveis. O trabalho, independente do que seja, “merece respeito e reconhecimento”, dizia ela.
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O setor de hotelaria e turismo no Brasil é invisível para o governo e para uma boa parcela da sociedade. Por certo você já viu representantes da indústria automobilística, de bens duráveis e de comunicações entre outras, a opinar sobre seu próprio reflexo assim como, a defender seu quinhão como saída para a economia nacional. Advogam que a redução da alíquota do IPI, desoneração da folha e distribuição gratuita de mariolas vão ajudar a retomada do crescimento do Brasil e por conseqüência gerar empregos, impulsionando a economia. Ok, justo o suficiente: farinha pouca, meu pirão primeiro. Mas minha dúvida permanece: onde estão os representantes da hotelaria? Somos mais de R$50.000.000.000 (cinqüenta bilhões, uma pedaladinha fiscal!) de investimentos diretos em tijolos e concreto e mais de 300.000 empregos diretos e indiretos, de serventes de obra a engenheiros, de recepcionistas a gerentes gerais. Todos zelando por seu revigorante sono e aquele café da manhã de hotel que amamos. Mesmo assim, a nação e o Estado passam por nós e não nos dão bom dia, ou perguntam como temos passado.
Decerto que nós hoteleiros ainda sofremos do complexo Rodrigueano de vira-latas, que nos faz desmerecer automaticamente tudo que é nosso e nacional. Esta patologia perniciosa precisa ser tratada com drogas pesadas, como contratos temporários de trabalho, acesso facilitado ao crédito e volta da desoneração da folha de pagamento. Precisamos fortalecer nosso entendimento pessoal de que somos, todos nós hoteleiros, um setor fundamental para o desenvolvimento do país. Entretanto não conseguimos nem melhorar a oferta instalada, pois estamos estrangulados por custos e falta de crédito, nem desenvolver novos hotéis, pois nosso cobertor está curto na bainha de crédito e custos de construção – pressionados pela inflação. Se correr o bicho te quebra, se ficar o bicho te consome.
Decerto que nós hoteleiros ainda sofremos do complexo Rodrigueano de vira-latas, que nos faz desmerecer automaticamente tudo que é nosso e nacional
O nosso complexo Rodrigueano atinge nossos colegas gringos de forma mais pragmática ainda. No cenário atual, levando em conta risco de câmbio e o famigerado “risco Brasil”, os retornos são insuficientes para o mínimo conforto de investimento e daí, eles desistem antes mesmo de começar a pensar em “Brazil”. Considere as grandes cadeias como os “Hyatt” ou os “Marriott”. São contados aos milhares de hotéis mundo a fora e em apenas uma mão no Brasil. O buraco do desenvolvimento é mais embaixo, eu sei. Mas experimente oferecer o mesmo modelo de encargos, tributação e crédito que eles têm em casa, e veja o boom de novos hotéis internacionais acontecerem, primeiro nas capitais e depois nas cidades secundárias.
O grande buraco de desenvolvimento entre nós e eles, é que eles constroem e reformam hotéis em progressão aritmética, com “fura-fila” no processo de aprovação, com crédito privado incentivado e acordos coletivos negociados que regulam as relações trabalho-capital. Tudo claro e feito para durar. E nós? E a durabilidade de nossas regras e acordos coletivos de trabalho? E a tributação sobre a compra, custo de aprovação e de construção? E custos de bens duráveis e sua entrega pelo Brasilzão? Não, eu não sofro do complexo de vira-latas. Eu já abri desenvolvi muitos hotéis ao redor no nosso amado país e, como O Piloto do “Pequeno Príncipe” (o próprio Saint Exupéry), troquei a inocência pelo pragmatismo, embora ainda tente ser um idiota romântico.
Back to the cold cow, o Jornal Nacional de 26 de março, celebrou 70.000 novos postos em manutenção, camareiras e auxiliares de serviços gerais. A matéria falava apenas de hotéis, com cozinheiro de hotel, garçom de hotel e camareira de hotel, embora fosse sobre o assunto mais amplo. Isto é reflexo do crescimento da oferta hoteleira que este ano vai ultrapassar os 10.000 hotéis, e os cerca de 500.000 quartos. Sensível crescimento, mas ainda pífio em face da necessidade que temos. Basta viajar a cidades como Três Lagoas ou Palmas, dínamos da economia nacional. Se você olhar mais de perto para certos segmentos do setor, como luxo e lifestyle, você chegará à conclusão de que ainda temos espaço para projetos no Rio, São Paulo e Brasília.
A hotelaria brasileira não aguenta mais ser invisível aos olhos públicos, sendo preterida aonde outros setores são beneficiados
Para concluir então, pergunto: Porque então que esta roda de desenvolvimento não gira? A base de custo do nosso setor nos asfixia. A hotelaria brasileira não agüenta mais ser invisível aos olhos públicos, sendo preterida aonde outros setores são beneficiados. Praticamos uma atividade sazonal e devemos ter direito a contratar profissionais de forma sazonal, crescendo junto com temporada e recolhendo os “flaps” fora dela. A hotelaria brasileira não agüenta mais ser invisível aos olhos públicos, sendo preterida no cálculo do metro cúbico de água e esgoto ou nas bandeiras do cálculo do KW/h. Precisamos sim de premiação por captação própria de água ou geração de energia. Carecemos de incentivo tal qual recebem todas as outras atividades melhor representadas perante o governo. O segundo item é o acesso amplo ao crédito nas mesmas condições que recebem obras de infra-estrutura e grandes produtores rurais. Nossos processos de financiamento precisam de celeridade e de regras específicas de enquadramento e garantias. A hotelaria brasileira não agüenta mais esperar 1 ou 2 anos por uma resposta de crédito, seja positiva ou negativa. Quando recorremos aos bancos privados, como Itaú, Bradesco ou Santander, são 90 intermináveis dias. Há a questão do custo efetivo deles, eu sei. Porém nenhum dos três grandes players está comprometido em estatuto com o Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil. Seu compromisso é com o lucro e, sem dúvida, é isso que os faz grande.
Eu milito neste setor ha 29 anos (30 em agosto deste ano) e já carreguei mala, já cozinhei, já montei café da manhã, já fui auditor noturno, gerente, diretor de vendas, de marketing, de desenvolvimento, de aquisições, e presidente de empresa. O tempo passa agora mais rápido para mim, e eu gostaria nesta vida de ver um setor forte, com políticas públicas pensadas por nós e para nós, com crédito responsável porém disponível de forma isonômica, para que este setor possa então, contribuir para a devolução do Brasil ao seu lugar de direito na arena mundial.
O lugar de destaque entre as maiores economias, aonde é impossível passar por homem invisível.
*Julio Gavinho é executivo da área de hotelaria com 30 anos de experiência, fundador da doispontozero Hotéis e criador da marca Zii Hotel.