Os Encantos da Praça em Itamoji (MG)

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Gabriel Emidio Silva*

Feche os olhos e pense na cidade de Itamogi (MG). A imagem mais imediata que se descortina dos domínios da memória é a Igreja de São João Batista. Solene, sólida e majestosa, concentra ao redor de si o vazio vivo da praça. Espaço e tempo se misturam, perpetuando a singularidade deste fragmento do planeta construído, modificado, retraduzido e entranhado no sentimento de ser itamogiense – de nascimento ou de coração.

Nas minhas digressões mais longínquas, a lupa do retrovisor alcança o final dos anos 50, vestindo calça curta de brim surrada, camisa de flanela, um par de botinas de vaqueta – sempre deslumbrado pelas luzes da cidade, pelo glamour dos poucos automóveis de então e pela possibilidade de ganhar um picolé de limão ou de groselha. Ou, quem sabe, um guaraná caçula. Menino da roça, tímido e retraído, tutelado pelos adultos da família.

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O tempo foi passando e, com ele, ficou para trás a deliciosa ingenuidade pré-escolar. Aos poucos, meus olhos foram descobrindo as novas facetas da praça. E do casario em torno dela – residências imponentes, bares, lojas, barbearias e o legendário Cine Éden. Na primeira matinê da vida, fiquei o tempo todo esperando a aparição do Vadico, o dono do cinema, na tela. Realidade, fantasia e inocência se mesclavam. E voavam nas asas da imaginação.

Aos poucos, meus olhos foram descobrindo as novas facetas da praça

As calças um dia ganharam pernas e o rosto as primeiras espinhas – discretas mas um sinal claro de novidades. Quando o alto-falante do Cine Éden abria a noite ao som do prefixo inesquecível – La Paloma, com a orquestra de Billy Voughn, começava o footing. Moços e moças se cruzavam numa incansável roda-viva movida a suspiros, flertes, recadinhos e, com algum jeito e sorte, um deleitável pit-stop num dos bancos de cimento armado. Ali, sob olhares mexeriqueiros do footing, os pombinhos nem se tocavam – que vergonha!

A testemunhar o ritual de sábados, domingos e dias de festa, reinava o jardim pontilhado de árvores alinhadas e belas, mesmo quando infestadas das incômodas lacerdinhas. Um dia o jardim ganhou a fonte luminosa –evento progressista, impregnado de urbanismo primitivo e carinho pela cidade. Nas calçadas e janelas das casas, os mais velhos apreciavam o movimento e estocavam repertório para alimentar as conversas da semana. Da praça, um pulo para as primeiras beberagens e pileques. E o ponto para se combinar o baile de roça mais votado da noite.

Ah! Se os bancos da praça ouvissem e falassem, quantas juras de amor teriam a revelar…

Nos bancos mais protegidos dos globos luminários, localizados nas laterais e atrás da igreja, os namorados cediam aos apelos dos corações palpitantes. E se tocavam, entrelaçavam as mãos, se afagavam na delicadeza dos abraços e se entregavam ao torpor desajeitado dos primeiros beijos. Ah! Se os bancos da praça ouvissem e falassem, quantas juras de amor teriam a revelar. Quantas confidências inconfessáveis, paixões derretidas e histórias de amor dissolvidas na poeira do tempo.

Bancos singelos, com profundo sentido gregário. Se à noite aconchegavam os namorados, depois da missa das 9 acolhiam as famílias devotas, umas mais, outras menos granfas em seus trajes domingueiros. Em cada banco, a inscrição com o nome do doador, local de moradia e até função social. Sempre associei os créditos aos beneméritos dos bancos às inscrições lapidares. As pessoas passam, mas deixam rastros. Os nossos antepassados, pioneiros, corajosos e sonhadores, do jeito que puderam, construíram um legado digno de respeito, reverência e preservação.

O menino cresceu, tomou tento, cismou, matutou, decidiu e partiu. Num emaranhado de emoções, dúvidas e medos, embarcou num trem da Mogiana rumo a outro mundo. Na bagagem invisível alojada no coração, a cada sacolejo do vagão, instantâneos fotográficos de tudo que deixava para trás.

O menino cresceu, tomou tento, cismou, matutou, decidiu e partiu

Pessoas queridas, caminhos e cheiros, paisagens ancestrais, paineiras colossais, comunheiras em meio ao verde dos cafezais – o vínculo profundo com o chão onde eu nasci. Mas a orientar todas as lembranças desde a primeira partida, o selo mental, o ícone, a marca civilizatória de Itamogi – a praça da igreja de São João Batista.


* Gabriel Emidio Silva é itamogiense do Córgo da Onça e vive de ler, prestar atenção e escrever

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